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Thursday, December 31, 2015

Cinco filmes - 2015

Mais um ano acaba e novamente decidi listar cinco dos filmes dos quais mais gostei neste período. Minha meta era de 50 no ano, mas pude supera-la bem e cheguei a 84, mesmo com o tempo investido em estudos e trabalho nestes últimos meses. Houve um pouco de tudo, como animações (Divertida Mente não entre na lista, mas vale a recomendação), drama, ação, romance e até musicais, além de uma ou outra série – aqui cabe uma salva de palmas a The Sopranos, que só vi agora e que valeu cada cena de cada episódio.

Algo que me ajudou um pouco foi o uso de algumas listinhas temáticas que mantenho numa planilha de Excel. São listas curtas, de até dez filmes cada e dividas por temas: listas por ator ou atriz, direção, algum tema em comum, indicados ao Oscar, entre outros. Aliás, sobre temas em comum, comecei a seguir uma página de cinema no Facebook, a Taste of Cinema, que divulga sempre listas. Às vezes algumas delas são esdrúxulas ou cujos critérios não são muito respeitados, mas dali já colhi boas recomendações.

Ok, acho que já enrolei o suficiente, então vamos aos meus filmes favoritos do ano.

Um Violinista no Telhado (Fiddler on the Roof, 1971)
Pois é: há um musical na lista. A história, apresentada muitas e muitas vezes na Broadway antes de virar filme, começa com uma apresentação de Anatevka, um vilarejo de judeus localizado nas regiões rurais da Rússia, nos primeiros anos do século XX. A apresentação é feita por Tevye (interpretado pelo cantor Topol), patriarca que explica como a vila judia respeita tradições antigas e cada integrante seu tem um papel bem definido como pais, as mães, filhos, rabino, casamenteira. 

Tevye acrescenta que o povo judeu conseguiu manter relativas coesão e unidade através de tantos séculos - e apesar da diáspora - porque há esse apego às tradições, embora vivamos num mundo onde a mudança é o único evento de ocorrência constante e garantida. E daí ele cria a analogia que dá nome ao filme, pois manter vivos seus costumes através dum turbilhão de mudanças seria como “tentar arriscar uma canção simples e bela sem quebrar o pescoço”.

Logo após esta apresentação, no entanto, o tradicionalismo de Tevye já é posto a prova quando a mais velha de suas cinco filhas, Tzeitel (Rosalind Harris), tem seu casamento arranjado com o já maduro (quando digo “maduro”, me refiro a um homem já de barbas brancas) açougueiro da vila, Lazar Wolf (Paul Mann) e a moça recusa o acordo feito pelo pai porque ela prefere se casar com o jovem, mas pobre alfaiate Mótel (Leonard Frey). Adicionalmente, as duas outras filhas em idade de casar também escolhem seus companheiros sem a intermediação da casamenteira, uma delas inclusive se apaixonando por um rapaz russo - e não-judeu. Fora de casa, Tevye também convive com um rapaz socialista revolucionário e com o crescente antissemitismo vindo das comunidades russas vizinhas. E ainda assim, no decorrer do filme, ele busca assimilar as mudanças enquanto se prende às suas tradições, embalado pela excelente trilha sonora adaptada por John Williams.



Paris, Texas (1984)
Travis Henderson (Harry Dean Stanton) começa o filme vagando por um deserto no sul texano, local onde passou os últimos quatro anos de sua vida. Dali sai e é atendido por um médico, que localiza o irmão de Travis para que eles se reencontrem. Walt Henderson (Dean Stockwell) encontra-se com Travis e tenta leva-lo de volta a Los Angeles de avião, mas o andarilho não aceita viajar desta maneira e obriga a volta a ser feita de carro, atravessando alguns estados com Travis ainda em choque e incapaz de falar qualquer coisa por boa parte do caminho.

O tema central do filme são reencontros. De Travis consigo mesmo, com a sociedade, com seu irmão, com a família de seu irmão, com seu filho, agora adotado por Walt; e finalmente com sua mulher Jane (Natassja Kinski). É um filme um pouco difícil de descrever sem entregar a história, que começa a se desenrolar devagar e revela seus ingredientes de forma que envolve e prende o espectador. Em vez de uma foto, compartilho uma cena em que Travis passa por um homem que prega do alto duma ponte. O vídeo não tem legendas e o que é dito nem é lá tão relevante, o que importa mais é a forma como o protagonista se encontra com outro pária e sente alguma empatia por ele, como é visto pelo tapinha nas costas dado quando se “despedem”.



Ran (1985)
Já não lembro exatamente quando foi, se já em 2015 ou ainda em 2014, mas vi este vídeo feito por um estudante de cinema a respeito do trabalho do diretor japonês Akira Kurosawa. Ele trata principalmente sobre a forma como o diretor usa elementos secundários, como a chuva e figurantes, para dar movimento às suas cenas. Depois de ver o vídeo busquei alguns trabalhos dele: Rashomon, Yojimbo - O Guarda-costas, O Idiota e o último filme que vi dele, Ran (“Caos”, em português). O filme, criticado no Japão por tratar a narrativa de maneira mais ocidentalizada, é uma produção épica franco-japonesa inspirada em Rei Lear, de Shakespeare.

A história conta sobre a família de Hidetora (Tatsuya Nakadai), um senhor da guerra já consumido pela velhice. Ele decide, após uma caçada, dividir seus territórios entre os três filhos: Taro Ichimonji (Akira Terao), o primogênito e novo cabeça da família; Jiro Ichimonji (Jinpachi Nezu) e o caçula Saburo Ichimonji (Daisuke Ryu). O filho mais novo tenta alertar a seu pai que a medida é precipitada, mas o pai insiste em mante-la. Saburo avisa que algo pode influenciar os irmãos e que sua união pode ser desfeita, mas o pai não o leva em consideração. Pior: Saburo é deserdado e expulso dos territórios da família.

Depois de contar como o filho excluído foi aceito por outra família da qual faria parte graças a um casamento arranjado, Kurosawa retorna aos dois irmãos e a Hidetora. Como previsto, surgem conflitos entre o patriarca e seu filho mais velho Taro devido às disputas entre os dois sobre quem efetivamente comandava o palácio e as terras da família. Jiro também é procurado por seu pai, mas não o acolhe por se sentir desfavorecido pela escolha de seu irmão para assumir o papel de novo líder. Humilhado e enlouquecido, o velho começa a vagar pelos campos enquanto seus dois filhos mais velhos entram em guerra e um dos conselheiros que manteve fidelidade a Hidetora busca Saburo para uma possível reconciliação.

Ainda que visualmente seja deslumbrante, esta é uma obra brutal, violenta e crua em sua narrativa. Kurosawa narra uma disputa irrefreada pelo poder, sem espaço para piedade ou sequer gentilezas entre seus partícipes – ao contrário de um filme sobre a máfia italiana, por exemplo, onde se mantêm aquelas relações amistosas e dúbias com inimigos mortais.



O Homem que Mudou o Jogo (Moneyball, 2011)
Relutei por algum tempo para assistir esse filme por uma razão muito razoável: não consigo gostar de baseball e o acho um dos esportes mais insossos a ocupar as grades de programação dos canais esportivos. Pior: cada temporada é imensa e por meses a ESPN transmite aquelas horas de marmanjos mascando fumo, coçando o saco e fazendo pose para lançar a bola, que não deve ser atingida pelo batedor. Mas enfim, o post é para falar bem deste filme baseado em fatos reais e não mal do esporte.

Moneyball começa no fim da temporada de 2001, quando os Oakland A’s são eliminados da liga nacional. Billy Beane (Brad Pitt), gerente geral do time, perde seus principais jogadores e ainda tem a difícil missão de reformular o time com um orçamento bastante apertado. Seus conselheiros também não lhe ajudam, indicando contratações baseadas em critérios pouco ortodoxos: um atleta é rejeitado porque sua esposa é feia e isso seria um indício de baixa auto-estima, em um dos casos.

Billy sai então em busca de empréstimos de jogadores em outros times e na sede de um deles, o Cleveland Indians, encontra Peter Brand (Jonah Hill). Peter, um rapaz tímido e aparentemente não tão importante dentro do time do qual é funcionário, revela-se uma autoridade na reunião entre Billy e os dirigentes do Indians quando aponta quais atletas podem ou não ser emprestados. Na saída da reunião Billy procura Peter, pergunta qual é sua formação e quais critérios usa para tomar suas decisões quanto ao elenco. Peter explica que é formado em Economia e se baseia em extensas análises de estatísticas de vários atletas. Dias depois ele é convidado a trabalhar no time californiano e lá começa a implementar sua forma de trabalho. Há alguns obstáculos, questionamentos e derrotas no começo da disputa da liga, mas o time passa por ajustes e alcança uma sequência de vitórias que inspirou outras associações e reformulou a maneira como o baseball era administrado nos Estados Unidos.



A Vida Secreta de Walter Mitty (The Secret Life of Walter Mitty, 2013)
Este foi um dos últimos filmes que vi no ano, no domingo logo após o Natal. Ironicamente, eu o baixei faz tempo e porque ele estava numa lista de filmes do ator Sean Penn, que aparece numa participação discreta, de menos de cinco minutos. Ele interpreta o xará Sean O’Connell, um premiado fotógrafo da revista Life. Seu papel na história é enviar negativos de fotos para que o protagonista, o daydreamer Walter Mitty (Ben Stiller) os revele e as imagens sejam usadas na revista.

O filme começa com o envio dum rolo de negativos em que a foto de número 25, destacada por Sean como uma foto que pode ser a capa da próxima edição, não está no material recebido. Walter não consegue encontra-la, assim como não encontra o fotógrafo, que percorre o mundo desarmado de celular e redes sociais. Além da foto não encontrada, Mitty também precisa lidar com o risco de demissão causado pela mudança de formato da publicação, que passaria do meio impresso ao online e causaria uma redução drástica no número de funcionários.

Walter começa então sua busca pelo negativo com algumas informações colhidas em outras fotos do negativo e com algum apoio de Cheryl (Kristen Wiig), sua colega de Life Magazine e flerte. A busca cresce, sai dos três andares da empresa e cruza continentes para que o polêmico negativo 25 seja encontrado. De certa forma Walter Mitty me lembrou de Forrest Gump: são dois homens absolutamente comuns levados a protagonizar epopeias ainda que tivessem perfis improváveis para serem protagonistas de grandes aventuras.


Saturday, December 12, 2015

Retrospectiva - 2015

Já é passado um terço de dezembro e, convenhamos, já se pode considerar o ano como encerrado – e por isso publico minha retrospectiva de 2015. Foi um ano pacato, como já antecipado num post anterior, mas aqui desenho uma linha do tempo dos poucos acontecimentos deste período de estudos e desenvolvimento pessoal.

Depois dum mês de janeiro de pouco trabalho (apenas para lembrar, trabalho como suporte dum time de vendedores de serviços de software), em fevereiro tive vinte dias de férias. Fiz uma viagem curta, na qual passei por São Paulo, São José dos Campos e Maranduba. Revi bons amigos que não via havia muito tempo e, no caso de uma pessoa, que eu talvez nunca mais a reveja depois de sua emigração. No período restante das férias também foi quando busquei a pós-graduação, com o início das aulas em março.

É uma pós-graduação em Administração. Até quem estudou esta área brinca que ADM é para quem não sabe o que quer da vida e, bom... este senso de direção nunca foi meu ponto forte mesmo – vide o nome do blog. Porém, como jornalista cujo diploma adorna tão bem a última gaveta duma cômoda e cuja vida profissional foi toda passada dentro duma empresa de TI, esse curso veio muito a calhar. Nele encontrei gente de toda área, como: Nutrição, Engenharia química, Farmácia, Educação Física, Publicidade e Propaganda; todos dispostos a formalizar e aprofundar os conhecimentos desta área na qual já desempenhavam alguma função. E embora não mantenha pretensões de ocupar um cargo de liderança, tenho amadurecido muito com disciplinas como Marketing Empresarial, Contabilidade, Matemática Financeira, Produção e Serviços, além de Liderança.

Paralelamente à pós-graduação, permaneci com as aulas de russo. Durante quase todo o ano realizei encontros semanais com meu professor através do Skype, já que ele passa meses em Moscou para concluir seus estudos em música e retorno ao Brasil apenas no meio do ano para passar as férias. O curso vai bem, embora eu ache que minha capacidade poderia ser melhor após um ano e pouco de aulas. E essa defasagem é inteiramente culpa minha, devido à minha falta de iniciativa de praticar e ler além dos exercícios e atividades em aula. Enfim, dou um passo atrás para dizer o porquê das aulas, já que nunca as expliquei aqui.

Letra cursiva ou rabisco? Apenas rabisco (acho)
Em algum momento de 2014 li um post dum blogueiro que lamentava não poder obter informações vindas diretamente de Moscou, cada vez um player mais atuante no cenário geopolítico global depois de tantos anos depois do fim da União Soviética, devido à barreira do idioma. Havia a imprensa ocidental e a russa, porém nenhuma é lá cem por cento digna de confiança irrestrita. E como buscar, ler e compreender as opiniões expostas em blogs, vídeos, fóruns e redes sociais, como o VKontakte ou o “nosso” Facebook? Inspirado por esse questionamento, com o qual me deparei justamente quando pensava em estudar um novo idioma, busquei um professor particular de russo e deixei de lado o plano de estudar alemão.

No aspecto profissional o ano não foi lá muito agitado também. Passei por uma reestruturação de equipe e graças a ela quase todos os colegas com quem eu trabalhava em janeiro foram espalhados pela empresa e passei a trabalhar com cerca de vinte de pessoas que eu pouco ou sequer conhecia. E, surpreendentemente, hoje tenho melhor relacionamento com esse pessoal do que com muitos dos antigos colegas. Quanto ao apoio a vendas mencionado anteriormente, aqui surgiu um problema quando vendedores passaram a centralizar suas atividades em pessoas localizadas no próprio México em vez de buscar meu time. É uma queda abrupta de volume de trabalho e tenho realizado outras tarefas, como cuidar de acessos a sistemas e do inventário de máquinas para me manter necessário, porém já prevejo que o ano de 2016 será de mudanças, provavelmente de tarefa ou talvez de time.

Pessoal da IBM reunido no Outback. Na época o cavanhaque fez com que me chamasse de "Vadinho" por uns dias
O campo afetivo foi, talvez, o mais estático de 2015. Terminei 2014 num momento de fim dum namoro e não é possível simplesmente se esquecer duma pessoa, mas administrar as lembranças, como bem narrado no filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças, um dos que entrará na minha lista dos meus preferidos no ano – eu já o havia visto antes, mas logo mais explico direito porque ele entra na lista mesmo tão tarde. Então, entre um novo encontro aqui e outro ali, com direito a um “causo” absurdo e surreal, a principal tarefa do ano foi “exorcizar” as lembranças de Eloísa de alguns lugares que ela ocupou. Não tínhamos um acervo cultural em comum extenso, então ela não chegou a ocupar músicas, filmes nem livros. Seu rastro permaneceu nos lugares que visitamos, nos momentos que compartilhamos e nos amigos que esporadicamente ainda me perguntam o que aconteceu com o namoro.

Um dos últimos rastros com o qual tive de lidar foi uma camisa social, presente que recebi de meu pai depois de muita insistência dele – ele queria porque queria me dar de presente de Natal uma camisa duma marca cara e eu acabei cedendo nos últimos dias de novembro de 2014, na véspera da separação. A camisa, de finas listras brancas e rosadas com detalhes azuis no interior do colarinho e do punho, é linda e foi elogiada por nem sei exatamente quantas pessoas nos dois dias em que a vesti para trabalhar, mas me levou pouco mais de um ano para conseguir tirá-la do armário.


Em suma, 2015 se assemelha a 2013, ano em que também adotei a introspecção e precisei me isolar um pouco para trabalhar algumas questões pessoais e internas. Naquele ano precisei buscar meu verdadeiro eu (se é que realmente conseguimos essa identificação) e aceitei quem eu realmente era e os valores nos quais eu realmente acreditava; em 2015 precisei cortar um pouco da própria carne e buscar o desenvolvimento que por tanto anos adiei.

Monday, October 12, 2015

Nascente, correnteza e lago

Hoje, 12 de outubro, feriado devido à celebração da padroeira do Brasil e data de comemoração do dia das crianças, vemos nossas redes sociais serem inundadas por fotos de infância de nossos amigos. Reparamos em quem já tinha a mesma cara de hoje, nas roupinhas de épocas passadas, nas imperfeições corrigidas - com o indesejado apoio de aparelhos "freio de burro"ou botinhas ortopédicas - e em como eram nossos conhecidos antes da sequência de mudanças que acumularam até estarem como os conhecemos: a barba, as tatuagens, o ganho de massa muscular; o silicone, as pinturas do cabelo, as joias (legítimas ou nem tanto) e a infinidade de cosméticos testados e aprovados; as olheiras, os pés de galinha e partes do corpo que já começam a perder a luta contra a gravidade.

O dia das crianças vem e traz consigo o referido rejuvenescimento das imagens de perfil no Facebook. Consequentemente, levanta-se um questionamento entre alguns usuários: "Como essas criancinhas tão lindas e puras cresceram para virarem uns adultos tão filhos da puta?". Claro que é uma generalização exagerada, algo necessário para se alcançar o efeito de comicidade (espera-se), mas há alguma validade por trás desta reflexão, mesmo sendo ela tão grosseira. É como se cada uma daquelas crianças, como um novelo de lã com o qual um gatinho brinca, se desenrolasse e mudasse o rumo com guinadas bruscas aqui e ali. Perdão, mas a metáfora é falha: a linha solta permite que refaçamos o caminho de volta para descobrir exatamente por onde o novelo passou para estar onde está. Talvez seja possível rastrear um pedaço aqui e acolá do passado do outro, mas mais fácil e útil é tentar entender quem somos hoje e como esta construção foi feita.

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Há aquela frase de Heráclito, de que ninguém se banha duas vezes no mesmo rio. Cabeçudo que eu era quando li isto pela primeira vez, achei que se referia apenas a seu sentido próprio e que tratava do movimento das águas. Mais tarde, mudei minha forma de enxergar o dito - confirmando o que disse o pensador grego - e compreendi seu sentido figurado: a frase é sobre a perenidade da mudança, seja do rio em seu correr ou do próprio banhista. Já tentei contestar a frase quando me lembrei do ciclo das águas, que correm, evaporam, chovem e voltam a correr; algo como um eterno retorno de circunstâncias que se apresentam novamente e novamente ao banhista, porém esta repetição, ao ser considerada de maneira menos literal, ocasionaria uma mudança no banhista.

Swimming Hole, de Thomas Eakins
Assim revisitamos e compreendemos de formas diferentes fenômenos similares ou até repetidos. Podemos mudar completamente a forma como enxergamos, apreciamos e compreendemos livros, filmes e outras obras. Eu considerava Woody Allen um porre quando vi Poderosa Afrodite pela primeira vez lá por volta dos meus 11 ou 12 anos de idade. Longos vinte anos depois, aprecio o seu trabalho e até me identifico parcialmente com seus personagens da fase nova-iorquinos-com-relacionamentos-conturbados. Assim também foi, por exemplo, com Clube da Luta, a princípio (aos meus olhos) brilhante e hoje uma papagaiada ideológica barata e hipócrita. E assim é com tantas outras referências e em muitos outros âmbitos: político, comportamental, afetivo, de lazer e etc, etc.

E graças a um novo recurso oferecido pelo Facebook, podemos rever postagens feitas em anos anteriores. Hoje, por exemplo, revi fotos publicadas, links compartilhados e novos amigos, tudo isso em outros 12 de outubro. Aí não sei dizer se, por um momento, o banhista vê seu próprio reflexo na superfície ou se surge um redemoinho nas águas, que se encontram e se misturam. Deste encontro emergem alguns detritos causadores de vergonha e arrependimento ou surgem tesouros para causar saudades e nostalgia. De maneira sinestésica, lembranças são desencadeadas e uma música ou trecho de filme compartilhados em 2011 podem lembrar dum momento profissional, daquele bom relacionamento já nascido fadado ao fim precoce ou de como a visão de mundo podia ser estreita, bem mais estreita - minha antiga inclinação ao libertarianismo que o diga. Que tenhamos todos muitas novas ocasiões para olharmos para trás e concluirmos: "até que eu melhorei".

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No entanto, às vezes se tem a impressão de que algumas águas nunca mudam. Talvez isto esteja correto ou alguns corpos d'água sejam lagos ou açudes e não rios e, inertes, tenham mais dificuldades ou até sejam incapazes de mudar. É possível que a mudança ocorra, mas seja imperceptível por se dar nas profundezas, escondida sob águas turvas. Isto me lembra das revistas de música que eu comprava todo mês durante a adolescência. 

Há os lagos que felizmente se mantêm os mesmos no decorrer dos anos e outros, infelizmente, também se mantêm os mesmos. Acontecia de um crítico elogiar grupos como Motörhead ou AC/DC devido à fidelidade da banda à fórmula sonora mantida por muitos anos e, numa mesma edição ou até numa mesma página, condenar Bad Religion ou Agnostic Front devido à fidelidade da banda à fórmula sonora mantida por muitos anos - entenderam? E o banhista se aproxima destes lagos, por necessidade ou curiosidade, apenas para confirmar que são exatamente os mesmos desde o último encontro. Enxergar seu próprio reflexo é uma das consequências possíveis: "O lago continua exatamente o mesmo, mas só agora reparo que eu mesmo mudei". Ou então, movido por curiosidade ou até otimismo, o banhista crê que houve alguma mudança, ainda que ela não seja tão evidente. E começa a busca-la mais e mais longe, arriscando-se nas profundezas, onde corre o risco de afogamento.


Monday, September 21, 2015

Sobre o tal do CrossFit

Como dito em um post anterior, eu havia começado a praticar CrossFit e escreveria algo quando tivesse uma opinião mais sólida a respeito dessa atividade física. Nesta segunda-feira decidi trocar meu plano trimestral que acabava por um anual e, por isso, acho que a hora já é oportuna para escrever a respeito do assunto. Mas o que é CrossFit?

A modalidade esportiva é uma febre crescente com cada vez mais praticantes pelo Brasil. Assim como era comigo, creio que muitos já ouviram falar a respeito ou viram fotos e relatos de colegas praticantes, incluindo aí fotos de pessoas suadas, esparramadas pelo chão, com caras e roupas sujas (de poeira e pó de magnésio) e até com calos rompidos nas palmas das mãos ensanguentadas. Soa horroroso e às vezes é mesmo, mas CF é muito mais do que choro e ranger de dentes. É uma atividade criada nos anos 90 nos Estados Unidos para aliar força e condicionamento físico com o uso de levantamento de pesos, exercícios aeróbicos, corrida, ginástica e calistenia, entre outras atividades.

Apesar da imagem um pouco assustadora que criei inicialmente, fiquei curioso para conhecer o CrossFit. Pensei que cada "box" (como são chamados os espaços) eram pequenos quartéis, com treinadores prontos para esculachar quem não conseguisse realizar o treino. Também pensei que, pela intensidade dos treinos, seria preciso já me inscrever preparado para um teste físico dos Fuzileiros Navais - o que não faz o menor sentido, é óbvio. Amigos e amigas contaram como, na verdade, o esporte não é um clubinho fechado e que ele está de portas escancaradas para iniciantes. Além de suas palavras, suas evoluções de condição física contaram muito para me convencer de que CF trazia resultados.

Além dos meus amigos, os alunos dum box próximo de casa "acidentalmente" me ajudaram a visitar e, mais tarde, frequentar o box Torden. Os treinos (ou "WOD", work out of the day) normalmente duram uma hora cada, são compostos de várias atividades diferentes e em alguns deles é preciso correr na rua. O democrático e acelerado desfile de homens e mulheres, pessoas saradas e gordinhas, altas e baixas, novas ou já de cabelos brancos é a melhor publicidade que o box pode fazer para quem mora perto dele: é nesta hora que se vê como o CF é feito para receber a todos e como ele transforma seus frequentadores positivamente.

Fui então até o Torden para uma aula experimental. Ela foi longa e pesada para alguém não apenas sedentário, mas que sempre fugiu das atividades aeróbicas - mesmo quando caí dos 100 para os 70 e alguns quilos. Os professores Michel e Andres me acompanharam e, nesta aula e em todas as posteriores, sempre foi nítido como são atentos à execução correta dos exercícios e à capacidade de cada aluno. Confesso que no começo até estranhei essa observação mais próxima dos treinadores, já que eu estava acostumado aos professores de musculação de academia - normalmente mais atentos às frequentadoras gostosinhas ou aos rapazes da turma mais marombeira.

As aulas são em turmas com número limitado de participantes, o que permite esse cuidado maior e também impede "migués", exercícios roubados e enrolação. Gostei desta primeira aula e, sinceramente, precisava de alguma atividade intensa, ainda mais por estar plantado em cadeiras quase o dia todo devido aos estudos e à natureza de meu trabalho. Depois desta aula fiz minha inscrição, uma avaliação física e três aulas de fundamentos para fixar as formas mais comuns de levantamentos de barra, agachamentos e "presses" (empurrões com a barra).

Ainda sobre as aulas em turma, é justo que eu também destaque o bom ambiente criado pelos meus colegas de WOD. Fui muito bem acolhido desde o primeiro dia, seja com conselhos, dicas de como realizar os movimentos corretamente e até incentivos, como no meio duma corrida ou quando eu não acreditava que poderia aumentar os pesos a serem levantados. E esse apoio veio de alunos poucos mais experientes do que eu, assim como dos que eram referência no box. 

Uma aula da qual participei. Em destaque, dois troféus conquistados pelo box numa competição em Valinhos: primeiro lugar para a equipe feminina e terceiro para a masculina
Passados cerca de três meses de aula, já posso sentir alguns resultados positivos, mesmo fazendo apenas três aulas semanais. Começo a notar ganho de massa muscular, além de alguma perda de gordura. Mais importante ainda do que isso, noto que meu fôlego tem melhorado e que agora consigo correr uma distância maior sem botar a língua de fora - isso é progresso para quem tinha os pulmões dum coala. Também passei a me alimentar melhor: antes eu comeria algo pesado crente de que compensaria o excesso na musculação no dia seguinte (o que não era feito, claro) enquanto agora penso duas vezes antes de comer alguma "porcaria" por saber que isto pode prejudicar meu treino.

Portanto, fica minha recomendação: se tiver a oportunidade, experimente uma aula de CrossFit. A cada mês surgem novos boxes por aí, assim como crescem até as competições, mesmo internas de cada box. Creio que nem todos surjam com o excelente nível que conheci na Torden, mas a experiência é muito recompensadora e significa muito mais do que ganho de massa muscular. Os treinos e exercícios são pensados com variações para que eles sejam desafiadores para o novato e para o "crossfiteiro" (??)  que compete, por isso qualquer pessoa pode praticar o esporte, se sentir testada arduamente - e proporcionalmente recompensada.

Friday, August 14, 2015

Trilogia Pusher

Há algum tempo assisti Drive, um thriller em que Ryan Gosling se esforça para convencer como um homem que faz o "strong, silent type", como diria Tony Soprano. O motorista anônimo vive em meio a carros, seja com seu emprego como mecânico, em sua ocupação alternativa de dublê ou nas corridas em que transporta assaltantes. Tudo isto pode ser encerrado caso ele realize seu ingresso no automobilismo, porém seus planos são interrompidos quando ele se envolve com a mulher dum presidiário. O filme entretém e vale sua (não tão longa) duração, mas falo dele principalmente porque foi como conheci o trabalho do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn.

Bronson
Assisti Drive, seu trabalho de maior repercussão e mais tarde foi a vez de Bronson, filme estrelado por Tom Hardy, o novo Mad Max. Neste trabalho baseado frouxamente em fatos reais, Tom interpreta Michael Peterson, um jovem inglês autor duma escalada de pequenos delitos encerrada com sua prisão após um assalto a mão armada. Na prisão Michael parece descobrir sua verdadeira vocação: entre brigas e períodos de isolamento na solitária, é o prisioneiro mais "constante" do Reino Unido, encarcerado desde 1974 até hoje, com 69 dias de liberdade neste período - período em que ganhou o apelido que dá título ao filme.

Graças ao IMDb vi a conexão entre os dois filmes e que eram obras do mesmo diretor - até então confesso que eu não me atentava muito a isso. Curioso por conhecer mais do trabalho cru e brutal de Refn, encontrei Valhalla Rising, um suspense em que um homem usado como lutador para entretenimento de apostadores se livra do grupo que o explora e se junta a cristãos destinados a Jerusalém para lutar nas Cruzadas. Porém, desnorteados e num barco à deriva, perdem-se e alcançam uma terra desconhecida, onde são levados a seus limites  pelas dificuldades encontradas neste território hostil. O misterioso e calado lutador já citado, One Eye, é interpretado pelo já renomado Mads Mikkelsen, que foi quem me levou à tal da trilogia que deu nome ao post.

Trata-se duma trilogia não por haver uma continuidade da história, mas por haver uma ligação, ainda que frágil, entre os personagens e porque nunca se deixa o mesmo universo: o submundo do narcotráfico de Copenhague (quem diria, não?). São três filmes violentos, ríspidos e, creio, mais verossímeis do que tantos outros filmes do mesmo estilo. Semana passada assisti Blood Simple, dos irmãos Coen. Uma das características que achei mais marcantes foi a burrice dos personagens. Gente normal faz escolhas péssimas, comete crimes sem planejamento algum e não tem preparo para se livrar das provas do crime, quando elas são lembradas. Nos filmes da série Pusher os personagens têm suas motivações, conflitos internos e atritos, mas agem, pensam e falam duma forma que se imagina que um traficante de verdade o faria, sem tiradas espirituosas e insights astuciosos.

Tonny e Frank
No primeiro filme, Frank (Kim Bodnia) e Tonny (Mads Mikkelsen) são pequenos fornecedores de drogas e quando não estão em atividade, passam o tempo em bares, casas de strip e vadiando de maneira quase adolescente. A história toma corpo quando um antigo amigo de Frank o procura para uma grande compra de heroína e ele pede um empréstimo de Milo (Zlatko Buric), que cede o dinheiro, ainda que contrariado pela dívida crescente de seu parceiro. A negociação acaba mal, Frank consegue perder o dinheiro e também a droga, iniciando assim uma espiral de violência, cobranças e desespero.

Pusher foi, em 1996, o primeiro filme escrito e dirigido por Refn e creio que o jeito direto e objetivo da história seja mais fruto de sua inexperiência do que realmente duma opção de estilo. É nítida a motivação de Frank, é possível criar alguma empatia com ele enquanto todo esforço seu torna-se inútil, mas ele, assim como os personagens da série, demonstram a profundidade dum pires. Podem ser vistos alguns traços de Cães de Aluguel, como as amizades efêmeras permeadas por momentos de desconfiança e trocas de ameaças.

Já em Pusher II, de 2004, a história gira em torno de Tonny. Recém-saído da cadeia, ele passa por uma série de reveses: dívidas, uma brochada, desconfiança e cobranças de seu próprio pai, um dono de oficina e desmanche de automóveis respeitado no mundo do crime. Além disso tudo, descobre que é pai dum menino, embora negue a paternidade. Tonny se arrisca como pode e como não deveria para que o respeitem, mas durante todo o filme ecoam as palavras do diálogo inicial: falta-lhe a capacidade de causar medo a quem está ao seu redor.



Vê-se que é um homem dividido entre mergulhar de cabeça no crime ou afastar-se dele. A história é mais densa, mais sombria e angustiante duma forma diferente da do primeiro filme. Tonny, além de ser um personagem mais interessante e mais bem escrito do que seu antigo colega de crime Frank, ainda é interpretado por um ator mais habilidoso. Com os anos Refn evoluiu bastante como diretor e principalmente como escritor, felizmente.

Finalmente a trilogia é encerrada em Pusher III, de 2005, com a história de Milo. Antagonista de Frank no primeiro filme e pequeno participante no segundo, agora o traficante sérvio tem um dia de sua vida narrado, começando com sua reunião nos Narcóticos Anônimos pela manhã e os preparativos do aniversário de 25 anos de sua filha. Enquanto Tonny lutava para subir postos no mundo do crime, Milo batalha para permanecer no topo. O veterano é constantemente acuado pela "nova geração", como diz o traficante Muhammed: o protagonista precisa se manter firme diante de um traficante albanês, um cafetão polonês e até sua própria filha.

É um encerramento melancólico para a trilogia, principalmente por uma cena em que o sérvio reencontra Radovan, que foi um de seus capangas no primeiro filme e que conseguiu abandonar o crime para abrir seu próprio restaurante. Radovan, contente e realizado, aceita ajudar o amigo, mas avisando-lhe severamente seria uma última ajuda pelos velhos tempos e que não aceitaria ser puxado novamente para essa vida. Milo, já condenado, já se mostra conformado ao estilo de vida que leva.
Milo angustiado

Thursday, July 9, 2015

Futuro definido (?)

Fazia muito tempo que eu não publicava nada aqui. Cerca de meio ano, talvez o mais longo hiato do blog. Como já comentei antes, um pouco por preguiça de comentar e muito por falta de tempo. Resolvi dedicar o ano aos estudos e, desde fevereiro, mal tenho tido tempo para ficar de bobeira. Hoje, por exemplo, é feriado aqui no estado de São Paulo, mas pedi para trabalhar como num plantão para receber dois dias de folga como recompensa posterior.

Essa correria toda começou, ironicamente, em minhas férias. Aproveitei os dias livres em fevereiro para pesquisar uma pós-graduação e a encontrei perto de casa, na Fundação Getúlio Vargas. Comecei uma pós em Administração de empresas, um meio para formalizar e aprofundar o que aprendi trabalhando por tantos anos na IBM. Desde o fim de março tenho aulas em sábados mais ou menos alternados ("mais ou menos" porque às vezes há intervalos maiores devido a feriados prolongados). É algo desgastante, principalmente devido à minha falta vitalícia de disciplina e distância de alguns anos de qualquer estudo mais formal, além de que precisei abrir mão da atividade como catequista nas tardes de sábado, mas já tem sido recompensador fazer contato com tanta gente interessante e expandir meus horizontes profissionais, mesmo que para vislumbrar um mundo além da Big Blue.

Além da pós na FGV, há também as aulas de russo, que também exigem mais conforme progrido. Além do conteúdo mais básico, já se foram cinco casos de declinação e os aspectos verbais: todo ato tem dois verbos, um para uma ação mais duradoura e outra breve, concluído, "fechado" (como "délat" e "sdélat", respectivamente). Até que é bastante coisa, mas confesso que houve um período em que me desanimei com meu progresso, porém percebi que esta desmotivação fora causada por uma percepção enganosa que eu tinha. Antes de estudar esta língua eu havia feito aulas de espanhol, idioma muito mais próximo do português e com formas muito mais abrangentes de estudo. Logo nos primeiros meses de estudo comecei a ver filmes, entrar em sites de notícias, avançava rapidamente pelos conteúdos e com cerca de dois anos de contato com o espanhol mudei de área no trabalho para atuar com mexicanos remotamente e gente de toda a América do Sul ao meu redor, o último passo necessário para alcançar a fluência no idioma. Hoje, com quase um ano de aulas de russo, ainda luto para formar algumas frases e o máximo que faço com alguma facilidade é assistir Peppa em russo. Tento ler notícias e estudar letras de músicas, mas ainda preciso comer muito feijão para ter algum sucesso aí.


E de tanto ficar sentado para trabalhar, ler e estudar o corpo começou com suas reclamações. Não através de dores ou qualquer outro problema, mas com aquela inquietação da energia que se acumula e não encontra por onde ser gasta. Constantemente batendo um dos calcanhares no chão e até roendo as unhas, algo que eu não fazia desde que ouvi um quase maternal "Não pode! É feio!", vi que era hora de levantar a bunda da cadeira e fazer alguma coisa. Havia as academias de musculação por perto, mas decidi exigir mais de mim mesmo duma forma que não me custasse tanto tempo e a opção que me pareceu mais adequada foi o cross fit. Já fazia algum tempo que eu ouvia falar desta nova forma de atividade física que combina bem musculação e atividades aeróbicas, então consultei alguns amigos que já o praticavam e, motivado por suas respostas e resultados, decidi dar uma chance a um box localizado próximo ao meu apartamento. Sobre isso, no entanto, posso dizer pouco porque me inscrevi recentemente e fiz apenas três aulas para aprender os fundamentos. Amanhã faço minha primeira aula de verdade e talvez escreva um post mais detalhado daqui alguns meses.

Assim meus dias vão se tornando mais cheios, mas de maneira mais produtiva. Chega de gastar tempo com distrações, jogos de computador, polêmicas que mal têm relevância fora das redes sociais ou qualquer outra bobagem similar. Vivi algumas fases de minha vida com delay. Durante meus 20-somethings tentei viver as experiências com relacionamentos que não tive na adolescência e agora, aos 30, luto para enriquecer meu currículo. Num processo também prolongado larguei aquele espírito de indignação adolescente contra a vida de cubículo, algo que se vê bem nas tirinhas do André Dahmer. Quando se deixa de olhar o próprio trabalho de maneira rasa é possível sim ver que ele significa algo não só para você e seus superiores imediatos, mas para a empresa, para seus clientes e para o mundo lá fora. A ambição de fazer algo significativo (ser escritor, no meu caso) também pode conviver pacificamente com um trabalho menos glamouroso ou pode se resumir a um hobby, como bem exposto neste texto ao qual cheguei através do amigo Maurício Vargas e que resume bem o que passei e como passei a pensar.

Desta forma, meio que sem perceber quando isso começou, creio que consegui definir meu futuro, contrariando assim o título do blog. São passos modestos, medidos com alguma cautela e cujas consequências poderei medir apenas a médio prazo, mas já são algo positivo. Talvez seja assim com quase todo mundo, mas eu não veja isso porque considere as pessoas ao meu redor como muito bem planejadas ou me considere muito menos estratégico do que elas. Duvido que todos os meus amigos adotem aquele papo de vencedorzão, com planos para os próximos dois, cinco, dez anos. Assim, com um improviso aqui e alguns ajustes ali, vou entrando nos trilhos e percorrendo meu caminho.

Monday, February 2, 2015

Macro-twittering X

Fazia tempo, praticamente cinco anos, que eu não fazia um destes posts com um apanhado de breves comentários sobre miudezas. Como veio a vontade de escrever, aproveitei para passar um café, botar umas músicas de bicha triste para tocar e expelir um ou dois parágrafos a respeito de aleatoriedades.



- Começo hoje minhas férias. Na quinta-feira, 05, vou até São Paulo para encontrar a Ligia, companheira de mesas de boteco e papos profundos desde o distante começo do curso de Jornalismo na PUC-Campinas para comemorar o aniversário da Samia, uma pessoa muito especial e o melhor legado das minhas longínquas aulas de boxe. No dia seguinte continuo a "turnê" passando por São José dos Campos para visitar minha "protegida" de outrora na IBM, a Mayara - como se uma mulher que é independente, lutadora e ótima mãe precisasse de proteção - e sua nova família. No fim de semana desço a serra até a praia do Sapê, vizinha mais pacata de Maranduba, em Ubatuba (tradicionalmente chamada de "Ubachuva").

"Porra, Luiz, mas você não odiava praia?". Sim, mas por não saber diferenciar algumas coisas de outras. Odiava a colônia de férias visitada por minha família todo mês de janeiro, sua praia imunda, sua falta de atrações e a diferença de idade que tornava as crianças desinteressantes e os adolescentes, muito distantes para socialização. Mas gosto do oceano, de sua imensidão e da possibilidade de contemplar algo que dê-me a sensação de ser minúsculo, mas não insignificante. Foi à beira do mar, em Ilhabela, no fim de 2008, que me encontrei e encontrei a determinação de emagrecer. Sabe-se lá o que pode nascer desse novo encontro/refúgio nas águas.
 
- Fecharam o Bar do Wili. Num post antigo o escolhi como meu bar preferido em Campinas - e não o melhor da cidade, antes que alguém entenda assim. Com o passar dos anos passei a não admirá-lo tanto: ele não era dos locais mais bonitos, com suas paredes aparentemente inacabadas, suas cadeiras frágeis e ambiente escuro. O atendimento era lento, com "cerveja quente e comida fria", como li por aí em alguma avaliação do recinto. Eu não gostava do seu público dominante, aquele jovem moderninho cujos traços de alternatividade respeitam algumas regrinhas muito bem pré-estabelecidas, com cortes de cabelo, roupas, gostos musicais e tatuagens para quem quer ser diferente de todo mundo e igual a muita gente. 

Havia tudo isso e eu tinha motivo para odiar o bar, mas havia algo em sua atmosfera que eu adorava. Vez ou outra eu ia até lá para ver alguma partida de futebol num domingo a tarde, tomar uma cerveja e voltar para casa. Abri três ou quatro férias seguidas com o "ritual" de tomar uma cerveja na tarde do primeiro dia em que eu estava livre do trabalho. Numa destas idas vespertinas venci um bloqueio que eu tinha e consegui puxar papo com uma moça que também bebia sozinha. Quando estava numa de suas mesas recebi a ligação da ex-namorada que vivia no apartamento ao lado para avisar que sairia do prédio. Ali sofri uma ou outra decepção amorosa e tive algumas pequenas vitórias também. Ali voltei a fazer aniversários, quando cheguei aos 28 e 30 anos, respectivamente - e logo após este último a festa acabou. Talvez a alma despojada e acolhedora do bar vinha de seu ar de tosquice, de sua aparência decandente, apropriadamente ilustrado pela frase "se já está no inferno, abrace o Capeta".

- Estamos chegando ao sexto aniversário da morte de minha mãe. Quase deixo a data passar em branco porque, sinceramente, após um tempo ficou mais fácil lembrar de seu aniversário de nascimento, em 14 de setembro. À época de seu falecimento pensei que todo começo de fevereiro seria um período de luto e reflexão, mas eu não imaginava que o tempo dos mortos funcionasse de forma tão distinta. Seguimos vivendo e associando a passagem do tempo a marcos da vida profissional, relacionamentos, acontecimentos, eventos esportivos e tantas outras referências. Por exemplo, sei que em 2004 o Porto foi campeão europeu, lembro porque foi na época em que eu trabalhava no Futebol Interior. Em 2005 foi o Liverpool, que veio a perder o Mundial para o São Paulo. No ano seguinte foi o Barcelona, quando Ronaldinho Gaúcho foi sobrenatural. Quem se foi, no entanto, parou e entrou em looping no dia de sua morte. Continua lembrado, numa linha do tempo paralela que parece infinita: minha mãe sempre esteve por perto, foi-se e continua sendo uma lembrança constante, então não há de fato um apelo para que eu faça algo de diferente hoje, assim como não considero o dia de Finados uma ocasião especial.

- Quem tem medo do Lobo Mau? E da NFL? Ok, essa liga ainda não inspira medo, não ameaça o futebol brasileiro e creio que não será muito maior do que um nicho bem específico, porém mais fiel do que o público que descobriu o MMA há alguns anos. Creio que essa fidelidade se deve ao tempo em que leva-se para aprender as regras mais básicas e como funciona o futebol americano, ao contrário das lutas do UFC, onde bastava ver quem esmurrava e chutava mais para acompanhar uma luta. Mesmo assim, com esse alcance limitado que o esporte terá no Brasil, porque ele causa dor de cotovelo entre alguns torcedores mais tradicionalistas do nosso futebol inglês, brasileiro, mundial? É porque essa minoria tem se empolgado duma forma que o torcedor do futebol não tem se empolgado há tempos? É pela organização, que jamais veremos por aqui? É rejeição a algo novo simplesmente por ser uma novidade? É por achar o esporte feio ou indecifrável? Ou é uma birra gratuita, o que também seria uma justificativa plausível? Sei lá, mas seria melhor usar esse tempo observando e absorvendo o que o futebol americano tem a ensinar.

Sunday, January 25, 2015

Quinquênio

Hoje completam-se cinco anos de minha mudança para o apartamento, onde passei a morar sozinho e onde estou até hoje. Como esta mudança foi motivo para eu começar e manter este blog, o mais justo é fazer uma retrospectiva de todo este período, mais do que vivi e, em parte, do que escrevi. Essa transição começou ainda em 2009, mas só decolou com a virada do ano. Seria mais prático fazer a mudança durante o mês de janeiro de 2010, enquanto meu pai e minha irmã ainda negociavam a compra da casa onde moram hoje e escolhi o dia 25, aniversário de São Paulo e uma data da qual eu me lembraria facilmente. Aliás, agradeço aos dois por toda a ajuda durante esse período.

Os últimos dias anteriores à mudança foram de algum nervosismo: à época eu não tinha um emprego, receava me arrepender da mudança devido ao risco de ficar isolado e solitário, além de ser refém de meu próprio despreparo para questões domésticas - revisitei posts mais antigos e num deles cheguei a comemorar que aprendi a fazer macarrão, algo absolutamente vergonhoso para qualquer pessoa com mais de treze anos de idade.

Desenvolvi minhas habilidades e um dia fiz um miojo parecido com o macarrão dessa foto aleatória

Havia também a ansiedade pela parte mais positiva. Tornar-me-ia mais responsável e mais bem organizado, seria mais cauteloso com meu dinheiro, teria um harém de universitárias - todos objetivos mais ou menos realistas. E até que pude cumpri-los: aprendi o valor do protagonismo, da iniciativa, de tomar as rédeas de algo, do "ownership", por falta duma tradução exata desta palavra da qual tanto gosto; revi minhas conclusões e notei como já era moderado com as finanças, mas que a principal função dessa prudência deve ser justamente poder proporcionar momentos de generosidade e conforto.

Apenas a parte das muitas universitárias, surpreendentemente, não saiu como planejado. Logo em maio de 2010 já comecei um namoro - que teve duração de mais ou menos um ano - com minha vizinha de porta e, assim, entrei numa fase "balzaca", aproveitando o termo que dela aprendi. Foi o princípio dum rosário de relacionamentos com mulheres em seus trinta e alguns anos. Apesar da forma como falei deste período, eu o cito não pela quantidade de cúmplices, mas pela(s) qualidade(s) destas mulheres e pela forma como me influenciaram. Tive a felicidade de ter a meu lado pessoas fascinantes, divertidas, sensíveis e especiais, cada uma de sua forma. Caso tivesse o dom das artes plásticas, retrataria uma em aquarela, com traços mínimos e pinceladas frágeis, outra com as cores firmes e ar contemplativo imitando desavergonhadamente Edward Hopper, uma como o Fogo ou a Força em meio ao Vazio. E houve, sim, uma universitária: foi a inusitada presença duma moça segura de si, disposta a intrepidamente colorir e reavivar um cenário de cinzas. Sou muito grato pela convivência inesquecível com esta mulher, maravilhosa desde tão cedo.

Simulação da prosa com Givaldo e Zé
Enfim, chega de me gabar. Depois da mudança houve, de fato, um baque por passar os dias sozinho e sem uma ocupação. Cheguei a ler O Cortiço em apenas uma investida, visitava uma lan house próxima de casa para cadastrar currículos e interagir com amigos através do Orkut. Às vezes passava algumas horas na portaria de meu prédio, a prosear com o Givaldo, porteiro petista e o Zé Peres, um tucano que supostamente conhece cada palmo, acontecimento e personagem da história de Campinas. Mas em junho de 2010 comecei a trabalhar na IBM (após participar sem sucesso dum outro processo seletivo que me levaria até a SAP, em São Leopoldo-RS) e fui reinserido na sociedade. E tive a sorte de cair num time de gente trabalhadora e amiga, com alguns integrantes que são pessoas importantes para mim até hoje. Mais tarde ganhei de presente da minha irmã a Bolacha, hamster que foi minha companheirinha por quase dois anos. Apesar das limitações causadas pela delicadeza de sua estrutura e por seu pouco tamanho, ela cumpriu bem seu papel de bicho de estimação. Agora que o analiso em retrospectiva, vejo como 2010 foi um ano agitado.

(Agora farei uma passagem rápida por vários eventos menores posteriores. Sugiro que se ouça um hard rock bem farofento para acompanhar a montagem, um expediente muito explorado nos filmes dos anos 80)
Então o que era novidade passou a se transformar em rotina e, aos poucos, surgiram preocupações maiores do que conseguir fazer arroz sem que ele terminasse como uma papa ou torrado. Aprendi a fazer compras menores e mais baratas, ao contrário da primeira, que mal coube nos poucos armários - que vieram a ser ampliados mais tarde. Constatei que realmente não preciso dum carro, ao menos vivendo onde vivo e trabalhando onde trabalho. Venci (parcialmente) a timidez quando precisei reclamar do barulho feito por vizinhos diferentes. Visitei Buenos Aires, comecei a estudar para valer o espanhol e devido ao idioma também mudei de área na empresa em que trabalho e fui promovido. Um ano depois visitei Montevidéu, cidade em que passei sufoco pela imprevista indisponibilidade de saques de dinheiro - mas me virei bem com o idioma e agora estudo russo. Errei com a logística desta viagem, como vim a errar outras vezes: no trabalho, no cuidado com a casa, em alguns relacionamentos. Alguns destes erros foram bem corrigidos, como quando demorei para corrigir um problema de vazamento em meu banheiro e a solução mais prática foi reformar todo o cômodo. Outros erros serviram pelo aprendizado que trouxeram (pelo menos consegui transforma-los em algo, ainda bem).

O aprendizado - e incluamos como parte dele o autoconhecimento - é o mote deste período de cinco anos, concluo. Era o que esperava, mas não imaginei que cresceria tanto em tão pouco tempo e de maneiras tão inusitadas, mesmo não estando exposto às condições mais inconvenientes. Viver sozinho é viver consigo mesmo, o que pode parecer óbvio e até mesmo redundante, mas é um desafio às vezes massacrante ter de encarar de frente uma insegurança, um medo ou um erro. E aí podemos nos esconder em distrações como redes sociais, smartphones, sair ou fazer o que for, mas uma hora será preciso deitar a cabeça no travesseiro, em meio à escuridão e ao silêncio. E depois de tantas experiências que puseram minhas convicções e eu mesmo a prova, aprendi bastante, mas principalmente que não podemos fugir de quem somos. Há espaço para evolução e mudanças, mas há um âmago que carregamos conosco e contra o qual não podemos lutar. Ou talvez seja só comigo, quem sou eu para dizer isso no plural, não é?

Aquela epifania que nos atropela durante o banho ao enquanto a água ferve na chaleira

Créditos das pinturas nos links
Aquarela: Other Wrongs, de Agnes Cecile
Edward Hopper: Summer Evening, de Edward Hopper
O Fogo e a Força: Gone with the Wind, de Dima Dmitriev

Friday, January 2, 2015

Cinco livros - 2014

Atendendo à sede da massa de leitores que enviou um total de hum (01) pedido, farei também uma lista com minhas cinco leituras preferidas de 2014. Foi mais fácil escolher os cinco títulos literários porque mais assisti do que li histórias em 2014, mas reparei que era sim possível ter lido mais no ano que passou - sessenta a trinta e poucas leituras, aí contando até uma encíclica papal (Rerum Novarum, aquela em que se mostra que não é preciso ser socialista para se preocupar com condições do proletariado). Talvez seja o caso de me impôr um número mínimo no ano para que eu perca menos tempo lendo o feed do Facebook.

As Barbas do Imperador - Lilia Schwarcz


Conforme dito na versão digital disponível neste link, o "misto de ensaio interpretativo e biografia" é um riquíssimo retrato de quem foi Dom Pedro II e, de igual importância, como era o Brasil Império. Lilia conta sobre Dom Pedro I, sobre o nascimento de seu filho e de todos os episódios até o golpe da proclamação da República: os anos da infância em que já era tutelado para governar o Império, o casamento arranjado, seu estabelecimento como líder, a Guerra do Paraguai, seus anos mais tardios quando já se demonstrava cansado de uma vida toda dedicada a seu cargo e o exílio na Europa. Também narra-se como se davam as relações da nobreza, as festas populares e a vida na corte.

Recomendo o livro muito pelas suas qualidades e pelo espetacular trabalho de Lilia, mas principalmente pelo grande brasileiro que foi Dom Pedro II, "Defensor Perpétuo" do Brasil. Em períodos em que somos governados por políticos corruptos, desonestos, incompetentes, oportunistas, baixos e pusilânimes - sejam eles de qualquer partido que se pensar - é alentador pensar que já tivemos um estadista da grandeza de Pedro II.

A Leste do Éden - John Steinbeck


Mais conhecidos por As Vinhas da Ira (que, se não me engano, terá uma nova versão cinematográfica), Steinbeck escreve mais uma vez sobre a Califórnia, mais especificamente sobre o Vale de Salinas, uma região predominantemente rural do estado. Neste vale destacam-se duas famílias, os Trasks e os Hamiltons, cujos integrantes se envolvem em episódios cujos temas passeiam por temas como amor, liberdade, trabalho, depravação, incapacidade de adaptação ao meio em que se vive e, claro, inveja - muitos elementos do livro são referências direta ao livro bíblico de Gênesis, como insinua o título. Além da brilhante narrativa e da forma especial de Steinbeck de entender e explicar o ser humano, destaco um ponto adicional: Lee, um personagem simplesmente cativante e que desperta nossa curiosidade, embora seja apenas um coadjuvante na história - esta considerada pelo próprio escritor como sua obra prima.

A Indústria do Holocausto - Norman Finkelstein


Norman Finkelstein, americano filho de judeus poloneses, discorre sobre a forma como o Holocausto - outrora um acontecimento que desejavam que se tornasse esquecido e posto no passado da comunidade judaica - passou a ser usado como artifício ideológico para obter imunidade e até condição de vítima perante a comunidade internacional e legitimar os excessos cometidos pelo estado de Israel, uma potência militar e tecnológica. Outro uso rasteiro que se faz é a exploração de países como Alemanha e Suíça (pois aí estaria dinheiro deixado pelos nazistas) feita por ONG's que não repassam seus ganhas a sobreviventes dos campos de concentração e indivíduos que não tiveram ligação nenhuma com a perseguição feita aos judeus.

Obviamente, Finkelstein tornou-se um pária entre seu povo. Ele não segue uma linha revisionista ou até negacionista, como alguns outros autores que, por exemplo, contestam os números de vítimas judias durantes a Segunda Guerra Mundial. Sua severa crítica, porém, é direcionada apenas a personagens que parasitam a catástrofe alheia e, consequentemente, alimentam sentimentos antissemitas.

O Velho e o Mar - Ernest Hemingway


Eu já havia lido outros romances de Hemingway antes, mas nenhum havia me prendido como este. Não que eu os achasse ruins, eu apenas não conseguia me entusiasmar como imaginava que me entusiasmaria com o trabalho do escritor americano. O velho e o mar, no entanto, foi uma surpresa: abri seu arquivo no Kindle apenas para conferir se ele era muito longo ou não (não dá para realmente saber disso até que se abra o arquivo) e li tudo num golpe só. É pouca coisa, é verdade, leva-se pouco mais de uma hora para terminar, mas foi o tamanho ideal para contar a história do pescador Santiago.

O pescador atravessa uma maré de azar que já se aproxima de seu nonagésimo dia quando, por sorte ou azar, fisga o que presume ser um marlim. É difícil determinar exatamente qual é o peixe, mas sua grandeza se torna óbvia quando ele arrasta o barquinho de Santiago consigo até o alto-mar. Durante o restante do livro acompanhamos a luta de dias do pescador contra o peixe, o mar, o sol, as dores e a velhice. "Poxa, mas é só isso, o homem só fica lá pescando?", podemos indagar. Não, é muito mais: é uma história sobre resignação, dignidade e resiliência.

The Age of Faith - Ariel e Will Durant


No começo do post comentei que li menos livros do que eu gostaria neste ano, mas eu havia me esquecido que graças ao casal da imagem acima li cerca de mil e cem páginas sobre a forma como o judaísmo, o islamismo e o cristianismo ajudaram a construir a Europa e o Oriente Médio durante os séculos da Idade Média - injustamente tratada como "Idade das Trevas", como se os continentes sofressem um apagão com a decadência de Roma e acordassem prontos para a Renascença. Por mais impressionante que a obra pareça por sua extensão, The Age of Faith é apenas o quarto volume duma série de onze livros chamada The Story of Civilization, um estudo minucioso que parte da fundação das primeiras civilizações que conhecemos e termina nos anos em que Napoleão foi derrotado em solo russo. TAOF me cativou não apenas pela variedade assombrosa de dados e informações, mas também por sua abrangência e pela forma como Will e Ariel souberam integrar acontecimentos que pareciam correr paralelamente.

Thursday, January 1, 2015

Cinco filmes - 2014

O ano terminou. Houve Copa, Dilma foi reeleita (inclusive a transmissão de cerimônia de posse está começando, mas sigo acompanhado as partidas do campeonato inglês), publiquei minha retrospectiva e, devido a uma boa dose de saco cheio motivação, resolvi fazer uma lista com os cinco filmes dos quais mais gostei de assistir em 2014. 

Em algum dos primeiros meses defini como meta assistir pelo menos cinquenta filmes para compensar a minha defasagem cinematográfica e cheguei a sessenta. Alguns se destacaram pela arte, pela direção, pelas atuações ou pelo enredo. Alguns foram catastróficos. Mas no geral o saldo foi positivo, desde que eu passasse pelo IMDb para conferir a nota de cada filme antes do download a fim de evitar novas bombas. Bom, chega de papo, vamos aos meus cinco filmes favoritos do ano passado.




Drama dirigido por Clint Eastwood, com Kevin Bacon, Tim Robbins e Sean Penn (estes últimos, vencedores dos Oscar de melhor ator coadjuvante e melhor ator, respectivamente, graças a este trabalho). Os três atores que destaquei interpretam amigos de infância que se reencontram depois de anos de distanciamento, ligados por um crime brutal investigado por Sean Devine (Bacon). O reencontro faz com que revelações perturbadoras surjam sobre o crime e sobre o passado do trio.





Ouvi sobre esse filme pela primeira vez como "o filme das gostosinhas se pegando" ou algo que o valha. As gostosinhas em questão são Adèle (Adèle Exarchopoulos) e Emma (Léa Seydoux), duas jovens que, obviamente, se envolvem no decorrer do filme em cenas um tanto explícitas. Porém, não se deve limitar esta obra a algumas cenas de erotismo. Muito pelo contrário: nas três horas de história acompanhamos Adèle em sua trajetória do vazio duma vida de tédio e enfado à plenitude, num caminho trilhado através de decepções, dúvidas, incertezas e descobertas, tudo retratado de forma bastante realista, sem artifícios espetaculares. Quanto às cenas de erotismo, a princípio achei-as demasiadamente arrastadas, com uma delas inclusive beirando os dez minutos de duração. Estas cenas, no entanto, surgem como regra e não como exceção: o filme todo caminha neste ritmo bastante natural de construção de relacionamento. Aos poucos as partes estudam-se, cedem mais e mais confiança até sentirem-se suficientemente confortáveis para baixarem a guarda.




Rush se propõe a contar sobre a rivalidade entre os pilotos de Fórmula 1 James Hunt e Niki Lauda no fim dos anos 70 e, concordo com a Bets, peca por contar apenas o lado do austríaco - embora o inglês seja um personagem muito mais interessante do que seu adversário, mesmo com o acidente sofrido por Lauda. É como uma história da cigarra e da formiga, em que se mostra que é importante trabalhar, se esforçar e regular seu motor durante o verão para não passar fome no inverno. E por que estou recomendando um filme que falha em sua premissa inicial? Porque ele é um filme e não um documentário: apesar dessa perda da imparcialidade ele ainda é muito divertido, mostra a F1 duma maneira espetacular e numa época espetacular.


 

Uma grata surpresa que descobri através dum anúncio quando os canais do Telecine estavam abertos para os plebeus menos favorecidos: um filme dinamarquês, cujo único ator que eu conhecia era o protagonista Mad Mikkelsen, mais famoso por seu papel como vilão em Casino Royale. O tema é bastante familiar a qualquer estudante ou jornalista formado, que sempre volta a ouvir sobre o caso da Escola Base. Lucas (Mikkelsen) é acusado de molestar sexualmente uma das alunas da escola infantil em que trabalha, a filha dum casal de amigos que nutre afeto pelo professor devido à forma como ele cuida da garota quando seus pais brigam. Lucas luta para provar sua inocência, mas é marginalizado e cada vez mais hostilizado na pequena cidade em que vive; seu filho é a única pessoa a defendê-lo. Por coincidência vi este filme na época das eleições presidenciais, período dum vale-tudo asqueroso de ofensas, insinuações, boatos e calúnias reproduzidas fartamente por tucanos, petistas e até por quem não estava em lado algum. Quantas vezes encontramos tempo para analisar, apurar e conferir a veracidade de cada nova informação que conseguimos distinguir no meio da avalanche que nos soterra diariamente nas redes sociais, mesmo as que não compartilhamos?




Aqui tenho que confessar uma distração minha: sempre via algum trecho deste filme na televisão e achava que James McAvoy interpretava um príncipe ou rei prestes a assumir o trono escocês. Ora, mas que trono, se este país é parte do reino britânico? Na verdade o título se refere à alcunha adotada pelo ditador Idi Amin, vivido por Forest Whitaker - vencedor do Oscar de melhor ator por esta interpretação. Agora ligo os dois homens: McAvoy interpreta Nicholas Garrigan, um médico recém-formado e aflito para sair o quanto antes da casa de seus pais. Aflito, ele pega um globo para girá-lo e escolher seu próximo destino: o primeiro lugar que seu dedo encontrasse. O mundo gira e o acaso escolhe por ele: Uganda. Nick chega ao país africano, trabalha como médico dum vilarejo e meio que sem se dar conta, assiste à ascensão de Amin como líder após um golpe militar. Posteriormente os dois se conhecem e Nick é convidado a ser o médico pessoal do líder. Ele aceita a oportunidade e conquista a confiança do ditador, mas fecha os olhos para as excentricidades e abusos de poder realizadas até que estas passam a se tornar um risco para o médico.

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