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Friday, April 23, 2010

O inferno do futebol força

Texto que escrevi para o blog da comunidade Futebol Arte é Coisa de Viado (FAECV). O link para o blog (feito de textos de vários participantes da comunidade) já está disponível ali à direita.

O Inferno do futebol força

Tive o prazer de ler recentemente A Divina Comédia, obra maior do poeta italiano Dante Alighieri em que ele narra uma viagem fantástica através dos reinos do Inferno, do Purgatório e do Paraíso, dividindo-os em círculos para unir pecadores e almas salvas em categorias semelhantes (círculo infernal dos furiosos e paradisíaco dos que combateram pela fé cristã, por exemplo). O autor florentino, que também participava da vida política de sua cidade, passou por perseguições, traições e inclusive foi exilado, em episódios que renderam-lhe inimigos - todos castigados na obra.

Decidi então fazer uma adaptação de parte desse épico, mas voltada para o futebol força. Claro que fiz algo bem simples (não tenho nem pretensão de me aproximar da obra de Dante) e me restringi apenas ao primeiro reino. Talvez um dia tome vergonha na cara e escreva sobre o Paraíso força também, mas não sei se conseguiria escrever um Purgatório - já que, aqui, o meio termo é um tanto vago. Tentei citar exemplos para cada círculo, mas o primeiro não terá acusações nominais já que é muito abrangente. Só uma breve introdução para quem não leu a obra: os nove círculos são dispostos na forma dum funil, com o primeiro no topo sendo o mais largo e o nono sendo o mais estreito na base. Todos são abrasados, exceto o último, que é gelado e é onde Lucífer passará a eternidade mascando os traidores Judas, Brutus e Cassius - isso no original, já que não segui os critérios de Dante para julgamento dos condenados.

Primeiro círculo - Inimigos dos torcedores
Antes de sermos apreciadores do futebol força, somos fãs do esporte bretão. Assistimos até partidas de categorias inferiores, gastamos tempo (e dinheiro), tomamos chuva indo ao estádio. Essa paixão toda, no entanto, esbarra em obstáculos vindos de dentro do próprio mundo da bola - pior, às vezes até do próprio clube: dirigentes corruptos, horários absurdos, contratações questionáveis, policiais que tratam torcedores como bandidos... enfim, há inúmeras provações para quem se aventura a ir ver seu time jogar. Cartolas incompetentes, policiais despreparados e os responsáveis pela elaboração das tabelas (sejam das federações, sejam da Globo) merecem ser punidos vendo ininterruptamente partidas de nível técnico horroroso que começam às 21:45, com direito a sofrer agressões de quem faz a segurança (?) do local.

Segundo círculo - Jogadores desleais
A história não deixa de se repetir: um novato entra na FAECV, abre um tópico e posta o vídeo de alguma agressão gratuita com o comentário "Isso que é futebol raçudo!". Não, um carrinho criminoso que deixará um colega de profissão fora dos gramados por meses não é sinônimo de raça. Jogadores desleais como Marco Materazzi, Domingos e Fábio Costa serão condenados a este setor e encontram seus fãs para que todos possam se bater até o dia do juízo final - e para que os espectadores possam sentir na pele as agressões que os fizeram sorrir.

Terceiro círculo - Firulentos
Não que seja realmente um mal, mas por ser a antítese do que os membros da comunidade apreciam, o "futebol moleque e descompromissado" recebe o seu círculo. Quem nunca se desesperou por ver algum atacante do seu time tentar um drible a mais e perder um gol? Ou ainda, aquele jogador ciscador que tem lugar cativo entre os onze titulares porque sempre dribla, pedala, levanta a torcida... mas não faz nada que efetivamente ajude o time? Jogadores como Denílson e Rico (ambos ex-São Paulo) são transformados em focas malabaristas como punição por seus dribles inúteis.

Quarto círculo - Estúpidos
Algumas situações críticas ou até vexatórias são criadas por ações e escolhas equivocadas, dentro e fora de campo. Exemplos: o carrinho-coice de Márcio Nunes em Zico; a expulsão por reclamação do atacante ponte pretano Rui Rei contra o Corinthians na final do Paulista de 1977 (serei extremamente bondoso com o ex-jogador e não considerarei as especulações de que ele se vendeu) ou escalações bizarras em jogos decisivos (para pegar um exemplo ainda fresco, Richarlysson titular no jogo de volta das semis do Paulista). O castigo para quem faz essas escolhas duvidosas, sejam jogadores, técnicos ou dirigentes, será passar pela angústia e aflição que suas vítimas sofreram até o fim dos tempos - desde o adversário contundido ao torcedor que viu o título escapar entre seus dedos.

Quinto círculo - Coléricos
Local de punição para jogadores destemperados que faltaram com seus times em momentos decisivos por falta de controle. Entram aqui também aqueles que caem na provocação do adversário, pois não tiveram sangue frio para ignorar a catimba - ou, pelo menos, para revidar num momento mais oportuno. Apesar de toda a minha admiração, tenho que ser coerente e colocar o maestro francês Zinedine Zidane nessa área, já que sua cabeçada em Materazzi pode ter custado uma Copa do Mundo a "les bleus". Além dele, o meia chileno Valdívia também sofreu expulsões por não conseguir controlar seus ânimos durante as partidas. Que seus momentos de fúria sejam prolongados, para que se agridam, se batam e rasguem as próprias carnes.

Sexto círculo - Traidores de rivalidades
Hoje já não se acredita mais em amor ao clube e, muitas vezes, o torcedor quer apenas que o jogador "dê o sangue" dentro de campo - isso, inclusive, geralmente é a única coisa que se pede dos jogadores de técnica limitada. No entanto, quando alguém se destaca e cria uma forte identificação com um time, a torcida desenvolve um certo ciúme, talvez, e não quer ver aquele ídolo em outro clube, muito menos no rival. Ronaldo traiu duas das principais rivalidades europeias: explodiu no Barça, passou pela Inter de Milão (clube que apoiou seu tratamento mesmo quando o mundo já o dava como um ex-jogador), se tornou um galáctico no Real Madrid e, queimado após a Copa de 2006, foi acolhido pelo Milan. Jogadores que trocam de camisas que com essa facilidade merecem receber uma nova face na parte de trás da cabeça para receberem cusparadas de dois lados.

Sétimo círculo - Pop stars
Um dia o futebol já foi um esporte coletivo. Era mais importante o bem comum do que o triunfo pessoal e o plural era sempre mais importante do que o singular nas declarações. No entanto, o futebol foi arrastado junto com o resto do mundo para o buraco do individualismo e equipes que beiravam o fascismo com sua supressão do indivíduo, hoje servem apenas como trampolim para jogadores que querem mais câmeras, microfones e fotografias. Atletas como Cristiano Ronaldo, Neymar, Cissé, Balotelli e Daniel Alves, que se esforçam para ser manchete pelo que fazem fora de campo, que se preocupam mais com o próprio visual do que em treinar fundamentos e que tratam o resto do mundo com arrogância (desde o jornalista esportivo ao torcedor comum) têm como algoz a perda da individualidade: condenados a vagar sem rosto, não reconhecem os outros e também não são reconhecidos.

Oitavo círculo - Mercenários
"Money, it's a crime". Seguindo o evangelho de São Roger, reunirei aqui os obcecados por dinheiro. Robinho, claro, é o exemplo mais nítido de habitante desse círculo, pois o jogador fez o que pôde para deixar o Santos, depois embirrou que precisava sair do colosso Real Madrid crente que jogaria no Chelsea e acabou no modesto Manchester City. Hoje, emprestado de volta ao clube da Vila Belmiro, comemora cada gol com a certeza de que sua moral está voltando lá fora (e que, um dia, será o melhor jogador do mundo). Outro exemplo de jogador que considero mercenário é o que só joga quando lhe convém, como é o caso do meio-campista Tinga, da Ponte Preta. Quase não se nota sua presença em jogos contra equipes como Rio Claro, Monte Azul e Mirassol, mas o jovem vira um leão em campo quando enfrenta Palmeiras, São Paulo e Corinthians. Certamente que ele não aprendeu a jogar na véspera de cada um desses jogos, o problema é a má vontade em todos os outros. Creio que um círculo retrô, com jogadores tendo que manter um emprego e disputando partidas apenas por paixão seria uma forma justa de punição.

Nono círculo - Os papas da arte
Assim como Dante, reservei este círculo para apenas três pessoas que considero arautos do futebol arteiro, pois ajudaram a espalhar aos quatro ventos a postura "boleragih ferah" que já começa a poluir os gramados brasileiros. O primeiro seria Ronaldinho Gaúcho, protagonista da campanha "Joga Bonito", da Nike - conjunto de anúncios em que o gol é apenas um detalhe e que fez milhares de jovens terem uma visão deturpada do que é futebol. O segundo habitante é Armando Nogueira, jornalista esportivo que combateu com unhas e dentes o futebol força e de resultado, inclusive com torcida contrária (caso de Grêmio x Ajax no Mundial de 95, por exemplo, em que esqueceu a demagogia do "_____________ é Brasil no Mundial!").

Finalmente, o último morador deste círculo é Ricardo Teixeira, cacique eterno da CBF. O cartola transformou a seleção brasileira e os clubes do país em meras vitrines para vendas de jogadores, principalmente com o apoio da lei Pelé e ligações obscuras com a Nike, empresa que veste o selecionado (e que, teoricamente, escala atletas). Além disso, escalações de peças fundamentais do elenco dos clubes para jogos e até torneios internacionais de menor importância muitas vezes atrapalharam as entidades a quais eles pertenciam, como o Santos na Libertadores de 2005 ou a Ponte Preta na Copa do Brasil de 2001 (Robinho no Peixe, Washington na Macaca).

Toda essa ficha corrida enfraqueceu o futebol em si, além da sua prática de maneira mais aguerrida - já que se passou a ser mais frequente a preocupação em ir à Europa do que marcar o nome na história dum clube daqui, criando o individualismo e a sede de dinheiro citados acima. Além do mais, a facilidade com que o cartolaço cedeu às mudanças de horário impostas pela Globo o configura como o maior inimigo dos torcedores, já que preteriu a alma do esporte. Portanto, Teixeira, Nogueira e Ronaldinho são condenados ao martírio de serem moídos pelo restante dos séculos sob as travas da chuteira dum Felipão de quarenta jardas de altura.

Só uma nota: este texto é uma brincadeira minha e não expressa o pensamento dos membros da comunidade, que podem discordar de algumas condenações ou até mesmo de alguns dos círculos. E se me plagiarem de novo, não posso ameaçar fazer muita coisa além de encher a caixa de e-mails do calhorda sujo que fizer a cópia.

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