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Monday, August 29, 2011

Jogo fora

Neste último sábado a Ponte Preta fez sua primeira de cinco partidas em Araraquara devido às perdas de mando de campo causadas pelos incidentes do dérbi. Punição injusta, já que todo o vandalismo foi feito no lado bugrino antes da provocação do narrador Raul Lázaro, mas acho que os atos de indisciplina serão punidos cada vez com maior severidade graças à aproximação da Copa. Enfim, este não é o tema do post, falemos da viagem para ver a disputa contra o Náutico.

Havia combinado com Thiago e seu irmão que iríamos até a cidade da Ferroviária de carro, mas como o Edson ficaria por lá para visitar amigos, seria necessário voltar de ônibus. Saí de casa cedo para reservar dois lugares no ônibus do Torcedor Camisa 10 (uma espécie de sócio-torcedor do clube). Comprei as duas passagens, voltei para casa e aguardei até a chegada da dupla. Saímos, abastacemos o tanque e o cooler e botamos o pé na estrada. Não chegamos a ver nenhum ônibus no caminho, mas cruzamos com vários carros de ponte-pretanos, então a possibilidade dum bom público num campo a cento e oitenta quilômetros de distância de Campinas começava a se tornar mais palpável.

Na parada do posto Graal de São Carlos, uma cena curiosa: ônibus da torcida e de "cowboys" que rumavam a Barretos se encontraram. Parece que ouve alguma confusão porque alguém gritou um "Bugrão!" de longe, o suficiente para criar um atrito e algumas viaturas aparecerem. Quando chegamos, no entanto, só vimos alguns torcedores - entre eles, alguns amigos - e a peãozada. Foi engraçado ver dois públicos tão diferentes reunidos, cada um deve ter olhado para o outro e pensado: "Nossa, eles vão viajar tanto para ver isso?". E, no fundo, até têm fundamento as indagações.

Mais alguns quilômetros e chegamos à cidade que hospeda os jogos da Macaca até outubro. O novo estádio, chamado de Fonte Luminosa, é imponente e fica num ponto alto, portanto pode ser visto de longe. Apesar de acanhado (capacidade para vinte mil pessoas), tem relativo conforto com suas cadeiras de plástico e cobertura, um elemento que também ajuda a festa das torcidas com sua amplificação dos gritos. É um formato que imagino que o futuro estádio da Ponte seguirá, mas espero que criem um setor sem cadeiras para o torcedor que quiser fazer festa, como é nos estádios da Alemanha.

Edson e eu vendo o segundo tempo da partida, a essa altura a Ponte ainda perdia o jogo
Sobre a partida, a Ponte abriu o placar com Lúcio Flávio, sofreu três gols (Elicarlos, Rogério e Eduardo Ramos), mas diminuiu com Renato Cajá e empatou com Guilherme. O resultado não foi o melhor possível se considerarmos que a rodada teve uma combinação de resultados que permitira que a Macaca ficasse numa situação mais cômoda na tabela, mas as circunstâncias do empate e principalmente a capacidade de reação demonstradas fizeram com que o ponto trazido na bagagem fosse considerado saldo positivo. Além disso, o público de cerca de duas mil e trezentas pessoas foi excelente, só não houve um número maior porque a locomoção da torcida - praticamente restrita à região metropolitana de Campinas - não foi teve muita adesão dos moradores da cidade.

Após o jogo, a melhor cena do dia: três ônibus de crianças e jovens de Araraquara que viram o jogo com ingressos doados pela diretoria da Ponte saíram da frente do estádio gritando o nome do clube, ensandecidas, com as cabeças para fora das janelas. Alguns torcedores inclusive até jogaram suas camisas, bonés e bandeiras para a molecada guardar algum "souvenir" da partida. Se esse pessoal vai se manter fiel à Ponte, ainda é muito cedo para dizer, mas tenho que aplaudir o acerto do marketing e sorrir largamente toda vez que lembrar desta cena.

Renato Cajá comemora seu gol
Por fim, apenas um imprevista surgiu com o cancelamento do encontro de amigos que faria Edson ficar na cidade. Já que ele não teria mais o que fazer por lá, voltamos nós três e mais um amigo (Maziero) no carro para tentar chegar em Campinas mais cedo que a caravana.

Monday, August 22, 2011

Solitários [2]

Como prometido (mentira, disse que só faria isso se me empolgasse), farei uma comparação entre duas histórias: a fictícia do náufrago inglês Robinson Crusoe e a real do ermitão americano Chris McCandless. Li as duas obras num curto intervalo de tempo e achei que seria interessante fazer este comparativo para encher linguiça manter o blog atualizado, porém os dois livros têm pouco em comum.

Além da óbvia vantagem de depender apenas da mão dum autor, o personagem irreal ainda foi agraciado com a generosidade do acaso: conseguiu chegar à ilha com mantimentos, armas, sementes que tornaram-se plantações de trigo, pólvora, algumas ferramentas, machados... Chris, no entanto, chegou ao Alasca com apenas um sanduíche e precisou recorrer somente ao que conseguia do solo, fossem vegetais ou animais - inclusive supõe-se que esta foi sua causa de morte, pois acredita-se que comeu alguma erva venenosa.

Além das fartas reservas do britânico, as condições também ajudaram e muito: enquanto seu "rival" encarou fim de inverno e outono no gélido Alasca, Robinson teve a facilidade de conviver com o clima tropical. Acredita-se que o local exato do exílio tenha sido a ilha de Tobago, próxima da Linha do Equador, sem neve, grandes predadores ou outros inconvenientes - e mais propícia ao desenvolvimento da agricultura graças ao clima e ao solo.

E se o terreno era produtivo, Crusoe era mais ainda. Apesar de jovem e da pouca experiência que teve com o campo e com a navegação, mostrou desenvoltura para se tornar hábil em várias artes: fazendeiro, padeiro, engenheiro (civil e ambiental), marceneiro, caçador, pecuarista, navegador, explorador, ferreiro... seu feito mais impressionante foi produzir uma canoa usando o tronco dum grande cedro - isto tudo para a embarcação ficar abandonada no meio da selva, já que era muito pesada para ser arrastada até o mar. "Alex Supertramp", muito menos habilidoso, conseguia apenas caçar esquilos e pequenas aves. Na única vez em que conseguiu um animal maior - um alce - teve tanta carne para curar que não conseguiu dar conta da tarefa e a perdeu toda. Sua casa improvisada era a carcaça dum ônibus, na verdade um ponto para permanência ativo apenas na temporada de caça.

Se a comparação é tão desleal devido à benevolência do escritor contrastante com os infortúnios dum andarilho que dependia do acaso, então resta apenas comparar o retrato do homem de cada época. Robinson é a personificação do eurocentrismo: tentou converter o indígena Sexta-feira ao cristianismo e ensinar seu idioma, mas não se interessou em nenhum momento pela cultura do sul-americano e mesmo após mais de vinte anos sem contato com ninguém, o exilado ficou ansioso não apenas para ter contato com outra pessoa, mas também pois teria a possibilidade de conseguir um escravo para auxilia-lo em suas tarefas. Outro criado foi o muçulmano Xuri, vendido pelo inglês após terem fugidos juntos - e nem essa cumplicidade pôde comover Robinson.

Robinson e Sexta-feira, por John Charles Dollman
Assim como agia com outros homens, o habitante da ilha também não pensava sobre consequências ou repercussões de seus atos: matava seus animais de estimação, suas criações, bichos selvagens da ilha e até indígenas sem que sua consciência pesasse. Sua única hesitação foi com a possibilidade de matar alguns homens brancos, mas estes apenas foram tomados como prisioneiros - e depois condenados a ficarem na ilha enquanto o personagem principal navegava de volta à Inglaterra.

Chris, no entanto, tinha muito mais consideração pela vida e pelo meio. Sentiu verdadeiro remorso por abater um animal que não pôde ser comido - e até considerou esse ocorrido como a pior coisa que aconteceu em sua vida. Interessava-se genuinamente por todos que entrassem em seu caminho, com curiosidade de saber como era aquele novo conhecido e, mais tarde, até tentava ajuda-lo com conselhos. Como toda sua peregrinação e exílio foram opcionais, em nenhum momento se arrependeu de suas escolhas - inclusive esta foi sua última mensagem. Robinson, forçado por uma tempestade à permanência numa ilha, em muitos trechos do livro se diz feliz e bem adaptado, mas esquece toda essa inusitada felicidade a cada vislumbre de retorno ao Velho Continente.

Casal platônico: Chris e Tracy
Enfim, se não dá para recorrer a Robinson Crusoe como um guia de sobreviência ou um relato da vitória do espírito humano, o livro serve hoje como um retrato de como o homem inglês via a si mesmo, ao resto da Europa e ao mundo há alguns séculos. Na Natureza Selvagem desenha o que talvez seja um ideal utópico de desapego material e até interpessoal - Chris conhecia muita gente, mas nunca mantinha estes laços. Então fica a constatação: apesar do período de isolamento entre os dois personagens ser algo tão marcante em suas trajetórias, esta característica é apenas um detalhe que os une, assim como Sancho Pança e Lula deveriam ser a cara um do outro, mas têm poucas semelhnaças além dessa.

Thursday, August 18, 2011

Idiossincrasias

Vez ou outra ouço quem diga que gosta de ir ao estádio pois esta seria uma fuga da rotina do dia a dia. De fato, os jogs acontecem numa frequência muito menor do que, por exemplo, aulas ou expedientes. Além disso, há o fator do inusitado no esporte: ninguém sabe como e quão boa será uma partida, nem quem será vencedor com quantos gols (nem quem manipula resultados tem certeza disso). Porém, toda a combinações de rituais, costumes, pequenos gestos inerentes ao grupo - a tal idiossincrasia do título é isso, caso tenha te faltado o significado -  e até superstições fazem com que a vida do frequentador de canchas tenha apenas uma segunda rotina, mas apenas sabática.

Antes de sair de casa, já é possível cair no feitiço do tempo com aquela peça de roupa da sorte. Serve como amuleto uma camisa antiga do time, uma roupa íntima de certa cor, radinho de pilha, alguma corrente ou tudo isso junto - já que a sorte só pode vir desta combinação, defende algum marmanjo com convicção de fazer rir qualquer leitora fiel de horóscopo.

Depois de devidamente equipado, sai de casa para ir ao campo. Pode pegar o carro para ir e dar carona a algum amigo, ir sozinho ou até ir a pé, sempre respeitando o mesmo trajeto. Ao chegar ao local do jogo, é possível tomar uma(s) cerveja(s) antes da partida. A mesma marca de sempre. Com os amigos de sempre. Comprada no mesmo isopor de sempre.

Quando não há mais tempo para beber, a torcida entra e cada subgrupo vai tomando seu respectivo lugar. Corneteiros, torcedores organizados, senhores com radinho, marias-hooligans, cinegrafistas amadores com seus celulares, turistas, crianças que parecem ter entrado sozinhas... em cada estádio do Brasil (exceto na Arena da Baixada) estes conjuntos respeitam uma disposição mais ou menos semelhante à de uma orquestra, com suas divisões de instrumentos equilibradas mesmo aparentemente sendo tão dissonantes.

A bola começa a rolar e, é claro, os observadores comentam o jogo com seu colega ao lado. Como disse acima, há majoritariamente bolsões criados involuntariamente por afinidade de ideias, então não há muita discussão quando se exalta um jogador mesmo após um passe errado ou se, vinte metros ao lado, alguém xinga toda a família do lateral que apenas cruzou uma bola nas mãos do goleiro adversário. Aliás, os elogios até variam já que uma jogada criativa e insinuante é inesperada, porém as críticas, principalmente aquelas proporcionadas por limitações técnicas, são tão batidas que até um leitor deste post pode cornetar caso vá a um estádio pela primeira vez na sua vida.

"Como que um jogador profissional erra essa jogada??", não se conforma alguém que, desconfio, não deve ser o funcionário do mês da sua empresa ou divisão. "Eles ganham uma fortuna e não dão o sangue!!", diz o incrédulo que não aceita que uma bola saia pela lateral numa velocidade superior à de Usain Bolt sem um pique daquele lateral que já jogou por mais de uma hora. A minha favorita, no entanto, é aquela frase que acompanha cobranças de escanteio do time adversário. "Quando é escanteio para nós, nunca dá certo. Quando é para eles, sempre sai gol", queixam-se jogadores de ambos os times - que também podem aplaudir juntos quando um zagueiro recuar alguma bola além de sua própria linha de fundo.

Uma curiosidade sobre o Moisés Lucarelli, estádio da Ponte: o alambrado que fica próximo à linha lateral, apesar da péssima visão do campo oferecida, é um ponto concorrido por aqueles que querem pressionar bandeirinhas, árbitros e jogadores adversários. Todos que ocupam este espaço se esforçam para manter uma boa posição e não irem para o fundo dos "macacos do alambrado", mas algo curioso acontece quando alguém perde um gol feito ou comete um erro grave na saída de bola: um grande números destes torcedores dá meia volta, xinga o jogador que causou a revolta e faz aquele gesto de revolta erguendo rapidamente a mão direita, espalmada, acima da cabeça. Tudo isso em fast forward para não perder o posto conquistado na grade.

Finalmente termina a partida. O torcedor sai e uma unanimidade paira sobre a massa: não importa o resultado da partida, sempre é preciso tomar cuidado com o time X, que vem depois de algumas rodadas. X pode ser um time na zona de rebaixamento que esboça uma reação, o líder do campeonato, aquele time que não quer mais nada na disputa - e que, por não ter obrigação, jogaria mais solto - ou até o time do clássico regional, mas participar de qualquer campeonato é um extenso período em que todo e qualquer adversário pode virar uma ameaça letal.

Thursday, August 4, 2011

O novo mate

Desde 2008, quando conheci Porto Alegre e fui instruído pelo amigo Froner, adquiri o hábito de tomar chimarrão. Nunca fui de consumi-lo com a mesma frequência e nem nas largas quantidades que são consumidas no RS: o consumo diário em repartições públicas tinha tamanha adesão que foi necessário proibir as cuias para que a produtividade não fosse tão prejudicada. Mesmo assim, a cada quatro ou cinco dias ou em intervalos muito maiores no verão eu me dava o trabalho de cevar um mate: colocava erva mate na na cuia, deixava-a no ângulo correto escorada na parede, despejava um pouco de água morna no mate para dar firmeza, depois jogava o restante da água e inseria a bomba (tudo explicado na prática e muito bem NESTE VÍDEO).

Tudo isto para depois a bomba entupir com pequenos fragmentos e eu demorar uma eternidade para tomar um litro da mistura, isso sem contar as vezes em que errava algo ou alguma erva mais fina simplesmente virava um mingau. Por isso, aos poucos, acabei por reduzir ainda mais a frequência das mateadas ao ponto de me preocupar com o prazo de validade dum pacote de erva que tinha em casa. Isso até ir a Buenos Aires e reparar nas pequenas cuias usadas pela rua - ali, assim como na capital gaúcha, há momentos em que é é bem mais fácil ver alguém tomando chimarrão do que fumando.

Cuia pequena, bomba e uma boa erva

Aquelas cuias tão pequenas, muitas vezes do tamanho dum punho fechado, com fundo reto e sem um bocal na parte superior não permitiriam todo o procedimento que se faz no Brasil. Enquanto a bomba daqui tem uma ponta arredondada e achatada, semelhante a um pequeno lequeou a uma "pá" de pizzaiolo, a que vi os hermanos usarem era muito menor, como uma ponta com medidas pouco maiores que as duma caneta Bic e entradas mais largas. Uma "bombilla" que trouxe, inclusive, nem arrisquei usar ainda por ser tão simples que seu filtro é apenar uma mola - através dos seus aneis passa a água quente que passou pela erva.

Foi na feira de San Telmo, então, que resolvi decifrar o mate argentino. Comprei uma cuia, uma bomba e conversei com a vendedora sobre a forma de preparo e não há mistério: despeja-se um pouco de erva, água quente (pouco abaixo do ponto de fervura), coloca-se a bomba... e bebe-se o mate. Só isso. Há, claro, as "invenções": o argentino tradicionalmente usa açúcar na mistura, o que é uma heresia para o gaúcho. Essa diferença é mais difundida enquanto há muitas que seriam mais adequadamente classificadas como manias pessoais: misturar ervas de mate e de chá, temperos de comida e até um exemplo extremo, de amendoim moído no fundo do recipiente. Para citar cuias improvisadas, vi um tatuador que a substituiu por um copo de vidro, um arranjo que não deu muito certo: a erva fica toda visível, inchada, úmida, amassada e com aspecto desagradável.

Enfim, desde que retornei tenho usado esse método novo para matear e confesso que, pelo menos tão cedo, não planejo voltar atrás. Ele é tão mais prático, econômico e eficiente que só o tradicionalismo e, principalmente, a manutenção do ritual de preparar o mate explicam como esta maneira de preparo não pegou por aqui. De qualquer forma, para quem gosta, vale a pena tentar preparar o mate assim pelo menos uma vez - desde que use erva moída grossa, claro.

Uma das bombas

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