Acabei de assistir o filme God Bless America ("Deus abençoe a América"), baixado e copiado presenteado pela Raquel Linhares e achei que seria interessante escrever algumas linhas sobre ele. Primeiro, a história - sem spoilers: Frank, um homem de meia idade devastado por suas crises de enxaqueca, por seu divórcio, pela filha mimada que não lhe quer por perto e pela avassaladora enxurrada de cultura de massa que o atinge principalmente através da televisão chega ao fundo de seu desespero após um revés profissional e um pessoal. Disposto a tirar sua própria vida, Frank já está com uma arma dentro de sua boca quando começa a prestar atenção num programa que está sendo transmitido, algo semelhante ao programa My Super Sweet 16 da MTV, um "reality show" que acompanha os preparativos de festas de debutantes. Entre berros e ofensas, a aniversariante do episódio exibido ofende e humilha seus pais e despudoradamente. Frank decide então não se suicidar, pelo menos não até que ele vá atrás desta garota mimada e mandona. A história se desenvolve a partir daí, porém meu resumo é esse para não entregar detalhes.
Uma das tentativas de suicídio de Frank |
GBA me lembrou muito Taxi Driver por girarem em torno de anti-herois quixotescos, brutais e misantropos. Frank e Travis Bickle vivem no limite da sanidade: o primeiro numa sociedade ultranacionalista e desmiolada enquanto o segundo convive com todos os vícios humanos nas ruas sujas de New York. O que os une é a incompatibilidade com o meio em que vivem e a pressão acumulada que entre em erupção - como diz o próprio personagem taxista: "de repente, há a mudança". Até achei que uma cena de God Bless America em que o Frank encontra um vendedor de armas poderia ser uma homenagem a Taxi Driver, já que as cenas são muito semelhantes - inclusive com direito a uma breve tomada da arma apontada a algumas pessoas na rua.
No entanto, o personagem mais moderno é uma versão coerente com o século XXI de seu predecessor: muito mais eloquente, de discurso articulado e até irreverente às vezes, Frank parece usufruir da era de informação acessível em que vive e se lança em alguns discursos bastante ricos. Às vezes ele chega a até a ser um pouco prolixo, mas a narrativa consegue manter o ritmo sem ficar enfadonha. Só lamento que alguns desses monólogos carreguem uma alta dose de arrogância - o personagem olha ao seu redor com tanto desprezo que quase ninguém escapa de seu asco. Se o filme é uma crítica do escritor e diretor Bobcat Goldwaith (o saudoso Zed, da Loucademia de Polícia) à sociedade contemporânea, talvez até o próprio Frank seja uma crítica à "elite intelectual" enfadada - e aí me vejo um pouco nele, infelizmente tenho que assumir.
Se essa era de informação é um trunfo do personagem, é a ela que a maioria dos ataques são voltados. Dois pontos me chamaram mais atenção: sobre a covardia de humoristas se esconderem sob a bandeira da liberdade de expressão e do politicamente incorreto para atacarem e discriminar. Como li por aí e infelizmente não lembro a fonte exata, o humor deveria ter o papel de subversão e questionamento, não de achincalhar quem já está indefeso e derrotado, algo ainda não compreendido pelas hordas do "humor inteligente" brasileiro atual.
Logo em seguida a paródia do American Idol retrata um júri que satiriza um débil candidato a subcelebridade disposto a passar por essas humilhações em troca de visibilidade passageira. Esse sadismo presente em tantos programas de auditório é comparado às lutas de gladiadores no Coliseu e apontado como um sinal de declínio dum império - pior, hoje as próprias vítimas se sujeitam à exposição ao ridículo.
Outra característica que notei foi o aparente posicionamento político de Frank, mais próxima do Partido Democrata. Achei que o filme tomaria um tom semelhante ao "Somos os 99%", mas felizmente não foi este o caminho trilhado. O comportamento errático dele, inclusive, é semelhante ao de William Foster em Um Dia de Fúria, talvez uma forma de não ligar personagens a bandeiras.
Fica aí então a minha recomendação e opinião sobre o filme. Não havia deixado claro no decorrer do post, mas há boas doses de comédia apesar do niilismo de Frank. Algumas situações absurdas da história também fazem com que God Bless America seja dinâmico e envolvente mesmo emm um ou outro ataque de verborragia. Vale assistir, sem dúvida.
Concordo em gênero e número. Só não concordo em grau porque sinceramente não sei como pode haver tal discordância.
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