Um dia desses comecei a me barbear e, já com o rosto parcialmente pronto, lembrei de algo engraçado que havia visto ou ouvido e meu sorriso proporcionou um daqueles momentos em que a verdade nos é escancarada: notei pela primeira vez como algumas linhas marcavam as laterais de meus olhos. Como nunca fui muito vaidoso e só paro mais de um minuto em frente ao espelho quando raspo meus próprios cabelos, nunca havia me dado conta dessa pequena mudança visual, mas de significado muito mais profundo do que estas fendas na pele.
Significam sabe-se lá quantas centenas de horas de caminhada sob o sol, exposto à luz e à fumaça dos escapamentos sem a proteção do filtro solar, ou seja, por enquanto servem como um trofeu da minha luta contra a balança - "por enquanto" porque logo receberão novas rugas e novas linhas, assim deixarão de ser desbravadoras solitárias. Mais impactante que isso, porém, é perceber que os sinais do passar dos anos tornam-se cada vez mais explícitos. Não digo isso apenas pela contagem de número de anos vividos, cada vez mais rápida e impaciente, mas pelo que essas rugas traduzem.
Eu gostava das mulheres do Crumb, agora viro um homem crumbiano |
As esperanças de adolescente curvam-se sob a improbabilidade de tornarem-se realidade: não há haréns, emprego empolgante, rios de dinheiro, carro de luxo ou vida de rockstar. Tyler Durden tentou avisar, porém a mediocridade da vida adulta é muito mais envolvente do que parece - e, mesmo sendo fácil aponta-la, não é uma tarefa tão simples fugir desse destino de cubículos, rotina modorrenta e relacionamentos turbulentos. Nunca me julguei especial ou um predestinado a uma vida nababesca, mas também não achei que me encaixaria tão bem aos moldes do estereótipo do homem comum. Cada nova linha que marca o rosto é uma evidência de confirmação de que apenas uma ideia brilhante, uma saída milagrosa ou um deus ex machina podem tirar alguém deste roteiro tão bem definido.
Pior do que envelhecer, no entanto, é virar um velho (com toda a conotação pejorativa possível). Ainda vejo a linha dos trinta anos um pouco distante no horizonte, porém tornam-se cada vez mais comuns os momentos de rabugice: não deveria ser comum me sentir angustiado por antecipação por "ter" que sair com grupos de amigos já prevendo que demorarei para voltar para casa - pior, saio, demoro para voltar e fico rabugento, então cada festa e ida ao bar vira algo trabalhoso. Assim sendo, às vezes invento pretextos para não sair simplesmente para ficar em casa já que prefiro o tédio confortável de meu sofá ao arrependimento tardio numa mesa de bar.
Além desse aspecto da vida com os amigos, novos relacionamentos são encarados cada vez com mais desconfiança, frieza e medo de entrega; de alguma forma a maturidade, supostamente uma ferramenta para que envolvimentos fossem mais bem aproveitados, perde lugar para a insegurança e a cautela. Há quase uma censura, uma coerção para que gente adulta não se apaixone, como se houvesse uma idade limite (vinte anos?) para que duas pessoas possam se entregar de corpo e alma. Pessoas novas se conhecem e todo esse ceticismo faz com que um namoro - ou até algo maior - em potencial morra cedo pois as duas partes do casal se tratam como lutadores que se estudam no começo duma luta.
Li uma vez uma frase, atribuida a Keith Richards (erroneamente, suspeito) que quanto mais velho um homem fica, mais velho ele quer ficar. Apesar de meu post queixoso, essa é também minha intenção - até por não haver escolha - e caminho em direção ao futuro, não sou arrastado contra minha vontade pelo passar dos dias. Aos poucos aprendi a apreciar as liberdades e suas inerentes responsabilidades, os dissabores transformados em lições e a experiência de vida acumulada, primeiro como adolescente, depois como maior de idade e hoje como um homem formado. Agora o objetivo é manter esta evolução e expandir o aprendizado. Notei, aliás, que minhas primeiras rugas foram descobertas graças a um sorriso, talvez elas sejam sintomas de eu sorrir muito, o que seria algo positivo. Que eu possa percorrer com tranquilidade a estrada sem paradas do tempo e não encontre obstáculos como a melancolia, a crise de meia idade ou um caminho mais árido ainda para relacionamentos.
"talvez elas sejam sintomas de eu sorrir muito" that's poetic
ReplyDeleteobrigado =)
ReplyDeleteÉ meu caro ... é fogo essa linha nos olhos, essa vida cada vez mais responsável e menos natural. Ação natural, agir naturalmente sabe? Deixar a vida nos levar não é uma opção, mas também por mais que façamos acontecer ainda voltamos aos padrões de homem comum. O que fazer? Ser velho em meio a mediocridade? Mediocridade também não é algo ruim, é regular, vc não pode ser o melhor em todos os aspectos, mas sim, medíocre em alguns e o melhor em outros. Uma frase que eu sempre digo e sei que todos aprendemos: DUR PÁ GENTE! E que venham mais rugas oriundas de muitos sorrisos.
ReplyDeleteVamos morrer e ninguém vai se lembrar, ninguém vai chorar e nenhuma mulher vai se jogar no caixão. Vamos passar a vida toda assim, sem atrito e sem gosto, sentindo o peso da idade cada vez mais presente e se acostumando com isso, como quem se acostuma com o torturador.
ReplyDeleteA vida, a sociedade e o modus operandi do mundo, nada mais são do que um torturador ardiloso que, no meio da tortura,m nos convence que é o melhor que temos.