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Wednesday, February 27, 2013

Peter Gibbons

Por incrível que pareça, nunca publiquei nada sobre o filme Office Space, lançado no Brasil com o ridículo título "Como enlouquecer seu chefe". Escrito e dirigido por Mike Judge, também criador de Beavis and Butt-head e King of the Hill, o longa é aberto com a monótona rotina de Peter Gibbons, funcionário da empresa de TI Initech. Apesar de desmotivado e insatisfeito com praticamente tudo que o cerca,  passando por colegas de trabalho, clima, tarefas repetitivas e a aparentemente infinita escada hierárquica, Peter se mantém como apenas mais uma peça deste mecanismo e não demonstra qualquer ideia de como romper esse feitiço do tempo.

Seu desespero o domina e ele aceita a sugestão de sua namorada: uma sessão de hipnose com um terapeuta. O especialista consegue fazer com que seu estressado paciente relaxe e esqueça suas preocupações, porém a sessão de hipnose é interrompida e Peter não "retorna" do transe. Agora calmo e desligado de tudo que lhe afligia, Gibbons volta ao trabalho ainda nesse estado de relaxamento. Embora receba mais e mais críticas de seu sufocante gerente por não cuidar mais de suas responsabilidades, o renovado funcionário faz entrevistas com "consultores de produtividade" e, apesar da expectativa coletiva, não é demitido - pelo contrário, é promovido para que um novo desafio possa ser um trampolim motivacional em sua carreira. Estes consultores, no entanto, decidem demitir dois amigos de Peter (Samir Nagheenanajar e Michael Bolton) e o trio cria um plano para se vingar da empresa.

Peter, Michael Bolton e Samir em momento de redenção contra a impressora
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Adquiri o hábito de enxergar o filme como uma sátira sobre o ambiente corporativo por ter me identifiacdo com a forma pessimista de ver como limitadora e esmagadora a rotina duma grande empresa. A aparente insignificância de um funcionário entre milhares de colegas, a maneira como empregados eram descartáveis - é mais fácil trocar membros duma equipe do que comprar uma lâmpada de projetor - e o alto nível de cobrança eram os outros ingredientes de meu desânimo. Pior: eu via esse caminho como uma estrada da qual não podia sair e a única opção era continuar caminhando.

Hoje, no entanto, mudei alguns pontos de vista pessoais e finalmente percebi como o filme não tenta implodir um monstro cinzento chamado Initech, mas sim mostrar a imobilidade de Peter, o símbolo do funcionário que já está de saco tão cheio com sua vida que não consegue nem se revoltar com o que lhe cerca. Foi necessária uma sessão de hipnose desastrosa para interromper o ciclo de prazo indeterminado de engarrafamentos, procrastinação, reclamações e noites mal dormidas.

Acomodado, medroso e preso a uma falsa sensação de segurança, o personagem condena o ambiente quando ele mesmo já não sabe porque continua ali. Em um diálogo com seus amigos ele até chega a dizer "eu vou aceitar trabalhar no fim de semana porque eu sou um bundão, e também é por isso que trabalho na Initech em primeiro lugar". Seus colegas discordam, porém essa sutil frase é uma fagulha de razão solta por Gibbons.

É até possível criar uma espécie de linha evolutiva com os personagens do filme, indo do mais estagnado ao mais livre. Milton, o irritadiço senhor de rosto sempre avermelhado, é maltratado por todos e chutado de um canto ao outro da empresa. Reage à forma como é tratado apenas depois de ser levado ao limite de sua tolerância, quando passa a trabalhar no porão entre caixas e baratas. Michael Bolton e Samir aparentam ser mais agressivos e inconformados com as possíveis mudanças impostas pela empresa, porém esta postura é apenas superficial e não é sustentada quando há a oportunidade de testá-la.

No meio do caminho surge Peter, infeliz e ciente de sua desgraça, porém incapaz de mudar seu destino por conta própria. Apesar de mudar sua vida apenas devido à interferência externa da sessão de hipnose, vale mais esta mudança tardia do que a acomodação persistente de seus colegas. A namorada dele, Joanna, é o próximo passo evolutivo: apesar de toda o tempo passado num emprego considerado insatisfatório, ela ganha pontos por pedir conseguir demissão após uma libertadora catarse.

No fim da linha da evolução está Lawrence, o trabalhador da construção civil e vizinho de Peter já satisfeito com seu emprego desde o começo do filme e preocupado apenas com sua própria felicidade - e não com julgamentos de terceiros, comparações sobre salários ou porte de empresas. É como um guia iluminado de Gibbons através das trevas da ignorância e do medo, um Dalai Lama de cerveja na mão, mullets, palavrões na ponta da língua e lógica demolidora.

O olhar penetrante de Lawrence atravessa os bloqueios de Peter e chega ao âmago dos conflitos do peão digital

Wednesday, February 13, 2013

Neruda

Onde está o menino que fui,
segue dentro de mim ou se foi?

Sabe que não o quis nunca
e que tampouco ele me queria?

Por que andamos tanto tempo
crescendo para separar-nos?

Por que não morremos os dois
quando minha infância morreu?

E se minha alma tombou
por que permanece o esqueleto?

- De O livro das perguntas, de Pablo Neruda

Wednesday, February 6, 2013

As prima (sic)

Muita gente sabe da minha origem de Presidente Prudente e não de Campinas, da minha formação como jornalista, da mudança de área de atuação profissional e da minha torcida pela Ponte. Algumas pessoas sabem dos mais de dez anos por mim passados na mesma escola antes de iniciar o ensino superior e das minhas quatro tatuagens. Porém, realmente poucas pessoas sabem do meu abandonado sonho de fazer parte da Polícia Militar de São Paulo, do meu "jejum" de nunca ter segurado um bebê em minhas mãos e, principalmente, não sabem que moro próximo a um conhecido ponto de prostituição da cidade.

Chamadas de muitos nomes, inclusive de "mulheres de vida fácil" mesmo por outras mulheres não tão dispostas a percorrer este mesmo caminho de suposta facilidade, "as prima" (sim, com erro de concordância) trabalham em casas especializadas, em uma ou outra esquina e sabe-se lá em quantos apartamentos espalhados pelo Cambuí - para ficar em apenas um bairro. Quando conferi o apartamento onde moro atualmente sabia do vizinho Red Lion e das consequências possíveis, como constrangimentos ao receber visitas ou o caos que imaginei tomar a rua durante a noite, mas mesmo assim vim morar aqui focado nos pontos positivos.

Pois bem. Após me mudar para a região descobri que além do Red Lion havia algumas moças "free lancers" na esquina oposta, na mureta da rua Guilherme da Silva: a mesma mureta do antigo estádio da Ponte Preta pode ser tombada como patrimônio cultural da cidade, mas por enquanto ela serve apenas como vitrine noturna. Estas mulheres, no entanto, se mostraram até bem discretas: não usavam roupas tão ousadas, não agiam de maneira escandalosa e não atraíam problemas.


A tal da mureta
Até hoje não vi nenhuma discussão, briga, agressão ou qualquer incidente entre elas ou relacionado a clientes. Como a atividade delas exige uma boa dose de discrição, seria prejudicial para elas mesmas e para a clientela se ocorresse algo de chamativo. Assim elas passam as horas, entre gargalhadas, uso de maconha e leitura . Sim, leitura, uma vez passei por elas para ir a um bar próximo e vi duas moças buscarem o melhor ângulo sob a lâmpada dum poste para poderem ler seus livros. Há sempre viaturas da PM por perto e inclusive os soldados esporadicamente fazem aquela habitual parada para bater papo com o pessoal do Red Lion. Pondo-se isso tudo na balança, as moças podem causar um certo constrangimento aos moradores da área, mas trazem também movimento constante e segurança - uma relação simbiótica entre as garotas de programa e os moradores.

A propósito, os habitantes diurnos do bairro merecem um espaço aqui. Geralmente incomodados pelas vizinhas noturnas, chegaram a se organizar num movimento e solicitaram à prefeitura que o Red Lion fosse fechado. Evidentemente o bar continua aberto e suas mulheres-satélite ainda fazem ponto na mureta, porém vez ou outra ouço falar de novos abaixo-assinados organizados na vizinhança para que o pub seja lacrado.

Ainda sobre os moradores, um caso dum vizinho de outro prédio, amigo do meu pai, ilustra muito bem as posturas de quem observa estas sereias do submundo. João, chamemo-lo assim, soube que eu era seu vizinho e me deu as boas vindas à vizinhança. "Já foi ao Red Lion? Você tem que ver a mulherada que trabalha lá!", recomendou ele com uma gargalhada. Logo em seguida prosseguiu: "Mas e aquelas sem-vergonhas que ficam ali na rua? Caramba, que absurdo aquilo!". São as mesmas profissionais dispostas a executar as mesmas funções, porém algumas ele pode visitar sem ser visto e as outras, não.

Se há demanda por algum produto, haverá alguém que o ofereça - e é por isso que a chamada profissão mais antiga do mundo está tão viva quanto o cloud computing. É tragicômica a forma como homens já de cabelos brancos passam pela rua como crianças arteiras pegas no flagra e mulheres prestes a alugar seus corpos a estranhos evitam a todo custo chamar a atenção sob o risco de perderem o local de trabalho. E assim segue por tempo indeterminado o grande teatro em que todos participam e ninguém assume sua participação como parte do elenco.

Meramente ilustrativo (não temos malabaristas por aqui)

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