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Thursday, December 12, 2013

Ponguá

Acabou há pouco a final da Copa Sul-Americana entre Ponte Preta e Lanús. Claro, com o título argentino surgem as esperadas piadas de bugrinos, simpatizantes de times da capital e até de curiosos que estavam mudando de canal e por acaso viram o tal do futebol passando na Globo; mas enfim, daqui um ou dois dias a poeira vai baixar e temo que o futebol campineiro volte à sua estagnação costumeira. 

Dum lado há um clube em condição de indigência, há mais de uma década às margens da falência e já em seu nono rebaixamento, mas satisfeito com a condição de ter um título nacional - mesmo que uma porcentagem já considerável de sua torcida não tenha testemunhado esta conquista. Rivaliza com este clube o outro time da cidade: é um pouco mais arrumado, mas não suficientemente arrumado para encerrar seu jejum de títulos. Foi rebaixado recentemente e sofre seus infortúnios aqui e acolá, mas basta à sua torcida continuar mais numerosa que a do rival para que a paz reine pelas arquibancadas do Majestoso.

E assim essa inimizade tacanha, miúda e de argumentos cada vez mais insignificantes faz com que Ponte e Guarani percam ano a ano mais torcedores para times de fora. Enquanto na capital se revelam novos talentos, surgem ídolos e taças são conquistadas, aqui ficamos eternamente presos à dicotomia dos que só sabem dizer "78!" e os que repetem "Maior do interior!".

Não é raro que alguns torcedores, principalmente os veteranos, sugiram a junção dos dois times campineiros. A ideia aparentemente é absurda, mas se considerarmos o provincianismo da cidade e das duas entidades, é preciso reconhecer que os dois times já são praticamente gêmeos siameses - falta pouco para que se surja o inusitado Ponguá. Resta-me torcer para que a Ponte tenha absorvido o gosto pela grandeza com esta campanha da Copa Sul-Americana, assim lhe restaria algum legado deste vice e a Macaca até faria um favor à cidade ao elevar o nível desta rivalidade decadente.

Ponte e Guarani (tanta faz qual é qual)

Sunday, October 20, 2013

Boys don't cry

Houve uma época quando Collor era presidente do Brasil, campeonatos de futebol e desenhos animados japoneses não tinham protagonistas de aspectos semelhantes, todo mundo tinha um boné do Charlotte Hornets e a Aids parecia o flagelo divino definitivo. Essa época foi o começo dos anos 90 e naqueles tempos eu ainda vivia a infância, desavisado de tudo que viria depois desta fase de meu crescimento. Apesar da violência urbana crescente, ainda fui duma geração habituada a brincar muito na rua: jogava futebol, subia em árvores, soltava pipa e andava de bicicleta.

Às vezes também aprontava e arrumava briga, trocava caneladas com os coleguinhas do futebol ou até era expulso de classe no colégio, mas desde aqueles dias não entendia as crises de histeria de algumas crianças em shoppings e restaurantes. Não sei se pediam para os pais comprar algo que lhes era negado ou eram obrigados a consumir algo que não desejavam, mas eu via aquelas crianças com a cara avermelhada coberta de lágrimas e achava aquilo tudo meio... patético. Patético e ineficiente, porque geralmente a choradeira era recompensada com uma bronca e talvez até umas palmadas.

Ok, agora um brusco fast-forward para o futuro. Nesse intervalo de vinte anos aconteceu muita coisa e mudei muito, mas mantenho a dificuldade de lidar com histeria. As crianças ainda dão chilique em shoppings e restaurantes, mas parece que não são repreendidas com a mesma agressividade de outrora. Se elas têm mais sucesso do que as crianças da minha época eu não sei, mas pelo menos os esporros e palmadas elas já não levam mais. Sinal de que os pais mudaram e talvez tenham se tornados mais compreensivos com os filhos. Compreensivos ou até semelhantes.

Nesta semana a Sony abriu o sexto selo do Apocalipse quando anunciou o preço da venda do Playstation 4 e, claro, o videogame brasileiro será o mais caro do mundo custando ridículos R$ 4.000,00. Não é nenhuma novidade que tudo chega muito caro aqui, assim como foi com o antecessor PS3 e ainda é com celulares, carros, calçados e tudo mais. E o que aconteceu? Marmanjos transformaram locais de trabalho, universidades e redes sociais em corredores de shoppings porque a empresa japonesa determinou um preço "injusto" para seu produto. Houve homens protagonizando cenas mais adequadas à idade de seus próprios filhos, com direito a beicinho, xingamentos, muita birra e choradeira - torço muito para que o chororô não tenha sido literal. E enquanto o preço do console não baixa, debatem-se alternativas como importação e até uma petição para que o preço seja vendido por um preço justo. Ah, um spoiler: essa petição não vai adiantar.

Este episódio do PS4 diz algo sobre a carga tributária brasileira e a suposta ganância da Sony (não entendo que tantas empresas de tantos ramos distintos resolvam ser gananciosas justamente no mesmo país, mas enfim...), porém diz mais ainda sobre uma parcela do público consumidor de videogames. A tropa de crianças barbadas formada pelos que se recusam a sair da proteção da asa da mãe, dos jovens que covardemente compartilham imagens de namoradas nuas e dos autoproclamados "adultecentes" - palavra usada sem um pingo de constrangimento - recebe o reforço de gente que trabalha, dirige, paga contas, vota, faz filhos e bate o pé no chão para exigir seu brinquedo AGORA. Amigos que talvez tenham se identificado por terem dado chilique, entendam que não é uma questão de "cagação de regra" nem arrogância, é apenas vergonha alheia. Cresçam, sejam homens e ajam de acordo com a dignidade que vossas idades recomendam.

Zé Augusto, 32, descobre que só terá seu PS4 depois da Copa

Monday, September 30, 2013

O Arquipélago Gulag

Aleksandr Solzhenitsyn
No começo do ano, quando surgiu a polêmica causada pelo texto de Reinaldo Azevedo sobre o "metade gênio, metade idiota" Niemeyer, li uma coluna de Flávio Morgenstern no site Implicante e fiquei curioso sobre uma trilogia que até então eu desconhecia e que era minuciosamente detalhada nesta defesa ao "Tio Rei". A trilogia O Arquipélago Gulag, escrita pelo novelista, ativista, Nobel de Literatura e ex-capitão do Exército Vermelho Aleksandr Solzhenitsyn (1918 - 2008) durante seus oito anos de reclusão num gulag - apelido dos presídios criados para os campos de trabalho do regime comunista - narra o terror vivido pelas vítimas pelo regime da extinta União Soviética.

Eu já esperava uma leitura excruciante e perturbadora, mas jamais esperei um banho de sangue tão abundante: manifestações de rua reprimidas a tiros, execuções gratuitas, estupros, humilhações de toda espécie, tortura, abusos de poder realizados por líderes excêntricos e exílio - primeiro de pessoas e depois de povos inteiros. Tudo isto parece uma distopia fictícia, distante e improvável de Orwell, mas é uma compilação de relatos vividos por Aleksandr e coletados com cerca de duzentos outros internos de unidades do sistema prisional.

A longa trilogia percorre o mesmo trajeto dum sobrevivente dos campos soviéticos e começa com a prisão de suspeitos de atividade contrarrevolucionária. O autor do livro, por exemplo, foi preso no começo de 1945 por fazer comentários jocosos com outro oficial sobre os equívocos estratégicos de Stalin durante as campanhas da Segunda Guerra Mundial. Reclamações feitas entre amigos, pouco entusiasmo ao comentar notícias recentes do governo ou até mesmo interesses afetivos poderiam ser usados para denunciar inimigos do povo: caso um homem estivesse interessado por uma mulher casada, bastava denunciar seu marido e pronto, em pouco tempo ele estaria preso e o caminho, liberado. Se a denúncia e as provas fossem inconsistentes para se obter uma condenação, havia como arrancar uma confissão do acusado utilizando formas de tortura como esmagamento de genitais, queimaduras feitas com ferros incandescentes, privação de sono e outras atrocidades das engenhosas mentes dos torturadores da NKVD. Uma agência de inteligência precisava ter trabalho para sobreviver e, como um câncer, crescia e transformava qualquer um em opositor do partido.

Uma vez obtida a confissão condenação era formalizada através dum julgamento de faz-de-conta, sem testemunhas, júri, registro da audiência ou ponderação do juiz a respeito do caso. O escritor comenta a ironia da Revolução ter sido feita para lutar contra a tirania dos czares, porém atentados contra a nobreza e planos de golpes eram punidos com dois outrês meses de prisão domiciliar enquanto a pena para condenados sob o recém-criado artigo 58 (sobre crimes políticos) era de dez anos de trabalhos forçados - e depois de vinte e cinco anos. O primeiro livro é encerrado com capítulos a respeito do precário transporte dos condenados e a chegada dos sobreviventes aos campos. Uma curiosidade desta primeira parte da trilogia: eu achava que os gulags eram obra do governo de Stalin, porém Aleksandr informa que eles nasceram já sob o comando de Lenin e continuaram a existir mesmo após a morte do ditador georgiano.

Mapa dos campos

O segundo livro descreve os perfis dos habitantes do arquipélago. Presos políticos, ladrões comuns, ajudantes dos carcereiros, dedos-duros, mulheres, crianças, poetas, religiosos, estrangeiros e até membros do Partido viviam amontoados e, vá lá, em até relativa harmonia entre si. Os partidários eram o grupo mais interessante: Solzhenitsyn tentou conversar com um jovem comunista e o questionou sobre sua prisão, porém ele se manteve irredutível e respondeu às questões sempre com uma correção na ponta da língua: ele não estava preso porque era culpado, mas por um erro de algum funcionário; a administração era impecável, então o funcionário errado na verdade era um sabotador; este ato de sabotagem não chegou a acontecer por incapacidade de seus compatriotas, mas por astúcia do sabotador, e assim por diante outros contorcionismos lógicos poderiam ser feitos enquanto nenhum dos interlocutores desistisse da conversa.

A última parte da trilogia fala sobre o trabalho forçado, sobre as primeiras rebeliões iniciadas após a morte de Stalin e de Beria e também sobre algumas greves realizadas pelos presos - ironicamente, revoltas dos trabalhadores contra os revolucionários da causa trabalhista. O final do livro trata ainda sobre o abrandamento do trato dos funcionários do sistema carcerário com os presos, sobre o exílio de povos inteiros e do autor no Cazaquistão e, após sua libertação em 1953, de seus esforços para denunciar e combater as condições dos que permaneceram presos.

Como escrevi no começo do post, tudo isto parece distante e até inacreditável, porém não faz muitos anos que ditaduras de proceder semelhante ao dos soviéticos passaram pela América do Sul e constantemente vemos notícias sobre desrespeito a liberdades individuais semelhantes aos relatados na trilogia Gulag, como: monitoração de dados privados, censura, tentativas de restrição ao armamento da população, repressão a manifestações e até o "disk-denúncia" para traidores da pátria. Recomendo a todos que leiam a obra, isto é, a todos que conseguirem encontrá-la: precisei comprar os livros no exterior porque não os encontrava de forma alguma por aqui. Mesmo se isso não for possível, é importante que se pesquise e que todos saibam deste período sombrio e sobre os milhões de vítimas de Stalin.

"Depois que li este livro comprei um rifle!" - Melhor crítica impossível

Tuesday, September 17, 2013

Interseção


Há três anos e alguns meses moro numa zona de interseção entre dois bairros: quando digo meu endereço automaticamente acrescentam um "Cambuí, né?" ao final do nome da rua, porém preciso didaticamente corrigir com um "na verdade, Centro". Às vezes é mais fácil mesmo falar Cambuí, principalmente para não gastar tempo com debates sobre loteamento e a forma como a Prefeitura enxerga as divisões da cidade, mas às vezes é mais conveniente dizer que moro na região central - ainda mais se eu puder evitar de ser chamado de "playboy" em tom pejorativo. A peculiaridade sobre essa pequena área entre a Júlio de Mesquita e a Anchieta, porém, é reunir características positivas e negativas dos dois bairros que a cercam.

Há espaço para a loja de roupas exclusivas, o café sofisticado, o alfaiate fino e até um restaurante renomado. Suspeito que exista até uma unidade do tal colégio Hollister por aqui. Não o vi ainda, mas já vi muitos jovens uniformizados com camisetas desta marca. Por falar em marcas de roupas, por aqui dá para sair de casa trajado com um certo desleixo - aquela desarrumação calculada - e não chamar atenção negativa, mas também não é considerado exagero se arrumar e até se maquiar para passear com o cachorro ou sair para comprar cigarro.

Comentei dos comércios mais requintados, mas estes seriam o "lado Cambuí" deste corredor urbano. A padaria simples do pingado servido no copo americano, o boteco "copo sujo" e os salões de beleza com aquela tradicional aura de intimidade e fofoca da clientela formam o contraste com a opulência do bairro mais rico, armado de bistrôs, bares de contas exorbitantes e centros de estética. Este é o rincão dos que saem de casa de chinelo, bebem cerveja nas calçadas dos bares e só aceitam pagar R$ 10,00 num misto-quente da Riviera caso estejam com namoradas novas.

Nutritivo, saboroso e com oscilação de mais de 100% no preço

Agora saindo dos exemplos vagos surge um exemplo bem promissor. Como já citei em outros posts, moro perto do Red Lion e de algumas freelancers eróticas. Apesar de ser uma área de atuação tão condenada ou exatamente por causa disso, este núcleo é cuidadoso em relação ao seu comportamento para não incomodar a vizinhança com barulho e falta de pudor. Cabe até um elogio: neste período de convivência com estes vizinhos não tive problema algum com eles. Já aconteceu de eu ouvir as risadas e gritos de alguns bêbados eufóricos ainda nas primeiras horas da madrugada, é verdade, mas não dá para culpar um bar pelo contentamento de seus clientes. 

Pois bem. No último domingo ouvi música alta e achei que vinha do Centro de Convivência. O som não vinha da direção que eu esperava, então achei que alguma banda tocava no Novo Hambúrguer, o boteco mais próximo. Achei até que poderia vir do Red Lion, num lapso de cuidado. Olhei pela janela e percebi que estava enganado: um edifício recentemente construído estava todo iluminado e testavam uma aparelhagem de som com música gospel. Sim, é isso mesmo: o contraste já supracitado será intensificado com a coexistência de um puteiro e uma igreja. O curioso é que posso somar todo o barulho vindo do Red Lion nestes três anos e não vai chegar nem perto da passagem de som (não foi nem um culto de verdade ainda) deste vizinho que ainda nem chegou. E impressiona como o mundo dá voltas: hoje torço para que uma igreja se inspire num prostíbulo para não se tornar um incômodo.

E o que vem por aí? A vizinhança pressionará a igreja para manter o volume baixo? Qual igreja será essa, aliás? O Red Lion se apoiará sobre o precedente, esse permissor de erros repetidos, para fazer barulho? O que será das moças que oferecem seus corpos e habilidades na calçada oposta? E o mendigo negro, gay e obeso que invadiu um terreno baldio vizinho da igreja, deixará de ser um campeão da exclusão e se tornará um irmão? Parafraseando o ponderadíssimo maestro das palavras e paladino do futebol arte Wianey Carlet: Red Lion ou igreja estrondosa, o futuro dirá quem foi melhor para o bairro.

Monday, September 2, 2013

Precipitação

Cláudio chega a sua casa desanimado. É começo duma madrugada de sexta-feira e ele conta com poucas horas para dormir e acordar antes de trabalhar, mas não tem sono. Deitado sozinho em sua cama e com as luzes apagadas, ele reprisa cada cena do péssimo encontro do qual acabou de sair. A falta de fluência da conversa, as gafes cometidas com perguntas incômodas, as lamentações de Marcela sobre seus antigos relacionamentos e seu crescente desinteresse durante o jantar transformaram estas poucas horas numa dolorosa e constrangedora experiência. Chegara a refletir se era cabível se desculpar a sua convidada por fazê-la sair de casa para passar por uma frustração destas, mas ele também se decepcionara e calculou que as decepções já estavam equilibradas. Despediram-se com um desajeitado "Então tá legal" e dois beijinhos na bochecha, uma tradição que Marcela levou do Rio de Janeiro, para deixarem bem claro que os dois não chegariam mesmo a ser um casal. Entre estas e outras ruminações e considerações, Cláudio consegue dormir.

Na manhã seguinte Cláudio chega ao trabalho e antes até de ouvir um "bom dia" é recebido por seu colega Felipe com uma dúzia de perguntas. Conta tudo o que deu errado: como não tinham nada a ver um com o outro, que a escolha dum jantar a dois era muito formal para um primeiro encontro e que Felipe deveria estar presente para quebrar o gelo nestes encontros que propunha - ou que pelo menos achasse amigas solteiras com mais chances de sintonia. Felipe pede desculpas e já sugere dois novos nomes, mas Cláudio os recusa:

- Você está solteiro e vive me recomendando amigas solteiras... aí tem alguma coisa de errado!
- Que desconfiança é essa!? Nunca ouviu falar que em casa de ferreiro o espeto é de pau? - indaga Felipe.
- Jamais ouvi uma desculpa mais esfarrapada. Nunca vi alguém ser altruísta em matéria de relacionamento. Além disso, se eu saio com as melhores das suas amigas e só tenho dor de cabeça, não consigo imaginar como anda a sua vida afetiva.
- Mas não é uma desculpa, é a realidade - Felipe começa a se irritar. E minha vida afetiva vai muito bem, obrigado, senhor fala-sem-conhecer.
- Perdão, perdão... mas ficamos assim: agradeço muito a sua proatividade, mas deixe que me viro sozinho a partir de agora - finalizou Cláudio.

Assim ficam acordados e Felipe não se dá mais ao trabalho de achar uma mulher para o amigo. Cláudio adota postura defensiva, quer evitar que se repita uma situação como a vivida com Marcela. E desta forma ele segue seus dias: preocupa-se com o trabalho, faz suas aulas alemão, gasta algumas de suas horas livres a pedalar pela cidade. Sai com Felipe esporadicamente, mas sem o "instinto de caça" defendido pelo amigo. Suas prioridades são apenas beber algumas cervejas e ver gente diferente, sem ambições de encontrar alguém nestas saídas.

Algumas semanas passam e Felipe, com seu inabalável ímpeto casamenteiro, propõe que Cláudio conheça uma amiga. Este mal começou a recusar a oferta e é advertido: "Calma! Desta vez vai ser diferente, ela não é minha amiga, mas da Stephany, moça com quem estou saindo. Nós quatro podemos sair juntos na quinta-feira: a Ste e eu; a Tati e você". Cláudio pondera e vê que a proposta é boa, principalmente por não carregar a rigidez da obrigação dum encontro. E assim o quarteto divide duas pizzas, alguns chopps e muitas risadas. Tatiana é gaúcha de Passo Fundo e viera à cidade para estudar e conseguir seu mestrado. Além de engraçada, bela e inteligente, ainda tem o sotaque cantado para lhe garantir um toque de exotismo. Cláudio não resiste e nesta mesma noite escreve um bilhete num guardanapo para convidá-la: propõe um encontro na noite de sábado. Ela confirma com um sorriso e devolve o guardanapo com seu número de telefone anotado.

No dia combinado ele a busca e vão a um bar próximo ao apartamento dela. O papo flui por horas e cobre todo tipo de assunto: viagens feitas e desejadas, as cidades de origem de cada um, hobbies, trabalho, estudos, filmes favoritos, livros lidos e objetivos de vida. Vão embora quando os garçons começam a varrer o chão do bar e desligam a música. No carro conversam e riem até chegarem à frente da casa de Tatiana. Eles se beijam agressivamente e ela não hesita em convidá-lo para entrar. Cláudio aceita e após duas taças de vinho os dois terminam a noite na cama de Tati.

Ela dorme nos braços dele e Cláudio relembra as últimas horas: o rápido entrosamento com a gaúcha, seu jeito cativante, o sorriso doce e a forma como a morena o ouvia atenciosamente, mas também sabia ser interessante e o seduzia, sentido por sentido. Mas uma fagulha de insegurança percorre insistentemente seus pensamentos: valeria a pena arriscar um relacionamento mais longo com uma mulher que já o aceitou em sua cama com tanta rapidez? E se encontrasse outro homem durante o namoro, agiria da mesma forma? Já teria transado no primeiro encontro em outra ocasião?

E sem se dar conta de que também transou no primeiro encontro, Cláudio joga fora a oportunidade de construir algo com esta incrível mulher. Não leva em consideração que talvez ela tenha ficado impressionada com ele, que já tenha decidido neste primeiro encontro levar adiante um possível relacionamento mais duradouro ou a simples possibilidade dela estar num momento em que se sentia solitária. Também não compara este encontro com o anterior e perde a chance de notar que se há ocasiões em que tudo pode dar errado, também há os encontros em que tudo funciona cinematograficamente bem. Após desconsiderar todas as semelhanças e a agradável noite compartilhada, Cláudio deixa que uma projeção sua afaste a tão espetacular (e real) mulher de duas horas atrás. E Tati? Vai lamentar não receber outra ligação, talvez chore, provavelmente se arrependerá, mas achará alguém antes de Cláudio - e tomará cuidado para não repetir um erro que sequer chegou a cometer.


Thursday, August 1, 2013

Achados e perdidos

Para reunir diferentes formas de contato e redes sociais, criei uma página dentro do blog para quem quiser ver mais de mim por aí. São links para meu blog de pretensões literárias, meu perfil do Facebook, meu Twitter, meus blogs no Tumblr (um pessoal e o Capitalismo e Peitos) além do meu perfil no Last.fm. Creio que seja tudo e fica aqui o link da página.

Saturday, July 27, 2013

300 e mais três posts

O blog chega ao tri... trezen... post número 300 e para fazer algo diferente, pensei em algumas formas de deixar um algo único para registrar a marca. Pensei em sortear algo, mas não tenho público para isso e um sorteio até aumentaria o público, algo que não desejo para um blog intimista. Pensei também em deixar alguma música, mas nossa rica música popular brasileira carece de canções a respeito de blogs cujo número de publicações chega a um número assim redondo. Cogitei até a possibilidade de convidar algum amigo para escrever algo, mas não é legal constranger alguém com o que se tornaria uma intimação a elogiar o blog. 

Por fim fiquei com preguiça e vou só republicar três links de antigos textos. Não é um top 3, não tive muito critério de escolha e eles não estão ligados entre si. São apenas posts mais ou menos antigos que considero marcantes: o primeiro pelo prazer da escrita e os dois últimos por serem de momentos importantes. Os links estão no título de cada sessão.


Escrevi este post como uma piada com as teorias de conspiração: liguei o passado da Ponte Preta ao comunismo. É até maldade associar um clube de história limpa e pioneiro da integração entre negros e brancos a um regime genocida, mas talvez a teoria apenas ganhe pontos assim: quanto mais improvável e com envolvidos mais distantes, melhor ela soa. Só lamento ter escrito este post antes de ter lido Arquipélago Gulag, hoje teria sido muito mais severo ao escrever sobre os soviéticos.


Bolacha, para quem não lembra ou nem conhecia o blog até o ano passado, foi minha hamster. O hamster era a combinação perfeita para as condições ao meu alcance: fica engaiolado, guarda comida e por isso se vira sozinho por até dois dias, não dá muito trabalho e nem faz tanta sujeira. O post, portanto, é sobre sua chegada.

Era para a Bolacha ser uma companheirinha pacata, mas nem tudo correu como nos meus planos: ela chegou ao meu apartamento numa caixinha e na hora de entrar na gaiola deu um mergulho. Caiu de cabeça, ficou desacordada por uns instantes e acordou assustada. Mais tarde até cheguei a escrever outro post sobre toda a inquietação dela, crente de que a bichinha estava no cio, mas na verdade hoje suspeito de que ela apenas sentia ciúmes de minha namorada na época. Depois de quase dois anos ela acabou não resistindo e faleceu, mas isso é história para outro post.

Não é um improviso: o prato de ração realmente é maior do que Bolacha

Este último post é mais recente, foi escrito no último mês de maio. É uma homenagem a um amigo conhecido através da internet e, infelizmente, perdido antes duma oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. Como Charlinho é atleticano, a republicação do post vem em ótima hora com a conquista continental do Galo.

Tuesday, July 23, 2013

O retorno do filho pródigo

Já escrevi sobre muitos assuntos nestes quase trezentos posts do blog. Comecei com as aventuras dum rapaz que começaria a morar sozinho, já fiz muitos posts sobre futebol, alguns sobre livros e cinema, outros sobre política e economia, mas dificilmente exponho conteúdo pessoal aqui. Fiquei em dúvida sobre escrever ou não este post, mas achei justo deixar algumas linhas sobre meu retorno à Igreja Católica. Contar sobre um retorno, no entanto, significa começar uma história pelo final, então voltemos ao início dela.

Quando criança eu acreditava muito em Deus, apesar de achar entediante a missa que minha família frequentava no Parque Industrial - e quantas broncas levei por não querer ficar quieto. Mais tarde, durante o começo da adolescência, ainda acreditava e rezava, apesar de não frequentar nenhuma igreja. A ruptura aconteceu quando tive problemas em casa: minha mãe lutava contra o câncer enquanto minha avó já havia sido dominada pelo Mal de Alzheimer. 

Rezei muito para que elas fossem salvas, mas o que pedi tão intensamente não foi realizado. Foi um erro de como depositar minha confiança: em vez de pedir por mais força para passarmos por aquele momento, pedi dois milagres. É como a menina deste vídeo abaixo, que poderia evitar sua queda, mas procurou apoio da forma errada. E cito George MacDonald: "Se Deus não apenas ouvisse nossas preces, como ele sempre faz, mas as respondesse como as queremos respondidas, ele não seria Deus nosso salvador, mas o gênio assistente de nossa destruição".



Por isso me afastei, mas pouco. O melhor era ter me afastado muito, assim eu teria evitado de sentir ressentimento e rancor. Repetia todos aqueles lugares comuns de adolescente revoltado, via todo padre como um cúmplice participante da Inquisição (depois de ler sobre o marxismo vi que ela foi brincadeira de criança), fazia questão de sempre expressar que não acreditava em nada - comportamento bem semelhante ao daquela pessoa de coração partido que vai ao Facebook diariamente reafirmar a superação do término dum namoro. Este texto AQUI resume bem como eu pensava quando tinha meus dezessete anos de idade.

Com o passar do tempo minha inquietação adolescente foi embora e comecei a ver também as contibuições positivas do cristianismo à humanidade: a piedade, o valor à vida, o voluntariado, o trabalho de missionários, a caridade, a construção de hospitais e universidades, a influência sobre grandes obras das artes (literatura, artes plásticas, música) e até na ciência. É até curioso que desocupados militantes gays, ateus e feministas organizem "beijaços", mostrem peitos murchos, desbatismo e façam outras macaquices para protestar contra a intolerância da Igreja - protestos possíveis apenas em sociedades construídas sobre o cristianismo. Não lembro de nada disso acontecendo em Teerã, por exemplo.

Então mudei um pouco minha posição em relação à Igreja. Ainda não havia me reaproximado dela, mas me afastei do grupo dos que a veem apenas como um antro de inquisidores beligerantes. O tratamento era de respeito e de reverência, mas apenas como uma formalidade dum velho conhecido. Mas o que fez com que eu voltasse?

A volta começou com o Conclave, quando toda a esfera progressista se retorcia, babava e urrava de ódio diante das notícias da escolha do substituto de Bento XVI. Se aquela corja propagadora de falsas boas intenções, sede de vingança e desonestidade intelectual sentia tanto rancor por uma instituição, como dito por eles, já moribunda, então aquela instituição ainda estava muito viva - e fazia algo que eu consideraria certo para ser tão desagradável aos "pogrecistas". Não é muito bonito assumir que voltei à igreja com esse pensamento de que o inimigo do meu inimigo é meu amigo, mas foi como aconteceu e eu não seria completamente honesto se contasse outra história aqui.


O papa consegue torcer para o único grande argentino sem título da Libertadores. Acreditar em Deus é mais fácil
Tenho então frequentado a igreja do Carmo, no centro de Campinas, desde maio (apenas o post pega carona na visita do papa). Mesmo que uma missa seja curta e ocupe apenas uma hora da minha semana, é o suficiente para conseguir encontrar um pouco de paz, beleza e ordem em meio ao caos urbano. Além desse conforto e tranquilidade transmitidos pela igreja, uma época de inversão de valores e exaltação de personagens imorais, figuras como Deus, Jesus e os santos parecem ser as que podem mais seguramente ser usadas como inspiração e exemplo de comportamento. O último principal motivo é o anulamento da insignificância que se sente ao viver numa grande cidade: entre arranha-céus e numa massa de anônimos, o cristão se sente muito maior por fazer parte duma instituição de dois milênios, compartilhada com um terço dos habitantes da Terra e com sua fé baseada num deus onipotente, onipresente e onisciente.

Este retorno, no entanto, não muda tão drasticamente minha vida. Não pregarei para amigos ateus, não serei o chato que atribui todo sucesso e fracasso pessoal a Deus, não discutirei com pessoas que acreditam em Maomé, Shiva, Lúcifer ou no Monstro do Espaguete Voador. Já nem faço questão de encontrar o que desagrada aos progressistas, conforme falei pouco acima. Tentarei apenas agir da maneira mais cristã. Como disse São Francisco de Assis: "Cuida da tua vida, ela pode ser o único Evangelho que teu irmão lerá".

Tuesday, July 16, 2013

Dois machos, nenhum homem

Texto do The American Spectator traduzido para o português pelo Felipe Moura a respeito do caso Zimmerman-Martin. É uma abordagem diferente e trata dum aspecto cuja abordagem eu ainda não havia visto: a falta de hombridade dos dois envolvidos, tanto o adolescente metido a durão quanto o marmanjo afoito quando ameaçado.

Dois machos, nenhum homem
Escrito por Daniel J. Flynn, traduzido por Felipe Moura Brasil

Não se fazem mais homens como antigamente. Pode-se consultar um estudo dinamarquês que mostra a forte queda dos níveis de testosterona para a confirmação científica disso. Ou se pode mais facilmente assistir à cobertura completa de qualquer emissora de TV a cabo do caso Zimmerman-Martin, uma tragédia envolvendo dois homens tateando no escuro sobre como ser homens.

Do que quer que os protagonistas possam ser culpados, eles certamente são inocentes de serem homens. As seis mulheres que compõem o júri, muita embora não incumbidas de chegar a um veredicto sobre a masculinidade dos personagens centrais, todavia sabem a verdade sobre isso mais do que os demais observadores do julgamento. As venusianas conhecem os marcianos melhor do que elas mesmas se conhecem. E vice-versa – o que elas sabem de cromossomos x que só cromossomos x sabem?

Na contagem da maturidade, Trayvon Martin pode razoavelmente alegar inocência em razão da cronologia. Meninos de dezessete anos de idade muitas vezes agem como, na linguagem de Zimmerman, “punks f...dos”. A maioria se liberta disso quando cresce, mas o sr. Martin, infelizmente, não vai ter essa chance. Raramente, apesar da postura masculina exagerada deles, há adolescentes que se comportam como homens maduros.

O Twitter de Martin é como uma paródia de gramática pobre, com um vocabulário ainda mais empobrecido. Lá, ele é um "crioulo sem limite", as meninas que ele conhece são "putas" e "vadias", e a atividade extracurricular primária a que ele se dedica é a maconha. O sorriso com dente de ouro, as tatuagens, a suspensão de dez dias da escola e todo o resto parecem tentativas patéticas de afirmar sua virilidade. No entanto, como seus defensores apontam, Trayvon também gostava de balas Skittles e do Chuck E. Cheese. A apresentação que Trayvon afetou e o Trayvon que os seus defensores apresentam estão, como tantos que fazem a viagem da adolescência para a idade adulta, em guerra interna.

George Zimmerman, em contraste, projeta no tribunal uma imagem de gordinho pacato que não iria (não poderia?) fazer mal a uma mosca - e não da maneira Norman Bates. Talvez esse seja o efeito que seus advogados tenham pretendido. Mas isso entra em conflito com o que nós sabemos dele. De acordo com uma testemunha não identificada, Zimmerman sofreu espancamentos frequentes de uma mãe dominadora e teve um pai dócil que falhou em defender seus filhos. Seu instrutor de MMA descreveu-o como "fisicamente molenga", um estudante que não tinha capacidade atlética e "não sabia como dar um soco realmente eficaz".

Alguém perguntaria se as aulas de luta na jaula, a busca de uma carreira na aplicação da lei e uma arma de fogo mantida pronta para ser disparada eram as maneiras de Zimmerman descobrir sua masculinidade indefinida de uma forma semelhante à das tatuagens de Trayvon, de sua linguagem vulgar e de seu uso manifesto de drogas. Com o adolescente sem um pai em casa para servir como guia, e o líder vigilante do bairro que cresceu assistindo ao líder acovardado de sua casa, o passado da dupla alterou o seu futuro tanto quanto qualquer outra coisa.

Os gritos de Zimmerman e Trayvon batendo a cabeça de Zimmerman no chão não foram atos de homens. Um homem não é nem uma mulher, nem um animal. A resposta adequada a uma agressão de um adolescente de 71 quilos não é gritar por socorro nem pegar uma arma. É revidar com um soco ou, melhor ainda, subjugá-lo e lhe dar uma surra. Da mesma forma, um soco inesperado, as pancadas repetidas em um adversário caído e as batidas de um crânio contra o chão tampouco fazem jus às regras do Marquês de Queensberry [a base do boxe moderno]. Talvez a academia de "No Holds Barred Combate" [tipo de luta sem desqualificação nem contagem] em que Zimmerman se inscreveu aprovasse isso.

Suas famílias não tinham modelos masculinos fortes; a sociedade deles, menos ainda. Quatro em cada dez crianças americanas entram no mundo sem seu pai casado com sua mãe. Quando estudantes começam a apresentar características naturais ao seu sexo, esses rapazes cheios de energia são punidos com prisão e Ritalina. Qualquer jogo de maior contato - do queimado ao futebol - está sob ataque. O horário nobre da TV celebra os “almofadinhas” e retrata os pais como uns palhaços (vide Homer, de “Os Simpsons”, e Raymond, da sitcom “Everybody Loves Raymond”). Empregos que requerem as características físicas com as quais os machos são favorecidos foram terceirizados para robôs ou estrangeiros. Quando um comentarista perguntou "Os homens são necessários?" alguns anos atrás, aquilo refletiu a escassez ao invés da superficialidade desse artigo genuíno.

Civilizar os homens para fora da existência tem custado muito caro à civilização. Em vez de homens, obtemos imitações femininas carentes de beleza. Obtemos meninos perdidos que, por compensação, tornam-se bárbaros. Obtemos Sanford, Flórida, 26 de fevereiro de 2012.

Sunday, July 14, 2013

Costinha, o atual

Num dia qualquer, entediado e assistindo uma daquelas longas sequências de vídeos no Youtube, rodei por alguns trechos antigos de trabalhos de humoristas brasileiros. Revi material dos Trapalhões, da TV Pirata, do Sai de Baixo e da Escolinha do Professor Raimundo. Deste último, para ser mais específico, vi principalmente vídeos do seu Mazarito, nome quase esquecido do personagem interpretado por Costinha – este já um personagem por si só. Revi alguns vídeos dele, até ouvi mais uma vez (na íntegra) seu LP O Peru da Festa e notei uma constante: é mais fácil encontrar nos comentários do site quem diga que Costinha não poderia repetir estas piadas do que elogios ou até mesmo críticas às piadas.

Costinha contava mesmo piadas politicamente incorretas. Envolviam portugueses, negros, a classe média, religiosos, casos extraconjugais, bêbados e “bichinhas”, como ele dizia. Estas piadas, porém, não tinham a depreciação como artifício para alcançar o riso: quando um homem diz que quer “dar uma no escurinho” e um rapaz negro apelidado de Escurinho se sente ameaçado pela saliência alheia, há menosprezo aos negros ou apenas um não muito elegante jogo de palavras? Ou quando a portuguesa, no momento em que esconde um gambá contrabandeado em sua calcinha, pergunta ao marido “Mas e o cheiro?” e o gajo responde “O gambá que se vire!”, rimos só do engano de Manoel perante esta questão ambígua ou também da conclusão inusitada?

Há uma enorme diferença entre contar piada sobre certos personagens e com certos personagens. Se um humorista sobe num palco para fazer stand-up e diz “O grupo X é escroto por isso e aquilo”, o alvo da piada é o grupo. Mas se em vez disso ele usa este mesmo grupo como meio para desenvolver algo que vai além dos integrantes deste coletivo, então ele não faz piadas tendo os adúlteros, os padres ou os portugueses como alvo. Costinha seria mais bem descrito como um narrador munido de pequenas histórias retiradas da série Will & Grace do que como um homofóbico.

Arsenal eclético e justo: ninguém escapa
Se falar algo relacionado a um grupo, mesmo que não seja negativo, é visto com um semblante reprovador, interpretar um integrante deste mesmo grupo parece algo bem mais fácil de ser digerido. Só não entendo muito bem porque isso é visto como antiquado e ofensivo num programa como A Praça é Nossa, mas como algo cool nos vídeos do Porta dos Fundos. Talvez seja mais uma destas preferências misteriosas, como gostar de sertanejo universitário e rir de moda de viola, mas cada um com seu gosto.

Talvez o melindre seja direcionado apenas ao comentário vindo "de fora" e a atuação seja uma forma de enganar os defensores dos não ofendidos. Há até um termo muito bem bolado, foi cunhado pelo twitteiro @da_cia e resume o pensamento de que "só quem é sabe": é a argumentação ad corinthianum, ou seja, só pode falar de algum tema polêmico quem o vive de perto (exceto se você é conservador, aí você perde direito a falar, mas ainda tem o dever de ouvir). A condição do negro e seu cotidiano só podem ser discutidos entre os negros, apenas homossexuais podem falar sobre homofobia, feminismo seria assunto apenas do mundo feminino e assim divide-se a sociedade em cilos incomunicáveis onde fermentam-se convicções até que elas cheguem a seus limites, estando corretas ou não.

Para encerrar, uso um exemplo do grupo Hermes & Renato baseado numa piada de Costinha. É uma piada protagonizada por um personagem gay, mas notem como a piada usa o non-sense para fazer rir. Não achamos nenhum absurdo um humorista fazer gestos exagerados, falar afetadamente ou andar rebolando, ou seja, é aceitável que ele reproduza algo narrado por outro, mas o narrador não pode descrever exatamente a mesma cena por ela se tornar ofensiva. Não é o humor mais brilhante do mundo, mas não é justo que o censuremos por aceitarmos nos ofender com tão pouco.

Monday, July 8, 2013

Latindo

Meu cachorro, conhecido formalmente como Henrique China, porém não batizado de acordo com as regras do sacramento da Igreja Católica e por isso conhecido apenas como "China", acorda desnorteado. Levanta-se, caminha cambaleante até seu potinho de ração. Come, volta a deitar-se e não consegue dormir novamente. Volta ao quintal, mastiga o que resta dum chinelo velho meu e faz cocô atrás duma bananeira. Volta para dentro, morde a barra de minha calça e começa a puxá-la - esta é sua forma de mostrar que quer passear.

Pego a guia, prendo-a à coleira do meu amigo e vamos passear. O pobre China, coitado, já não é mais um filhote e mal posso dizer que esteja em sua melhor forma. De porte médio e pelos pretos e longos, tem seus primeiros pelos grisalhos no focinho. Os dentes ainda estão bem conservados, mas não arrisco mais usar um pano para brincar de cabo de guerra com ele. Ele manca um pouco desde que brigou com outro cachorro nos fundos dum bar e levou uma dentada de seu desafeto, o Fred, por isso hoje não consegue correr tanto ou simplesmente já não se impressione com mais nada e por isso não tenha mais pressa.

Caminhamos até a esquina. No caminho ele fareja algo aqui, ali e acolá. Para numa árvore, suspeita de algo, mas considera aquele farejado xixi irrelevante e seguimos em frente. Ele come um pouco de grama e, claro, vomita no caminho de volta para casa. Entramos, ele volta a dormir e acorda quando sente o cheiro do almoço. Após soltar alguns ganidos na porta da cozinha ele ganha um pedaço de carne quente, tenta comê-la sem sucesso e engole o naco todo numa dentada só depois que ele esfria. China ainda aguarda ao pé da mesa e, quando terminamos de almoçar, ele ganha um pratinho com nossos restos: algumas colheres de arroz, um pouco de feijão, uns pedaços de carne e até uma batata.

O "perro" devora sua refeição e deita sobre o capacho da porta dos fundos. Solta dois peidos enquanto dorme e, no terceiro, se assusta com o barulho e acorda. O cão do inferno se levanta, atravessa a casa e foge pela porta aberta. Cheira o lixo do vizinho e não encontra nada de agradável. Fareja algo interessante, um fogo consome seu ventre e acelera o passo: há uma fêmea por perto! China encontra seu alvo, uma cadelinha tão vira-lata quanto ele. Ela dorme sob a sombra duma árvore e é acordada por um nariz curioso. Ela se levanta, responde à curiosidade dele com suas próprias cafungadas e simpatiza com aquele desconhecido cão. O interesse é mútuo e, sem muita cerimônia, ele a domina: ali, na calçada onde algumas pessoas passam, o casal canino se entrega ao desejo....... Satisfeitos, eles partem cada um em uma direção: ela rumo a algum local coberto e ele, de volta à sua casa.

E por enquanto chega. Se continuar nessa narrativa monótona de alimentação, sexo casual, necessidades fisiológicas, filosofia de boteco e eventos insignificantes vou acabar escrevendo um romance do Bukowski.

China e parte da obra de Bukowski

Thursday, July 4, 2013

Vá e Veja

Há alguns tempo conversava com o amigo Giovanni Rolla e, ao me recomendar ver A Ponte do Rio Kwai, ele deixou claro: não era um filme de guerra, mas um filme sobre a guerra. Assisti este ótimo filme inglês e desde então tenho observado mais atentamente estes títulos onde o foco é o protagonista e não suas ações: O Franco Atirador, Nascido para Matar e Apocalypse Now estão entre os maiores nomes do gênero. Estas obras consagradas, no entanto, não me marcaram como um filme russo que achei digno de todo um post por aqui: Vá e Veja.

Originalmente chamado Иди и смотри e lançado nos Estados Unidos como "Come and See", foi gravado em 1985 e lançado como comemoração pelos quarenta anos da vitória soviética sobre a Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Último trabalho da carreira do diretor Elem Klimov, foi visto por quase 30 milhões de pessoas apenas na União Soviética. O título é inspirado numa passagem do livro de Apocalipse a respeito da passagem dos Quatro Cavaleiros - Morte, Guerra, Fome e Peste - pela Terra. Uma curiosidade: os uniformes usados nas cenas eram todos reais, tão reais quanto as balas disparadas rente aos atores.

O filme começa com o protagonista, o menino bielorrusso Flyora, em sua busca por alguma arma que pudesse estar perdida perto de sua casa. Ele encontra um rifle e, apesar dos pedidos de sua mãe, une-se a um destacamento de combatentes. A princípio ele apenas cuida da manutenção do acampamento e é incumbido de tomar conta da retaguarda enquanto os partisans realizam manobras, sem realmente participar do combate aos alemães.

Flyora é surpreendido pelo bombardeio
Entediado, ele deixa o acampamento e nas matas conhece a garota Glasha. Um bombardeio interrompe as brincadeiras dos dois e aí começa a sequência de acontecimentos que constroem o enredo do filme: os jovens tentam retornar à casa de Flyora, partem em busca da desaparecida família do rapaz e encontram fugitivos do cerco nazista. O protagonista sai para buscar comida e rouba uma vaca, mas não consegue levá-la de volta aos seus compatriotas. Faminto, chega ao acampamento de refugiados junto com os nazistas e vê os habitantes do vilarejo serem dominados pela tropa nazista.

O enredo, que descrevi brevemente, não apenas parece caótico: ele realmente o é - e também brutal e desesperador. Vítimas são baleadas, queimadas vivas, humilhadas, espancadas e estupradas gratuitamente. Flyora passa quase todo o filme amedrontado, em fuga constante. Não há discursos edificantes nem diálogos profundos. Estas duas horas de crueza e violência são extremamente desagradáveis de se assistir, exatamente como um filme de guerra deveria ser. Graças a Deus não sei o que é viver uma guerra de perto (exceto pelo número de crimes violentos cometidos no Brasil anualmente) mas até de longe é óbvio que não há muito de orquestrado, previsível ou até lógico quando dois exércitos se encontram. Há também a decadência moral dos engolidos pelo combate: daqueles com a vida por um fio, em condição inferior à de um rato e também daqueles deuses de carne, osso e armamento pesado, senhores de vidas e almas.

Este  filme me lembrou do livro Nada de Novo no Front, do alemão Erich Maria Remarque. Erich lutou na Primeira Guerra Mundial e contou nesta obra como era o cotidiano dos soldados. Há momentos de pânico, terror e até infantilidade protagonizados por rapazes mal saídos das escolas, uma imagem muito mais verossímil de batalhões formados por rapazes de 18 anos de idade. Esta transparência expôs as entranhas da máquina de guerra alemã e gerou desconforto no país, mais notadamente junto ao partido Nacional-Socialista - livros de Remarque foram dos primeiros a serem queimados quando Hitler chegou ao poder.

Não creio que seja tão fácil conseguir uma cópia desse filme, eu inclusive a vi apenas porque fiz o download, mas recomendo a quem é fã de História e de filmes de guerra que se esforce para assistir Vá e Veja. Assim como A Queda, Stalingrado e Roma, Cidade Aberta, este é um filme impactante e instigador da reflexão. Até dá para fazer um contraponto dos filmes de guerra europeus com os americanos, estes portadores duma visão mais poética e os do Velho Continente, mais sisudos por estas memórias estarem tão mais próximas dos povos europeus. Finalizando: Vá e Veja é uma boa oportunidade de conhecer o cinema russo, desmistificar o cinema europeu e ver de maneira insuportavelmente realista o que é uma guerra - pelo menos aos olhos dos russos.
 

Sunday, June 30, 2013

Manhã de compras

Entro numa loja de roupas, vou ao setor masculino e pergunto se a loja tem blazers.

- Hum, peraí que eu não sei vender blazer!
- Hum? Tudo bem...
(O rapaz que me atendia se afasta e volta com uma moça. Ela me mostra duas araras e deixa o jovem me atender novamente).
- Olha, Dani! Estou vendendo blazers! - e ele demonstra o produto com as palmas da mão para cima.
- Onde é que tem outros mesmo?
- Ali, depois das jaquetas.
- Legal.
- E aí?
- ...
- E aí? Gostou deles?
- É, até que sim - sou simpático e não digo que os achei medonhos.
- Eu, particularmente, não gostei! Eu sou novo, não ia gostar de usar isso.
- Ok.
- É para ir à igreja?
- O quê? Não, não. Olha, vou pesquisar por aí, tá bom? Obrigado.
- Tá - agora sucinto, ele responde com súbita seriedade.

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Já na fila do caixa de outra loja, com o blazer prestes a ser comprado.Uma moça aguarda para comprar uma calça e, acompanhada duma semimoça, conversam atrás de mim enquanto também esperam para serem atendidas.

- Já vou usar essa calça hoje a noite, vai me deixar com bundão!
- É a preferência nacional, né, amiga? Pode ser o homem que for, solteiro, casado, até crente, quando ele vê ele esquece de tudo!
- Só preciso mandar mensagem pra ver se o Fulano vai lá hoje.
- Já avisa da calça nova! Hahaha!
- Ah, vou avisar sim! - e ela começa a digitar uma mensagem no teclado do celular.
- Ai, odeio fila, odeio ter que esperar... quando eu for rica vou mandar alguém comprar roupas no meu lugar, assim não perco tempo esperando as moças do caixa ficarem falando "Próximo! Por gentileza!".
- E como você vai saber se a roupa ficou boa em você? E a alegria que é achar aquela roupa que a gente nem esperava ver?
- É só achar uma mulher com o meu corpo, aí ela experimenta e compra as roupas pra mim!
- Aí você aproveita e começa a comprar roupa numa loja melhor, porque aqui na Renner* é uó, né?
- Voce é louca (pronuncia-se "CÉLOCA") que eu vou continuar comprando aqui quando for rica!
- ...
- ...
- ...
- PREPARA!
- QUE AGORA!
- É HORA!
- DO SHOW DAS PODEROSAS! (em uníssono)

A partir deste momento já não prestei mais atenção. Se for para ouvir a tal da música das poderosas, exijo que seja cantada pela própria Anitta.

* O nome da loja foi invertido para não parecer propaganda.

Thursday, June 20, 2013

Caravana da Catarse

Hoje tem protesto em Campinas. Lerei tweets de conhecidos, verei fotos nos jornais da imprensa, durante alguns dias ouvirei relatos de gente que foi e se manifestou. Torço muito para que nenhum conflito comece por insensatez de imbecis, ainda mais considerando a localização da Prefeitura: sua frente fica num vale e manifestantes poderiam fugir apenas descendo a avenida Anchieta ou tentando subir para os bairros laterais, o Centro e o Cambuí, ambos de estreitas ruas antigas. Enfim, tudo isto vai acontecer muito perto de mim, mas não estarei presente por discordar das reivindicações.

A princípio o movimento lutava contra o aumento do preço da passagem. Agora que o preço voltou a baixar, inclusive em Campinas antes mesmo de qualquer manifestação, há o discurso de que não são apenas os 20 ou 30 centavos. Não sabiam explicar muito bem o que era então, mas agora já surgem os primeiros pedidos de saída da Dilma e desejo de serviços públicos de qualidade. Muito pouco para quem afirmava estar à frente do processo de mudança do Brasil: tiram a presidente e assume seu vice Michel Temer, com seu substituto eventual, o ilustríssimo Renan Calheiros; reclamam de impostos excessivos e também pedem mais transporte, saúde, educação e segurança "gratuitos", ou seja, o que já é caro e ruim deve melhorar com redução de orçamento e maior atuação do governo (aquele mesmo formado por políticos).

Aí você encontra amigos diferentes e eles perguntam se você vai participar do protesto. Você diz que não porque é a favor de privatizações, abertura do mercado e desestatização de serviços, que não vê mudança nas propostas que o povo pede para melhorar o Brasil - mesmo sem ter procuração minha para mudar um país que é tão meu quanto deles. Assim como Thoreau, acredito que o melhor governo é o que governa menos. Eles torcem o nariz porque esta palavrinha, "privatização", causa urticária em quem sofre de Síndrome de Estocolmo e precisa estar protegido por um enorme governo central. Aí você é visto como reacionário, pessimista, antinacionalista... a lista de ofensas vai tão longe a ponto de me chamarem de "tucano". E, como li por aí durante esta semana, há uma inversão aqui: o Brasil tem um longo passado de Estado bem servido de recursos e controlador, então uma política de abertura seria a revolução e quem apoia o governo é o verdadeiro "reaça". Mudar apenas a presidente ou a forma como se presta serviços é muito superficial: ainda continuam o cesarismo e a necessidade dos estatólatras de estarem sob tutela de políticos.

Aliás, sobre ser chamado de antinacionalista, está aí a parte mais curiosa deste fenômeno das últimas semanas. Tenho uma bandeira do estado de São Paulo tatuada em meu ombro, nunca tive grandes arroubos nacionalistas por esta colcha de retalhos chamada de país e nunca fiz juras de amor a ele - inclusive já nutro há um ou dois anos o plano de emigrar. Pois bem, gente cujo amor por esta nação era igual ou até menor do que o meu por inúmeros motivos, alguns graves e outros mais fúteis, hoje se enrola em bandeiras, grita que o gigante acordou e solta um arsenal devastador de frases bregas. Tudo muito bonitinho, tenho certeza de que isto tudo tem se convertido em um número significativo de curtidas no Facebook. E assim segue a Caravana da Catarse, da qual me recuso a fazer parte.

O governo, este grande atravessador bom de papo

Monday, June 17, 2013

O Beemote brasileiro

Como está na moda entre vários internautas, também comentarei com propriedade sobre um assunto do qual não sou espcecialista: a onda de protestos realizados nas principais cidades do Brasil.  A princípio com o mirabolante e até imaturo pedido por transporte público gratuito, manifestantes tomaram as principais avenidas do centro paulistano ignorando inflação, reajustes salariais de motoristas e demais funcionários, valores de manutenção de veículos, subsídios já multimilionários pagos às empresas contratadas e o principal: o número limitado de transportadoras e a impossibilidade de entrada de novos prestadores de serviço neste ramo. Enquanto não se discutir a liberdade de atividade de novas empresas, apenas se discutirá a validade de se dar socos na ponta da faca (ou formas diferentes de fazê-lo). Isto tudo sem entrar na discussão sobre possíveis interesses político-partidários, já que havia bandeiras de corjas como PSTU, PC do B e PSOL nas manifestações.

Leia-se: "Não aumente a passagem, invente algum imposto que seja empregado no subsídio"
Nesta última quinta-feira (dia 13), no entanto, os protestos começaram a tomar um novo rumo. Após a violenta resposta da Polícia Militar paulista à movimentação dos participantes na manifestação, os grandes veículos de imprensa e parte da população têm se mostrado mais simpáticos aos manifestantes. Em Brasília e no Rio de Janeiro também houve passeatas, estas defensoras de maior sobriedade com os gastos de dinheiro público com a Copa. É uma causa válida, embora esteja alguns anos atrasada, mas o curioso foi ver como estas duas manifestações geraram dois mantras: "Não é mais pelos 20 centavos" e "Não importa a causa, o importante é protestar".

Não se sabe explicar exatamente qual é então o verdadeiro motivo agora que ele não se resume mais aos 20 centavos do reajuste do preço da passagem. São também a corrupção, a violência, a inflação, o mau uso de dinheiro público, dizem. É a oportunidade de criar um novo Brasil, afirmam sem explicar como o farão. Enfim, o protesto ter se tornado mais importante do que sua causa é uma subversão, pois troca-se o meio pelo fim: não importa mais que fechem as ruas devido à má administração da Petrobras, aos maus tratos a animais ou à saída de Paulinho do Corinthians, importa apenas admirar a "beleza" daquela catarse coletiva. Vandalismo? Ah, é apenas um efeito colateral! Quatro mil atrapalharem a vida de centenas de milhares? Oras, é a democracia (mentira, amigo que não sabe fazer contas. Isto é liberdade de manifestação)!

O escritor e diplomata brasileiro José Osvaldo de Meira Penna tem entre suas obras o livro O Espírito das Revoluções, onde disserta sobre grandes revoltas populares e defende as transições pacíficas realizadas através de reformas políticas. Comenta a Revolução Francesa, a Revolução Bolchevique e a "Revolução" Industrial, esta a única provedora de melhoria da qualidade de vida a médio e longo prazo para quem a vive. Meira Penna usa dois personagens bíblicos como alegoria no livro: como Hobbes, chama o governo de "Leviatã" e o povo, de "Beemote".

Este Beemote verde e amarelo saiu de sua toca e agora, aplaudido, agita-se por todo o Brasil sem saber o que quer, quem exatamente o acordou e aonde vai. E daí vem meu temor: esta besta, com toda sua força, já tem feito todo este barulho com ações desorganizadas e aleatórias. O que poderá fazer caso seja controlado e tenha suas ações direcionadas? E o mais importante: quem teria pulso firme suficiente para dominar esta criatura antes de sua exaustão? Aguardemos o desenrolar desta trama, apenas torcendo para que estes conflitos não cheguem ao primeiro óbito - apesar de, infelizmente, isto me parecer cada vez mais provável.

Toda revolução começa com uma faísca, depois se transforma num processo autofágico

Thursday, June 13, 2013

Boa noite, facers!

Na terceira noite de junho tive um impulso enquanto usava o computador e meses de adiamento foram jogados pela janela: finalmente suspendi minha conta do Facebook. Eu, que tanto reclamava do conteúdo compartilhado por lá a ponto de fazer um post mais ou menos relacionado a isso, insistia na permanência mesmo após cancelar algumas dezenas de assinaturas e desfazer amizades com duzentas e poucas pessoas numa certa limpeza de contatos.

Claro, havia quem compartilhasse conteúdo muito interessante, mas eu cada vez mais ficava refém desse potencial: poderia ver uma imagem engraçada, poderia encontrar algum texto interessante, poderia chegar a uma nova fase de Candy Crush, poderia conversar com centenas de amigos através do bate-papo... Poderia, poderia, poderia. Mas também poderia ler mais, escrever mais, ser mais ágil em meu trabalho, aproveitar muito mais uma cerveja dividida com um amigo do que algumas janelas de chat piscando juntas. E assim gastava horas aguardando a resposta a algum comentário de discussões sem pé nem cabeça ou algum "oi" jamais enviado pelo chat.

Os primeiros resultados já começaram a aparecer: tenho escrito e lido mais do que antes, arrumei pastas de músicas e fotos (apesar de que o computador sofreu um acidente após engasgar com uns goles de chá de camomila e estar no conserto), atualizei meu perfil do LinkedIn, tenho aproveitado melhor a academia e finalmente marquei minha consulta com uma dentista - nem direi por quanto tempo adiei isto para não perder a amizade com o Germano. E aos poucos as pessoas começam a notar a ausência, mas acabam me achando por outros caminhos como: Twitter, What's App, Skype, e-mail e, vejam só, inclusive pessoalmente!

Como escrevi no primeiro parágrafo, apenas suspendi minha conta. Não planejo voltar ao Facebook tão cedo pois ainda tenho muita coisa para botar em ordem em minha vida, mas também não pretendo abrir mão desse canal de comunicação com alguns distantes e valiosos amigos. São alguns projetos aparantemente simples, mas postergados por tanto tempo que agora pretendo tratá-los com urgência.

Outra mudança feita para cumprir estes objetivos mais agilmente foi a troc ano horário do expediente, com entrada às 13 horas e saída às 22. Sim, é muito tarde e às vezes é desgastante, mas agora tenho o centro de Campinas ao meu alcance durante as manhãs. Por trabalhar numa área isolada, qualquer pequeno compromisso ou emergência envolvia alguns contorcionismos para eu conseguir disponibilidade de tempo para resolvê-los: mudança de horário, home office e pedido de aprovação gerencial. Isto tudo para obter uma autenticação de firma em cartório, receber um encanador ou simplesmente comprar um saquinho de pregos, pois nada disso é encontrado perto do meu local de trabalho. Bastou alterar o horário, agora não preciso depender do comércio aberto aos sábados nem da flexibilidade da empresa para resolver estas bobagens. E a partir de agora não tenho mais nenhuma desculpa para adiar a resolução de minhas pendências.

A sensação das primeiras horas de desligamento. Ao fundo, o Twitter

Saturday, June 8, 2013

Saindo da Matrix e d'A Real

Na escola aprendi que estuda-se História para que não se repitam os erros do passado. Apesar deste pressuposto parecer bobagem às vezes pois mudam as circunstâncias, alguns erros óbvios poderiam ser evitados pois não é com a aplicação repetitiva duma teoria equivocada que o resultado se tornará positivo. Com isto exposto, exponho meu erro com sinceros votos de que eles encontrem outros homens, perdidos hoje como estive outrora.

Por volta de 2008 encerrei um relacionamento de cerca de dois anos com minha primeira namorada. Usei a primeira pessoa, mas quem encerrou foi ela, por telefone, por ter conhecido outra pessoa. Hoje já não guardo rancor e soube que ela recentemente se casou com este mesmo rapaz. Até desejo felicidade e sucesso ao casal, mas na época praticamente implodi com este rompimento. Não havia apenas a forma da separação, mas também quem eu era neste momento: um cara inseguro, assustado, medroso e disposto a fazer qualquer coisa por aquela mulher - pois, julgava eu naqueles dias, seria a única na Terra disposta a ter um relacionamento comigo.

Ao vagar pelo Orkut (ainda era 2008) acompanhado pelo meu desespero encontrei então a comunidade Mulher Gosta é de Homem Babaca, na época um grande reduto de perfis falsos e parte dum círculo de fóruns e comunidades "masculinistas". Estes foristas uniram-se com a missão de acordar os "matrixianos", homens iludidos com ideais de romantismo e cavalheirismo. A ferramenta para esta conscientização seria "A Real" citada no título. Uma vez consciente ele poderia aspirar a ser livre, autossuficiente e senhor de suas próprias decisões - tudo isto pois se libertaria da submissão a seus impulsos amorosos ou carnais.

Exemplo aleatório. Muita coerência ao citar homens ricos com uma imagem do Seo Madruga
Teoricamente esta fábrica de guerreiros funciona muito bem, mas é muito fácil ir destas discussões à misoginia (ódio às mulheres) e ao discurso de incentivo à violência. Há até o caso mais famoso de Sílvio Koerich, um dia defensor das mulheres "Amélias" e, anos mais tarde, das mulheres espancadas (achei este link com uma explicação plausível para esta "transformação"). Além disso, havia mais membros destas e de outras comunidades dispostos a botar suas frustrações para fora do que rever seus pontos de vista, e daí surgiam discussões e lugares-comuns incoerentes e malformulados como incentivar que homens fossem cafajestes pois nenhuma mulher prestava mais (ou seja, como alguém se eleva fazendo exatamente aquilo considerado baixo?).

Apesar disso tudo, cabe citar uma frase de Winston Churchill, famoso por sua carreira política e também por sua sede incansável: "Eu tirei mais do álcool do que o álcool tirou de mim". Graças à criação muita próxima à minha irmã, à enorme influência que foi minha mãe e à convivência com amigas e colegas exemplares ao meu redor, não me descia ler aquela tempestade de ataques. Filtrei então o necessário, tanto o relativo às mulheres quanto o conteúdo sobre comportamento masculino e relevei o excesso. É ridículo aprender os primeiros passos sobre se valorizar, ter pulso, não ser tão dependente de aprovação alheia e tantas outras pedras deste caminho desta forma, mas infelizmente foi como aconteceu comigo. Mais tarde tive outros tropeços, ajustei estas teorias ao que via e me acontecia na prática. Hoje ainda carrego um pouco desta bagagem, mas ressalto: tudo isto é teórico. Assim como não se pode generalizar sobre as mulheres, uma teoria também não pode ser aplicada a todas.

Como faria He-Man, deixo meus conselhos não solicitados caso algum leitor de blogs deste círculo tenha chegado a este post por acaso: primeiramente, conviva mais com mulheres. Uma ressaca de Chapinha não serve de parâmetro para se odiar os vinhos, então não se torne misógino graças a alguma mulher que te feriu. Sobre a parte positiva deste meio, destaco este post do Blog do Doutrinador, queria ter lido isto quando tinha meus quinze anos de idade - mas tenha bom senso ao ler este e qualquer outro material deste tipo. Por fim, quando erramos um caminho é melhor voltar atrás do que seguir em frente e nos perdermos mais ainda. Se o homem moderno não consegue achar o meio termo entre a amabilidade excessiva e a violência do ressentimento, há o comportamento agridoce dos não tão antigos. Assistam filmes de Marlon Brando, Charles Denner e Sean Connery, por exemplo, mas com olhos atentos de alunos. Os filmes indicados nos links, a propósito, são ótimos e os recomendo independentemente do conteúdo do post.

Menos Kevin Arnold e mais Bertrand Morane

Wednesday, June 5, 2013

Retorno aos gramados

Em setembro do ano passado escrevi sobre meu abandono esportivo. Desiludido com o espiral descendente que cerca o futebol, resolvi me desligar completamente do esporte e até cancelei minha carteirinha do Torcedor Camisa 10 (ou apenas "TC10"), o programa de sócio-torcedor da Ponte Preta. Alguns dos motivos foram: administrações pretensamente profissionais, a tentativa de elitizar o público dos estádios, jogadores cada vez mais limitados sendo alçados cada vez a maiores alturas, o show de horrores e gastos dos preparativos da Copa, a meiga demência da nova geração de jornalistas esportivos circenses... enfim, vou parar com a listagem antes de desistir novamente.

A aberração
Fiquei alguns meses afastado, mas não resisti e voltei ao Moisés Lucarelli na partida contra o Palmeiras na primeira fase do Paulista. Meu time perdeu e encerrou uma longa série invicta, mas isto não vem ao caso (antes que me acusem de ser pé frio). Apesar de todos os fatores citados acima, sentia falta da convivência com amigos de estádio e com a atmosfera única do local. Reencontrei muitos amigos, revi o time, mas a primeira mudança significativa foi a setorização do estádio. O setor Brahma foi criado na lateral do campo para beneficar o Torcedor Camisa 10 e, com suas cadeiras vermelhas e brancas, espremeu o torcedor ponte-pretano na arquibancada localizada atrás do gol. O novo setor ainda é rejeitado por torcedores comuns e até por integrantes do TC10 pois a cultura da arquibancada é muito enraizada no torcedor. Além disso, há o ingrediente da construção do estádio pela própria torcida, mais um motivo para esta profanação ser tão execrada.

Após o balde de água fria inicial, sentei-me atrás do gol. Aí sim senti o resultado mais marcante deste hiato: ficar meio ano sem pisar no estádio me deixou mais racional e, claro, torcer passa longe de ser um ato calcado na razão. Pais de família esgoelavam-se por uma cobrança de lateral dada ao adversário, jovens urravam xingamentos contra um juiz localizado a mais de trinta metros de distância e senhores já ensaiavam seus infartos a cada gol perdido.

Estas duas horas de razão em meio a um manicômio a céu aberto foram um empecilho maior do que minha intenção de voltar a torcer apaixonadamente. Este nervosismo por bobagens, as brigas estúpidas contra torcedores adversários, policiais e até outros "macacos", são pequenos orgulhos que já não fazem sentido para mim. "Ah, seu time ganhou tal título, mas você não vai ao estádio!". Grande coisa, eu digo. Há algumas formas de se frequentar o estádio e ainda assim ser um estorvo para o time: invasão de campo, arremesso de objetos, cornetagem... Aquele torcedor que entra embriagado a ponto de nem assistir a partida ama mais seu clube do que alguém que mora longe, paga pay per view e compra produtos oficiais? O ato de alguém ir ao estádio significa apenas uma certa combinação de circunstâncias favoráveis e prioridade. Mas prioridade do clube sobre outras áreas da vida do torcedor? Ou prioridade da torcida organizada, dos amigos, do ambiente, das periguetes, da bebedeira, das brigas? Que a Ponte seja tratada como fim e não apenas como meio.

Stress duma semana de trabalho condensado em um jogo (foto do site oficial)
Já divaguei até mais do que gostaria, mas o mais importante é que voltei. Refiz minha carteirinha de TC10, estive no estádio na conquista do Troféu do Interior e sempre que possível estarei na arquibancada. E quando digo "sempre que possível", significa que a Ponte já não tem a antiga prioridade de passar por cima de horas extras, eventos sociais e tardes com a família. Agora trabalho das 13 às 22 horas (perdi o jogo contra o Atlético Paranaense desta quarta-feira) e nos fins de semana não devo mais perder encontros com amigos para me esgoelar inutilmente devido a um erro dum bandeirinha. Chega de gastar minha saúde com pouca coisa, tenho outras preocupações mais relevantes e mais urgentes para receber minha atenção e os fios de cabelo que me restam.

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