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Wednesday, December 26, 2012

Chetnik

Apesar de pesquisar, não consegui reencontrar o nome do fotógrafo que captou essa imagem. A foto é dum soldado sérvio durante seu descanso nos conflitos que racharam a antiga Iugoslávia no começo dos anos 90. Não imagino qual foi o papel deste homem: se ele cometeu atrocidades contra os muçulmanos, se lutou de maneira "limpa" ou se foi morto dias depois. Pode ter se tornado posteriormente um excelente pai de família ou sido o executor de crianças - ou ambos. O que está registrado, no entanto, é este breve momento e o aspecto de serenidade e sensibilidade do combatente. Lembro de meu professor de fotografia, Nelson Chinalia, com sua fala de que até as imagens podem criar falsas impressões e trair o princípio jornalístico da imparcialidade.


Thursday, December 20, 2012

2012

2012 vai chegando ao fim e achei necessário escrever uma retrospectiva do ano que se encerra (hooo, figura pública). Longo ano, posso dizer, de tantos altos e baixos, surpresas, mudanças em meu comportamente e ao meu redor. Foram doze meses em que me arrisquei mais do que de costume e colhi bons frutos por isto, além de ter sido mais firme em meus posicionamentos, principalmente no momento em que deixei de frequentar o Moisés Lucarelli. Ainda engatinho em algumas áreas de discussão, mas hoje já me acostumo a defender pontos de vista pouco populares referentes a: política, economia, comportamento e até esporte - largar o futebol exigiu mais debates do que eu esperava, acreditem.

Partindo do princípio: logo após um bucólico réveillon, em janeiro tive dez dias de férias e neste período fiz a tão protelada tatuagem em memória de minha mãe. Houve, no entanto, um episódio não citado aqui no blog, mas digno de menção: um dia antes de ir ao estúdio de tatuagem saí de casa sozinho e fui ao Bar do Wili tomar uma cerveja. Apesar da certa insegurança de beber desacompanhado, ainda consegui exercitar a cara de pau ao puxar papo com uma moça no balcão do bar e ainda arrumei um encontro para outro dia da semana. Este simples gesto, aparentemente insignificante, exigiu um esforço hercúleo deste cara ainda tímido e tão incompetente na arte de abordar desconhecidas. Depois de alguns encontros paramos de nos ver, assim como não deram certo outras tentativas de envolvimento depois, mas se houve algo que felizmente consegui trabalhar nesse ano foram a timidez e a falta de autoestima.

FAECV reunida: Freixeda, Paulo, Antônio, Gregory, Germano, Eu, Everton e Nelson
Assim como me arrisquei mais em relacionamentos, também me doei mais aos amigos. Destaque para o I Encontro Nacional da FAECV realizado em São Paulo no mês de abril, com as ilustres presenças do gremista Herr Germano Schneider, do lesk carioca Antônio Florêncio e de vários paulistanos do grupo. Houve também as reuniões com as amigas Lígia, Ju e Suelene para debater os rumos do heavy metal mundial e a influência do Manowar sobre a cultura ocidental. Além destas, houve outras ocasiões para conhecer ou reencontrar colegas: bebedeiras futebolísticas, aniversários, desabafos que ouvi e contei, além da volta aos shows com Exumer, Artillery e Behemoth.

  
Ainda no começo do ano uma mudança foi o princípio duma era de mudanças no meu ambiente profissional. Quando, lá em maio, a jovem Mayara (ainda com dezessete anos) foi anunciada como nova funcionária do time do qual faço parte, mal imaginava eu que haveria uma grande renovação entre os integrantes do time e que o clima seria melhorado de forma tão significativa. Hoje faço parte duma excelente equipe, de profissionais comprometidos e que fazem com que cada ida minha ao trabalho seja desafiadora, porém de maneira muito positiva. Quanto à Ma, acabei adotando a "novinha" como minha filha e já acharam um álibi para minha calvície galopante.

Time reunido para o amigo secreto de fim de ano
Seguindo a linha cronológica chegou o fim do primeiro semestre com vinte dias de férias em maio, a turbulenta viagem ao Uruguai e a mudança de minhas atividades na IBM quando deixei de trabalhar com parceiros americanos e passei a atender brasileiros. Aprendi demais com isso, principalmente a dosar a informalidade e o "jogo de cintura" necessários para lidar com todo tipo de gente, desde o cliente furioso que requer seriedade até o vendedor que me liga dizendo "Luizão, tem como ver tal coisa? Tem?? Fechou então, valeu aê, abração!!". É engraçado ver como eu estava acostumado aos contatos mais contidos dos polidos colegas americanos, hoje até fico em dúvida se eu levava meu comportamento da empresa para a vida pessoal.

Um dos pontos baixos do ano, no entanto, veio do campo profissional. Recebi no começo de julho um "defect", uma reprovação numa auditoria interna: mensalmente algumas amostras de registros feitos são colhidas entre as atividades realizadas recentemente e é preciso mostrar que tudo foi feito corretamente. Entre as inúmeras máquinas que tiveram seu prazo de garantia registrado por mim, defini que uma delas teria o número errado de anos de cobertura por um erro de um dígito. Engano bobo, infantil, mas que gerou muitas dores de cabeça, reuniões, peso negativo em minha avaliação anual... mas enfim, sobrevivi, aprendi a ser mais cauteloso e centrado, além de que mais tarde tive feitos que ajudaram a melhorar meu ano.

Agosto foi o mês das maiores aleatoriedades: numa assembleia a respeito de reajuste salarial questionei a forma como a empresa em que trabalho ofereceu um bônus e chamei a postura da empresa de "ardilosa", uma ousadia da qual eu jamais me consideraria capaz - uma sequência do uso de cara de pau iniciada naquele balcão em janeiro. Na vida pessoal, uma semana depois minha irmã deixou o país para trabalhar como au pair - e assim começou a aproximação entre meu pai e eu. Em seguida comecei as aulas de boxe e, para fechar o mês, resolvi fazer uma festa de aniversário e interrompi um hiato de dezessete anos sem comemorar a data. Foi interessante reunir amigos que não se estariam juntos se não fosse por terem em comum a amizade comigo, assim se vê o encontro de mundos às vezes tão distantes. Reforçando o que disse sobre me doar mais aos amigos, foi apenas nesta comemoração que conheci pessoalmente a Maju, com quem eu mantinha contato virtualmente há muito tempo - mesmo os dois morando na mesma cidade.

Suelene, Maju e eu @ Bar do Wili
Setembro, um mês de muita correria no trabalho, ficou marcado por meu abandono esportivo. Ou melhor, marcado com ressalvas, pois até hoje muitos amigos nem sabem que larguei os gramados e continuo sendo interrogado sobre meu sumiço do Moisés Lucarelli. Uma nota triste: logo na virada de setembro para outubro morreu minha já velhinha hamster Bolacha.

Para encerrar, os últimos meses foram positivos na vida profissional: consegui resolver um impasse antigo e dessa resolução consegui visibilidade e redução de minhas tarefas, não recebi mais "defects" e consegui finalizar os treinamentos de todas as áreas de meu time. Como trabalho normalmente no fim de ano não devo viajar, apenas passarei a ceia de Natal com meu pai e não sei o que farei na hora da virada para compensar o último réveillon (e fechar o ano com chave de ouro), mas considero 2012 um ano excelente, quiçá o melhor de minha vida. Agradeço a todos que de alguma forma participaram dele, mesmo que apenas pela internet, em um ou outro papo em mesa de bar ou estando a meu lado por dois ou três meses.

Wednesday, December 5, 2012

Abstinência negada

Não faz muito tempo que contei em outro post sobre minha apostasia esportiva. Como deixei de acreditar que o tal do "futebol moderno" mercantilista pudesse ser derrotado, fiz como John Galt e abandonei este mundo por não mais concordar com ele e não querer mais ser seu cúmplice: deixei a Ponte Preta, devolvi meu cartão de Torcedor Camisa 10 (o programa de fidelidade do time), parei de frequentar o estádio e ler notícias sobre futebol. Se o futebol é produto, o consumidor insatisfeito aqui decidiu boicotá-lo. Fui cuidar da minha vida sem esquentar mais a cabeça com o novo topete do Neymar, as óbvias premiações individuais de fim de ano ou o vexame mais recente do Adriano.

Eu deixei de procurar o futebol, porém ele ainda continua a me seguir. Repeti tantas e tantas vezes que o Brasil não é o país do futebol pois o brasileiro médio não é muito chegado no esporte, tão pouco que ele reage com estranheza quando sabe que algum conhecido vai ao estádio num jogo de pouco apelo. Viajar para outro estado ou país para ver uma ou algumas partidas, então, é impensável para o mesmo cidadão que deixa de trabalhar para ver uma partida do Brasil na Copa. Porém, se o brasileiro ainda fica atrás do argentino, do inglês ou do italiano, pelo menos ele assiste seu número razoável de partidas e gosta de falar sobre futebol - e é aí que minha tentativa de isolamento falhou.

"Luiz, tem correspondência... MAS VIU O GOL DO FRED ONTEM?
Notei como futebol é uma forma interessante de se jogar conversa fora: é um assunto mais rico do que as variações climáticas e pode se desdobrar em vários tópicos, mesmo que a conversa gire por vários lugares-comuns. E o como acesso a informações e notícias do futebol é fácil, qualquer um pode falar a respeito disto: o porteiro rancoroso em sua torcida pelo rebaixamento bugrino, o colega de trabalho palestrino e seu luto preventivo, o gerente de segunda linha feliz com o título do seu Fluminense... Indo além dos conhecidos mais próximos, há o pessoal da academia, os vizinhos, vários conhecidos torcedores da Ponte e também de outros times que conheci através do Facebook e até desconhecidos que puxam papo numa fila de banco ("é do Inter essa camisa?", pergunta alguém que me vê com camisa do Independiente).

E aí surgiu a dificuldade que eu não esperava: eu não era o maior dos fanáticos e estava anos-luz atrás de alguns amigos, mas para eles e para os torcedores mais casuais eu era um cara "do futebol" e esse assunto era garantia de interação comigo, ainda mais por eu ser introspectivo e esta ser uma forma de me incluir nas conversas em que eu era apenas um observador. Como explicar que, da noite para o dia, eu já não acompanhava mais nada e sequer imaginava quais seriam as partidas da rodada seguinte? É fácil dar uma enganada e manter o diálogo mesmo com conhecimentos superficiais, porém acho que a maioria das pessoas nem percebeu meu abandono. Uma delas, porém, eu até prefiro que fique sem saber: meu pai.

Como já disse em outro post, não éramos tão chegados e fomos nos aproximando recentemente, em lentos e curtos passos. Refletindo agora, vejo que o futebol sempre foi a melhor forma de quebrarmos o gelo e continua sendo até hoje, nunca vou me esquecer do domingo em que ele ligou simplesmente para comentar que a vitória parcial da Portuguesa rebaixava o Palmeiras. E aí, quando ele ligar perguntando se eu vou querer ver com ele a final do Mundial desse ano, vou conseguir dizer que não vou pois não compactuo com o rumo atual do futebol e que decidi renegar qualquer forma de colaboração com o establishment? Não, evidente que não.

Não é escolha minha, mas seguirei de olho na bola, até porque é interessante acompanhar o futebol mesmo que seja apena para rir do lado ridículo da coisa. Não vou saber com precisão datas de jogos, posições na tabela e quem disputa o quê, principalmente com a bizarra regra de classificação que envolve Copa do Brasil e Sul-Americana. Apesar de não fazer muita questão, creio que ainda consigo manter as aparências perante os conhecidos por um bom tempo simplesmente me atualizando por osmose e respondendo obviedades em conversas.

O ânimo atual: ele é quase nulo

Friday, November 23, 2012

O diploma

São alguns meses de atraso e nem iria escrever sobre o tema, mas como o blog precisava ser atualizado resolvi registrar aqui algumas linhas sobre a discussão a respeito da exigência do diploma de curso de Jornalismo para que se exerça esta profissão. Essa é a minha área de formação, porém creio que virei uma ovelha negra entre alguns colegas por ter me posicionado contra a decisão do Senado. Já havia demonstrado meu ponto de vista sobre o assunto em um ou outro debate no Facebook, mas é melhor fazer algo mais elaborado e permanente.

O principal argumento dos defensores desta decisão, é claro, baseia-se no preparo obtido nas faculdades. As aulas teóricas e práticas fariam do estudante um jornalista preparado para o mercado de trabalho, para as redações e para os veículos de comunicação. Alguém "de fora", sem diploma e sem a experiência que se obtém no decorrer dos quatro anos de curso não teria o mesmo know-how dum diplomado, mas cito uma situação que testemunhei bem de perto.

Durante os anos que fiz esse curso não houve nenhum ensinamento transmitido sobre jornalismo esportivo. NENHUM. Houve um dia em que um professor de rádio simulou a cobertura duma partida de futebol em classe, com alguns alunos chutando uma bola de papel e outros no lugar dos jornalistas: narrador, comentarista, repórteres de campo, ouvintes. Essa simulação, muito semelhante a uma brincadeira realizada em algum churrasco qualquer por amigos que já tenham assistido pelo menos uma transmissão televisiva na vida, foi o que mais se assemelhou a uma aula de jornalismo esportivo numa das faculdades mais tradicionais do estado. Apesar disso, bons jornalistas esportivos saíram da PUC Campinas, inclusive da minha turma. Não porque tiveram aulas sobre a história do futebol da cidade ou porque professores tenham ensinado por horas a fio análises táticas, formas de avaliar jogadores ou como funcionam os bastidores do esporte. Todo este conteúdo o jornalista desenvolveu por ter interesse nessa área e porque pesquisou, leu, se informou e acumulou conhecimento. E se esse aprendizado feito por conta própria permite que alguém escreva com propriedade sobre esporte, por que isso não pode se estender a outras áreas?

Alguém que se interesse, por exemplo, por economia, ciência ou cultura e que conheça estes temas profundamente pode escrever matérias com muito mais acuracidade e profundidade do que um jornalista posto frente ao teclado apenas para preencher uma vaga. "Mas e se o jornalista se interessar por esses temas?", podem perguntar. Então ele simplesmente poderia descartar este protecionismo e não deveria se preocupar em competir com alguém que não é jornalista formado, pois conhece a forma e o conteúdo. Assuntos relevantes como História da Arte, Economia e até a língua portuguesa são vistos às vezes apressadamente* e o aluno recebe apenas uma pincelada de temas tão importantes, portanto o ensino na faculdade não se aprofunda tanto no conteúdo e prende-se à forma, mesmo sendo esta adquirível por emulação.

Essa medida protecionista visa então blindar os jornalistas e garantir a manutenção de seus empregos enquanto o Jornalismo pode deixar de receber matérias mais bem escritas por gente com embasamento mais profundo. Aos colegas que defendem esta reserva de mercado por acreditarem que o diploma seja uma garantia de preparo completo para a ativade jornalística, deixo uma pergunta: o que achariam se a mesma medida fosse tomada para que se restringisse a atividade de assessor de imprensa apenas a quem tem diploma do curso de Relações Públicas?

Parafraseando Castelo Branco: "Se é eficiente, não precisa de monopólio. Se precisa, não o merece"
* Tive aulas de Português no primeiro semestre, porém a professora sofria de hérnia de disco e raramente conseguia comparecer para lecionar. Como não tínhamos professora subsituta, minha turma praticamente se formou sem estas aulas. (Perdão pelo momento Diário de Classe).

Sunday, November 11, 2012

E se vivêssemos todos juntos?

Nesta tarde vi o filme francês E se vivêssemos todos juntos? no Cine Topázio do Shopping Prado, um espaço que põe lado a lado lançamentos de Hollywood e também alternativos, internacionais e brasileiros. Gostei do cinema, há salas pequenas, porém aconchegantes e uma biblioteca fica disponível para que os clientes peguem livros emprestados. Levei Ciranda de Pedra, da Lygia Fagundes Telles para devolver não sei exatamente quando e fica aqui meu compromisso de também doar alguns livros ao acervo deles.

Sobre o filme, a história fala sobre cinco amigos já de idade avançada que, ao notarem como têm apenas uns aos outros como pessoas em quem podem confiar e se cuidarem mutuamente, juntam-se e passam a viver juntos numa espécie de república. A história mostra então a nova vida do grupo formado por dois casais (Jean e Annie, Albert e Jeanne) e pelo mulherengo solteirão Claude com o jovem Dirk.

É um filme belo e de um olhar muito otimista sobre o ocaso do homem ou, pelo menos, de como ele pode ser para a geração atual de idosos. Senhoras e senhores se divertem, mantêm um cotidiano ativo e continuam a viver com certa independência. A exceção é Albert, interpretado impecavelmente por Pierre Richard: o personagem começa o filme com um pequeno esquecimento (havia ou não levado o cachorro para passear?) e no decorrer da história seus lapsos aumentam exponencialmente. Jane Fonda, que faz a esposa Jeanne e Claude Rich, de personagem homônimo, são outros destaques frente às câmeras. Daniel Brühl aparece como Dirk, porém o papel desempenhado é ofuscado pois o carro chefe do longa é a quina da melhor idade.

Fica então essa dica de filme. Vale muito pelo trabalho dos atores e da agradável e divertida forma do diretor Stéphane Robellin de mostrar o envelhecer. Antes de ir ao cinema achei que este seria um drama pesado e de muitas cenas devastadoras, porém não encontrei nada disso - talvez minha visão pessimista do que é chegar a uma idade avançada deva ser revista e corrigida.

O casal Albert e Jeanne

Saturday, November 10, 2012

Robin Hood

Trecho do segundo livro da trilogia A Revolta de Atlas, de Ayn Rand, em que o pirata Ragnar Danneskjöld apresenta-se ao industrial Hank Rearden. As palavras em itálico foram marcadas assim pela própria autora.

"Saqueei os navios que ostentavam a bandeira da ideia que estou combatendo: a de que a necessidade é um ídolo sagrado que exige sacrifícios humanos, que a necessidade de alguns homens é uma lâmina de guilhotina pairando sobre outros, que todos nós temos de viver com nosso trabalho, nossas esperanças, nossos planos, nossos esforços à mercê do momento em que essa lâmina cairá sobre nós - e que quanto maior nossa capacidade, maior o perigo para nós, de modo que o sucesso coloca nossas cabeças sob a lâmina, enquanto o fracasso nos dá o direito de puxar a corda. Esse é o horror que Robin Hood imortalizou como ideal moral. Diz-se que ele lutava contra governantes saqueadores e restituía às vítimas o que lhes fora saqueado, mas não é esse o significado da lenda que se criou. Ele é lembrado não como um defensor da propriedade, e sim como um defenso da necessidade; não como um defensor dos roubados, e sim como protetor dos pobres. Ele é tido como o primeiro homem que assumiu ares de virtude por fazer caridade com dinheiro que não era seu, por distribuir bens que não produzira, por fazer com que terceiros pagassem pelo luxo de sua piedade. Ele é o homem que se tornou símbolo da ideia de que a necessidade, não a realização, é a fonte dos direitos; que não temos de produzir, mas apenas de querer; que o que é merecido não cabe a nós, e sim o imerecido. Ele se tornou uma justificativa para todo medíocre que, incapaz de ganhar seu próprio sustento, exige o poder de despojar de suas propriedades os que são superiores a ele, proclamando sua intenção de dedicar a vida a seus inferiores roubando seus superiores. É essa criatura infame, esse duplo parasita que se alimenta das feridas dos pobres e do sangue dos ricos, que os homens passaram a considerar ideal moral. E isso nos levou a um mundo onde quanto mais um homem produz, mais ele se aproxima da perda de todos os seus direitos, até que, se for de fato muito capaz, ele se transforma numa criatura desprovida de direitos, presa de qualquer um - ao passo que, para estar acima de todos os direitos, de todos os princípios, da moralidade, para estar num plano em que tudo lhe é permitido, incluindo o saque e o assassinato, basta para um homem estar em necessidade."

Sunday, November 4, 2012

Influências

Nesta última quinta-feria houve uma reunião do setor do qual faço parte dentro da empresa para rever números, resultados e destaques do terceiro quartil de 2012 e uma dupla de entrevistados, uma mulher do time de vendas e um gerente de operação, foi convidada para falar sobre pressão e como lidar com ela, uma forma de nos prepararmos para o pico de trabalho habitual dos finais de ano. Creio que o tiro saiu pela culatra, pois a moça parecia desanimadíssima, insegura em suas respostas e suspirava com olhar perdido a cada trinta segundos enquanto lamentava as ameaças de demissão e os números baixos recentes.

Seu companheiro de microfone parecia mais otimista e sereno, porém ele relatou um plantão iniciado às sete da manhã do último sábado de setembro e encerrado apenas no pôr-do-sol do domingo. A ideia inicial de mostrar como é possível trabalhar sob pressão descambou para um desabafo público, com muitas trocas de olhares nervosas entre funcionários e tensão suficiente para deixar muitos incertos se deveriam ou não bater palmas ao final da entrevista. A reunião foi então encerrada com uma outra mensagem motivacional: um vídeo com imagens de atletas das Para-olimpíadas ao som de Coldplay, uma jogada mais eficiente - embora um tanto sensacionalista, a meu ver, pois subentende-se aquele agressivo recado derrotista de que não se deve achar algo ruim pois poderia haver algo muito pior no lugar.

Pensei então em outros exemplos de palestra de motivação, como os vídeos tradicionalmente usados antes de grandes decisões do esporte com em que aparecem mensagens de incentivo deixadas por familiares e amigos dos atletas. Caso seja difícil reunir recados dos mais chegados, é possível também fazer uma exibição de O Gladiador, 300 ou Um Domingo Qualquer. Aproveitando a deixa do esporte, há também os casos de superação pessoal, como os de Lance Armstrong, Ronaldo na Copa de 2002 e da maratonista suíça Gabrielle Andersen-Scheiss. Um pouco além, temos inúmeros exemplos menos ilustres, mas mais presentes e marcantes: pais, alguns professores favoritos, amigos de atitudes exemplares... e, por fim, há aqueles anônimos que por um pequeno acidente do destino, uma coincidência ou destino, de acordo com cada forma de se encarar esse encontro casual, muda a vida de outra pessoa e dá uma empurrãozinho em um desconhecido mesmo sem saber disso.

Pensei então em três casos de estranhos que ajudaram a moldar meu caráter. Quando escolhi estas pessoas escolhi desconhecidos, gente que só conheci de vista e cujos nomes ignoro até hoje. O primeiro, por exemplo, foi visto numa noite chuvosa de domingo. Eu dirigia pela Francisco Glicério e, na esquina com a Ferreira Penteado, paramos num sinal vermelho atrás dum Gol quadrado branco e minha namorada na época avisou que um homem havia descido do carro. O motorista havia aproveitado a parada para descer e entregou uma marmita para um morador de rua que dormia sob a marquise. Tão rapidamente quanto ele desceu, o homem voltou ao seu carro e continuou seu caminho. Nem consegui vê-lo muito bem por causa da pesada chuva que caía, mas nesse dia aprendi o valor da solidariedade e da discrição em sua prática - e desde então tenho desconfiado de quem faz alarde para seus bons atos.

Meu segundo motivador desconhecido era um homem sempre visto num prédio em que trabalhei. Parrudo e muito acima de seu peso, porém de baixa estatura, tinha um andar cambaleante e já havia perdido quase todo seu cabelo. Lembrava um Clemenza uns quinze anos mais jovem, mas sem a elegância dum gangster ítalo-americano, com aspecto fatigado de quem luta incessantemente contra a gravidade. Este homem não tinha nada que lhe destacasse muito de outros funcionários já que a área de TI é povoada por inúmeros gordinhos destrambelhados, sendo eu inclusive um deles até então. Este anônimo, no entanto, chamou minha atenção por ter o grotesco hábito de, encerrado o uso do mictório, parar no meio do banheiro com as pernas estendidas num ângulo de 90 graus, como um A em que o ápice da letra seria sua cueca e o risco que a corta sendo sua calça arriada. Somente após o ajuste da camisa ele subia suas calças, fechava o zíper e lavava sua mão.

Este ritual bizarro e constrangedor era feito sem nenhuma vergonha, não importasse quantas pessoas estivessem por perto no momento. Como eu almoçava cedo, sempre que ia escovar os dentes o flagrava num desses atos de arrumação de sua já amarrotada camisa e criei uma implicância com aquilo tudo. Tanto me deparei com essa cena que passei a sentir antipatia por meu rival não declarado apenas por vê-lo nos corredores. Tudo isto não passava duma indisposição gratuita até o dia em que fui chamado de "Homer" devido ao meu peso e à minha calvície. Isto abriu meus olhos e vi como já estava tão gordo, careca e destrambelhado quanto aquela figura canhestra. Já ouvi que fui uma influência para outras pessoas perderem peso, revelo aqui então que decidi me matricular numa academia e entrar em forma graças a uma influência negativa - queria me afastar o máximo possível daquela imagem antes que eu começasse a fazer alongamentos em semi-nudez no banheiro.

Não dava para continuar assim
O último foi um exemplo heroico, uma história de superação digna de ganhar uma versão cinematográfica. Novamente um caso conhecido no trabalho: por cerca de dois anos tomei o ônibus fretado que levava à empresa com minha irmã quando morávamos perto do estádio Brinco de Ouro e um dos passageiros possuía um caso severo de paralisia. Seus braços e pernas não se articulavam, seus membros quase não se moviam e suas mãos ficavam viradas com os dorsos voltados um de frente para o outro. Mesmo assim esse rapaz obstinado tomava a condução quase todo dia e vencia suas limitações físicas, ainda por cima com um laptop do trabalho como peso extra. Aquilo me ajudou a ser mais otimista, a ver o que o próximo oferece de positivo e um profissional mais motivado, até que tentei mudar de projeto e por não achar nenhuma vaga disponível, perder o emprego.

Pulamos alguns meses na história e minha irmã revela o que ouviu sobre o meu "guru". Provavelmente acomodado pela lei que obriga grandes empresas a contratar portadores de necessidades especiais, o nobre ícone da determinação ia mesmo ao trabalho apesar das dificuldades, porém passava quase todo o expediente longe de sua mesa, indisponível e até em falsas reuniões - às vezes pretexto para escapulir e passar algum tempo na lanchonete. Essa foi sua rotina de trabalho por meses até que seu contrato chegou ao fim e a empresa decidiu não efetivá-lo, encerrando uma saga de motivação acidental. É irônico que ele tenha me motivado quando ele mesmo não tinha ânimo nenhum, mas acho que a maior lição que aprendi com ele é essa: às vezes nosso marketing pessoal pode até ser mais importante do que nossa produtividade.

Matt Foley, o motivador embusteiro

Sunday, October 28, 2012

Argumentação força

Terminei de ler neste sábado o livro Como vencer um debate sem precisar ter razão, do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, recomendação da amiga Maju. É uma leitura relativamente fácil, pelo menos é mais simples de se ler do que o extenso, porém muito bem escrito (e necessário) prefácio de Olavo de Carvalho. O título do livro é auto-explicativo: Schopenhauer escreveu um guia com trinta e oito artifícios para se vencer um debate ou ao menos identificá-los e impedir o uso de algumas táticas de argumentação pouco honestas.

A própria obra de Schopenhauer e a defesa que o autor faz da mesma parecem se basear numa leitura tendenciosa (digo "tendenciosa" pois não estou certo se foi uma falha de compreensão) dos escritos de Aristóteles sobre a dialética. Arthur escreve que esta ciência foi definida pelo pensador grego como uma forma branda de vencer debates, mas a dialética é a troca de ideias em busca da verdade enquanto a erística, o verdadeiro tema de Schopenhauer, é apenas uma maneira de vencer debates, tendo-se ou não razão, por meios lícitos ou não. O alemão a chama de "dialética erística", porém essa definição é incoerente por serem a natureza das duas práticas conflitantes: em uma se busca a verdade e na outra impõe-se uma visão, mesmo que incorreta, através de ardis. Parece-me, então, que Arthur associa seu trabalho ao de Aristóteles e diz lapidá-lo, por objetivo que desconheço (talvez como promoção pessoal e forma de vencer seu rival Hegel?)

Entre os trinta e oito estratagemas descritos há alguns de uso muito comum, como a ampliação indevida, em que um argumento é aumentado e, extrapolados seus limites, o debatedor pode refuta-lo com mais facilidade - mesmo erroneamente. Por exemplo: A diz que um certo modelo de carro é muito rápido e B responde que ele não é tão espaçoso e nem tão barato, então A tem que corrigir seu adversário com um lembrete de que comentou apenas sobre a velocidade do veículo. Outro mecanismo são os argumenta ad hominem, em que se busca alguma contradição da fala dum debatedor com alguma posição política, filosófica ou conduta anterior. O exemplo do cidadão que se queixa de Berlim e ouve como resposta um "Por que você não vai embora na primeira diligiência?" pode ser lido e ouvido sem ser necessário muito esforço para encontrar alguma discussão em que este argumento seja empregado.
 
Estes dois exemplos foram mais simples e são práticas corriqueiras, porém há alguns mais contundentes - e ainda menos honestos, como a provocação para encolerizar o adversário, falsa proclamação de vitória após obter vantagem parcial num debate ou a manipulação semântica: através da escolha de certas palavras, pode-se criar uma imagem positiva ou negativa sobre algo. Nas palavras do próprio autor: "O que um chama 'manter uma pessoa em segurança' ou 'colocá-la sob custódia', seu adversário chama 'encarcerá-la'. Um orador delata com frequência sua intenção pelos nomes que dá às coisas". Outro dia fiz um post sobre progressitas, creio que esse grupo seja um grande exemplo prático de uso desse estratagema.

Concluindo, creio que a erística funciona bem como mecanismo de defesa perante debatedores ardilosos. Como o próprio Schopenhauer indica, alguns desses trinta e oito estratagemas exigem descaramento para serem utilizados - declarar-se vitorioso dum debate antes que a discussão possa ser desenvolvida é usar uma bomba atômica argumentativa. Recomendo então o livro, mas mais como um guia para desarmar adversários que procuram vias pouco sinceras de convencimento para vencerem seus debates.

Arthur Schopenhauer

Tuesday, October 23, 2012

Uma república, não uma democracia

Como o blog não tem sido muito atualizado por causa de minha indisponibilidade de tempo, traduzi um texto do congressita americano Ron Paul para movimentar um pouco os posts. Publicado originalmente no começo de setembro deste ano no auge das discussões sobre o polêmico "Obamacare" - a tentativa do governo americano de fazer com que toda a população esteja coberta por algum plano de saúde. Mais importante do que o ato do atual presidente, o texto disserta sobre a diferença duma república e duma democracia - e sobre como algumas liberdades individuais precisam ser antidemocráticas.

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A última semana marcou a conclusão dos grandes espetáculos financiados pelo contribuinte conhecido com as convenções nacionais dos partidos. É talvez muito revelador que enquanto 18 milhões de dólares de impostos eram garantidos a cada partido para estas desgastantes extravagâncias, uma quantia adicional de 50 milhões para ambos foi necessária para segurança em antecipação aos inevitáveis protestos de cada evento. Isto chega ao valor total de 136 milhões em fundos do contribuinte voltado apenas para atividades de militantes – uma gota no balde relativo à desastrosa situação fiscal, mas desgraçada de qualquer forma. Partidos deveriam ser bancados por conta própria, não pelo contribuinte.

Nestas convenções, líderes determinaram - ou fingiram determinar - quem eles desejariam que governasse a nação pelos próximos quatro anos entre inevitáveis, infindáveis exaltações de democracia. Ainda assim não somos uma democracia. De fato, os pais fundadores achavam o conceito de democracia muito perigoso.

Democracia é o mando da maioria sobre a minoria. Nosso sistema tem certos elementos democráticos, porém os fundadores nunca mencionaram democracia na Constituição, na Declaração dos Direitos dos Cidadãos ou na Declaração de Independência. Na verdade, nossas mais importantes proteções são decididamente antidemocráticas. Por exemplo, a Primeira Emenda protege a liberdade de expressão. Não importa – ou não deveria importar – se este discurso é desagradável para 51% ou até 99% das pessoas. Expressar-se não está sujeito à aprovação majoritária. Sob nossa forma republicana de governo, o indivíduo, a menor das minorias, está protegido da massa. Infelizmente, a constituição e suas proteções são cada vez menos respeitadas e temos silenciosamente permitido à nossa república constitucional regredir a uma democracia social corporativista e militarista. Leis são quebradas, silenciosamente alteradas e ignoradas quando inconvenientes àqueles no poder, enquanto outros em posições de fiscalizar e equilibrar não fazem nada. As proteções que os fundadores inseriram são cada vez mais uma ilusão.

Este é o porquê da crescente importância colocada sobre crenças e pontos de vista do presidente. Os próprios rígidos limites do poder governamental estão claramente expostos no Artigo 1, Seção 8 da Constituição. Não há em lugar algum referência à possibilidade de forçar americanos a comprar seguro de saúde ou receber uma taxa/penalização, por exemplo. Ainda assim este poder foi reivindicado pelo Executivo e impressionantemente confirmado pelo Congresso e pela Suprema Corte. Porque nós somos uma república constitucional, a mera popularidade de uma política não deveria importar. Se é uma clara violação dos limites do governo e as pessoas ainda a querem, uma emenda constitucional é a única forma apropriada de proceder. No entanto, em vez de passar por este árduo processo, a Constituição foi de fato ignorada e o mandado de seguro foi permitido de qualquer forma.

Isto demonstra como há uma flexibilidade inexorável no Salão Oval para impor pontos de vista pessoais e preferências sobre o país, desde que 51% das pessoas possam ser convencidas a votar duma certa maneira. Os outras 49% têm muito para se enervar e protestar sob este sistema.

Nós não deveríamos tolerar o fato de que nos tornamos uma nação governada por homens, seus caprichos e seus humores do dia – e não por leis. Não se pode ser suficientemente enfatizado que somos uma república, não uma democracia e, como tal, insistimos que a estrutura da Constituição seja respeitada e que os limites definidos pela lei não sejam atravessados por nossos líderes. Estas limitações legais sobre o governo asseguram que outros homens não imponham suas vontades sobre o indivíduo, pelo contrário, o indivíduo é capaz de governor sobre si mesmo. Quando o governo é restringido, a liberdade prospera.

O libertário Ron Paul

Saturday, October 13, 2012

Pai

Não havia comentado por aqui ainda, mas minha irmã Lucila está nos Estados Unidos e lá participa dum programa de au pair desde agosto. Cuida de dois meninos - bem independentes, diga-se de passagem - e deve retornar após completar um ano de estadia. Como ninguém de nossa casa jamais se afastou muito, estudou fora ou se divorciou, é a primeira vez que alguém vive longe do "ninho". Apesar dos exatos dois meses já passados, essa distância dela ainda é algo novo para mim. Porém, o que me pegou desprevenido não foi a ausência dela, mas a presença do meu pai.

Meu envolvimento familiar, tirando as festas de fim de ano e algumas comemorações esporádicas, se restringe até hoje ao pessoal de casa. Como eu nasci num "gap" de gerações de primos e não me enturmava com eles por serem mais velhos ou, uns anos depois, muito mais novos, acabei ficando muito amigo apenas da minha irmã - e ambos isolados do restante dos primos e tios por muito tempo. Para completar, até hoje não entendi toda a árvore genealógica construída pelos quatro tios-avôs férteis e por isso ainda não sei qual é exatamente meu grau de parentesco com algumas das senhoras que apareciam em casa para debater as doenças da moda e as vidas alheias. Somando tudo isso entende-se porque me fechei numa bolha com meus pais e minha irmã, mas algo ainda estava um pouco fora de lugar.

Desde muito novo tive muita dificuldade de me comunicar com meu pai. MUITA. Minha timidez era absurda na infância, lembro que em algumas ocasiões eu chegava a ter vergonha de falar com ele. Uma vez, por exemplo, falei com minha mãe para ela conversar com ele porque eu queria ir ao estádio ver um jogo - apenas isso e eu não consegui pedir para ele ir comigo. Com o passar dos anos fiquei mais extrovertido e a relação melhorou, mas teve uma recaída e tornou-se turbulenta na adolescência. Ainda precisei de mais alguns anos para compreender tudo isso: ele, assim como eu, é reservado e taciturno. Não deve ter sido fácil tentar criar laços com uma criança quase incomunicável e tão apegada à sua mãe. 

Alguns anos mais tarde o problema era o oposto, o Fabiano (sim, quase todo mundo o chama pelo sobrenome por ter ele sido um militar) convivia com um jovem com a cabeça cheia de fantasmas para serem exorcisados e pouca paciência para encara-los. Assistir o filme espanhol Biutiful me ajudou a ver que um pai não é um guru ou um sábio com todas as respostas para as questões que uma criança faz ou para as dúvidas mais profundas que a paternidade gera. Longe disso, hoje enxergo como ter filhos é indício apenas de dois sistemas reprodutores funcionais - e como há gente despreparada criando pequenos monstros nesse mundo! Amadurecer e ver o lado dele mudaram muito minha opinião sobre o velho, passei a considera-lo um ótimo pai após pesar as circunstâncias e fatores envolvidos nesta relação.

Javier Bardem no belo e triste Biutiful
Assim continuamos, cada um em seu canto até o começo de 2009. Em fevereiro daquele ano perdemos minha mãe e alguns meses depois fiquei sem emprego. Planejávamos nos mudar da antiga casa em que morávamos e como eu tinha muito tempo livre, o ajudei com esse processo, então começamos a passar bastante tempo juntos e nos aproximamos. Um momento emblemático desse período foi uma viagem feita até Goiás, percorremos cerca de seiscentos quilômetros na ida trocando apenas alguns comentários sobre o trânsito, mas na volta já conseguimos conversar com mais eloquência. Nunca esperei um passe de mágica ou uma daquelas transformações de comportamento mostradas em filme, mas até que conseguimos nos tornar mais amigos nesse período.

De volta à viagem da minha irmã: imaginei como metáfora para a saída dela um cenário em que duas amigas encontram-se num bar com seus respectivos namorados. Num dado momento elas vão juntas ao banheiro e os rapazes, pouco familiarizados um com o outro, ficam constrangidos ao serem deixados sozinhos e buscam de alguma forma puxar assunto para evitar silêncios embaraçosos. Falam sobre o tempo, o mensalão, as eleições municipais, o rebaixamento do Palmeiras, trabalho. Apesar de ainda haver alguns desses momentos em que parecemos estranhos, essas situações de falta de assunto para conversar estão cada vez menos frequentes e meu pai tem se mostrado bem comunicativo também, até arrisca umas piadas aqui e ali. Dentro dos limites da introversão de cada um, já é algo excelente - não tenho ilusões de grandeza como ligações telefônicas de mais de dois minutos, isso já seria extravagância.

Feijoada na Casa Rio (2010?)

Saturday, October 6, 2012

Bússola Política revista

Amanhã é dia de votar e visto meu desânimo com as opções disponíveis para escolha dum novo prefeito para Campinas, prefiro ignorar o assunto e escrever brevemente sobre a forma predatória de discussão aflorada devido à eleições municipais. Mais especificamente, meu texto é sobre os chamados "progressistas" e não sobre indivíduos conduzidos por vínculo profissional com políticos ou fanatismo partidário. Já havia notado o comportamento deste grupo em discussões menores, em debates no decorrer do ensino superior e em trocas de artigos na imprensa e principalmente em blogs, porém o discurso de grande carga sentimental e pouca razão se alastrou: cada dia vejo um(a) novo(a) amigo(a) pronto a defender com unhas, dentes e teclas o sistema de cotas, o socialismo, a democracia social e programas assistenciais e demonizar quem discordar destes calorosos humanistas.

A palavra chave aqui é "demonização". Argumentos, dados, números, estudos, pesquisas e qualquer outra forma de quantificação é absolutamente irrelevante: progressistas não precisam disso e todo esse tipo de informação é inválido se vier de alguém que discorda do grupo. Pior ainda, apontam um dedo acusador na cara de qualquer corrente que não a deles e assim rótulos como "fascista", "reacionário", "privatizador", "agente do imperialismo" e "intolerante" (vejam só!) são distribuídos em ampla escala. Oposição ao sistema de cotas? Coisa de branco rico que nunca sofreu preconceito. Favorável à privatização? Traidor da pátria! Não concorda com qualquer ação do governo petista? Então você um inocente que acredita na velha imprensa. Talvez seja esse o motivo do aumento de adesões a essa corrente de pensamento: todos quem não aguentem tanto tempo esse tipo de chantagem emocional.

Entediado nesta tarde, esbocei uma versão alternativa do gráfico de resultados da Bússola Política. Faz-se um teste com questões que envolvem temas sobre economia, intervenção governamental, privatizações e sobre liberdades individuais. Os resultados então são apontados no gráfico e indicam o posicionamento político do usuário. Fiz uma versão de como seria a visão política do progressista sobre adeptos de outras formas de pensamento. O nazismo, mesmo sendo socialista, foi posto à direita para evidenciar como esse termo é usado gratuita e erroneamente. Perto dos integrantes do Terceiro Reich estão os paulistanos, já vistos como a pior escória a habitar o Brasil. Para não indicar apenas grupos, pus também dois nomes, talvez o maior ícone do pessoal progressista de Facebook, o jornalista Leonardo Sakamoto e o prefeito Gilberto Kassab.

Monday, October 1, 2012

Portsmouth Sinfonia, o som da incompetência

Descobri a pouco esta banda com a informação de que havia feito uma versão de Assim Falou Zaratustra, de Richard Strauss. Até aí, nenhuma novidade, porém fui informado de que os músicos, estudantes da Escola de Artes de Portsmouth, não tocavam os instrumentos aos quais estavam habituados: um violinista teria que tocar o oboé, o maestro ganharia mais uma vareta e cuidaria da percussão e o baterista teria que se passar por músico. Depois pesquisei um pouco mais e descobri que esse era o modus operandi normal deste grupo fundado em 1970 e que só era aceito quem não tinha instrução musical ou, caso tivesse, o integrante teria que se aventurar com um instrumento completamente novo. Uma vez que o músico fosse integrado, era preciso apenas participar dos ensaios e tentar reproduzir as músicas - o objetivo era realmente fazer algo além de barulho. O resultado é esse do vídeo abaixo.



Claro, a execução é até engraçada, mas achei isso tudo digno dum post primeiro por ser uma amostra clara do que acontece ao se iniciar algo sem a devida preparação ou montar uma equipe sem haver uma seleção apropriada de seus integrantes - o objetivo aqui é este, mas o que vemos muito mais frequentemente é a exaltação dos grupos bem sucedidos, principalmente na música (inclusive com comparações como "aquele time joga por música" ou "aquele gerente conduz seus funcionários com maestria").

Além deste incomum exemplo de música intencionalmente mal tocada e do aspecto metafórico do despreparo, a brincadeira destes ingleses funciona como uma experiência sinestésica. Mais até do que uma possibilidade de metáfora com empreitadas de conclusão trágica ou até trilha sonora de alguma catástrofe corporativa, esse trabalho transcende a barreira dos sentidos e, de certa forma, ouvir essa orquestra é ouvir os próprios fracassos. Se a administração do governo Kassab ou o disco Lulu produzissem música, certamente elas soariam de maneira semelhante ao que estes jovens ingleses fizeram.

Bem nessas

Monday, September 17, 2012

O absurdo do futebol moderno


Li recentemente o livro O Mito de Sísifo, em que o autor argelino Albert Camus define como “o absurdo” viver em função de projeções e planos para o futuro, desenhados de forma vaga, como se o indivíduo não tivesse consciência de sua inevitável morte. Uma vez que essa visão míope do futuro (teoricamente) longínquo é superada e o indivíduo nota o absurdo em que vive, sua postura e modo de viver são transformados irreversivelmente. O escritor analisa algumas soluções: o suicídio filosófico (a negação do absurdo) de um lado e a revolta do outro, com as possibilidades do homem agir de acordo com três papéis: do sedutor, do ator ou do conquistador.

Camus usa como metáfora o personagem Sísifo, que acorrentou a Morte para que os humanos não morressem. Depois de libertada, a vítima voltou para buscar seu oponente humano e o matou, porém Sísifo enganou a Morte novamente e fugiu do Hades. Os deuses, então, decidiram punir o herói: ele é obrigado a carregar uma pedra até o topo dum morro e, ao cumprir sua obrigação, o objeto voltaria à base para ser carregado novamente. O personagem mitológico, inimigo da Morte e amante da vida, é condenado a uma tarefa sem sentido. Esta seria, para Camus, a representação perfeita do homem absurdo.

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Há tradicionalistas que vivem o futebol intensamente e lamentam a forma como o esporte deixou de ser beligerante e passional como costumava ser até o início da década passada. Não são muitos que compartilham desse pensamento e, ironicamente, estes abnegados tendem a ser torcedores ferrenhos de seus times. Quem se incomoda com o esterilizado futebol moderno tem todo um arsenal de causas para lamentar, indo do culto ao jogador acima da importância dos clubes às punições e proibições cada vez mais patéticas, porém como se revoltar e lutar contra uma instituição dominada por alguns bilhões de pessoas que querem a manutenção do status quo?

Para cada insatisfeito com o futebol moderno há algumas dezenas de idiotas assim
Todo esse público satisfeito com o futebol atual não se perturba e até aprecia chuteiras coloridas, jogadores ciganos que se aposentam sem se tornarem ídolos dos clubes em que jogam ou a transformação de estádios em gélidos teatros, mesmo que este torcedor more a centenas de quilômetros do local em que seu clube joga. Esta derrocada do futebol é inevitável e não há nem forma de contorna-la: é a seleção natural do show business e resta aos inadaptados apenas a extinção. Mas qual é a possibilidade de vitória desses fanáticos quixotescos? Pior: qual é o sentido de pelejar por uma causa perdida? Este é, portanto, o absurdo do futebol: tomar consciência de que a modernização futebolística é implacável e, sem possibilidade de recuo desta, ainda gastar tempo e esforços para combatê-la.

Camus recusa o suicídio filosófico e propõe a revolta contra o absurdo, porém as formas de reação do indivíduo imaginadas pelo escritor - seja como sedutor, ator, conquistador ou criador - são eficientes por serem propostas duma nova forma de viver, ou seja, não é necessário que haja consequências favoráveis para que ela se prove válida. Quem toma consciência do absurdo no futebol, no entanto, tem na revolta uma resposta de pouco ou nenhum resultado prático.

Se até Adriano continua no futebol, qualquer insatisfeito tem condições de continuar também

Uma forma de reação seria relacionar-se de modo desapegado com o futebol, mais ou menos como um amante uma pessoa comprometida. Há um grau de envolvimento e a paixão, porém sem grandes ambições sentimentais e planos grandiosos para o futuro. E como fazer parte desta indústria esportiva sem alimentar seu funcionamento? Torcendo apenas para que seu time vença partidas e campeonatos, porém cético quanto a um retorno ao que era o futebol até os anos 90 e alheio às mudanças, modernizações, crises e demais patifarias que são cometidas em nome da “evolução” do esporte – que sofram com isso aqueles que mantêm um relacionamento estável com o futebol moderno, o amante apenas tem encontros casuais com objetivo de usufruir do lado prazeroso do esporte.

Outra forma de se manter em contato com o futebol seria a do esteta: ainda assistir as partidas e até torcer, mas mais pela plasticidade de jogadas e gols do que pela competição em si. É um método frio principalmente por permitir uma distância segura, já que jogadas de efeito costumam extrapolar o “underground” esportivo e um gol de bicileta pode até chegar ao Jornal Nacional, porém um possível obstáculo é o rareamento desses lances mais belos causado pela queda do nível técnico dos jogadores. Não dá para esperar muito futebol arte dum campeonato nacional carregado nas costas por tantos ineptos, a não ser que acreditemos nos marketeiros jornalistas esportivos que veem como "golaço" até cobrança de pênalti.

Por fim, o abandono do futebol seria o ato mais extremo de revolta. Se não há esperança nenhuma de reversão do cenário atual, por que insistir e manter esforços que estão condenados a serem infrutíferos? O esporte foi transformado em mercadoria e o torcedor em consumidor, então não é incoerente o boicote ou a busca por outro “produto”. Reclamar dos penteados, das comemorações de gol cretinas e dos egos inflados é uma penitência sem fim como a de Sísifo, o personagem mitológico citado por Camus. O torcedor, no entanto, não foi condenado a um castigo, não há deuses que lhe obriguem a carregar uma rocha morro acima: ele é seu próprio condenador e se obriga a cumprir este castigo, mesmo com a possibilidade de abandona-lo a qualquer momento.

Por mais que eu ouça e repita com meus amigos que o futebol já morreu e que ele fica cada dia mais deprimente, nenhum de nós faz absolutamente nada para remediar esse sofrimento. Pelo contrário, torcer parece às vezes se tornar uma forma de expiação, uma busca pela redenção através das lágrimas e da dor. Eu, como pessimista assumido, renuncio do futebol por não tolerar mais todos os valores exorbitantes envolvidos no que já foi um esporte popular de amadores, a incompetência gritante dos dirigentes, o ridículo nível técnico generalizado e a elitização das arquibancadas – e creio que tudo isso apenas tende a piorar. Tenho ótimos amigos que conheci na arquibancada e pela internet discutindo jogos, vivi momentos incríveis no Moisés Lucarelli e em outros estádios, porém estes picos de felicidade equivalem ao breve momento de satisfação que Sísifo sentiria ao alcançar o cume com sua rocha, uma recompensa muito pequena perto da tarefa de empurra-la. Eu, portanto, abandono minha condenação, já não consigo mais me manter fiel a este sacrifício opcional.

Chega

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