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Sunday, January 27, 2013

Cambuí

Desde que vim morar em Campinas, lá por volta de 1987, rodei por alguns bairros da cidade. Vim de Presidente Prudente com minha famíla e fomos morar na Vila Pompéia e logo depois, em 1989, nos mudamos para o bairro vizinho Cidade Jardim, onde moramos até 1998. Depois de passar por estes dois bairros de classe média suburbanos meus pais compraram uma casa na área nobre do Jardim Guarani, vizinhança localizada logo atrás do Brinco de Ouro - e também próxima ao Jardim São Fernando, favela de onde saíam inúmeros ladrões de carro para rapinar moradores do meu bairro, inclusive eu mesmo uma das muitas vítimas em 2006.

Em 2009 minha mãe faleceu e a casa passou a ser muito grande enquanto a garagem ficou pequena. Com certa relutância concordamos em nos mudar: meu pai e minha irmã escolheram um condomínio destes de casinhas idênticas geminadas, eu contei com um bom "paitrocínio" e vim morar numa faixa que divide Centro e Cambuí, bairro de inúmeros pontos comerciais, de lojas de grife e de alguns de bares e restaurantes mais caros da cidade.

Previ que daria para viver com relativo conforto aqui mesmo sem uma renda tão alta pois não estaria realmente dentro do Cambuí e isso diminuiria alguns custos, além de ter acesso a mercados e lojas finas e também populares, mas principalmente por não precisar dum carro: faço compras pequenas, não sou de sair tanto e quando saio, acabo não indo tão longe de casa pois estou perto de vários bares e locais nos quais poderia encontrar amigos. Havia um porém, no entanto: eu já era muito implicante com meus vizinhos anos antes de vir morar por aqui.
Só faltou a CAIPIVODKA

Esta implicância era direcionada principalmente à "playboyzada" dominante da noite local. Detestados por gente de toda classe social por sua falta de modos, arrogância e visão materialista, esse público de brutamontes perfumados e bem vestidos infesta alguns bares das redondezas. Além disso havia o temor de aturar as patricinhas com tudo que lhes é inerente: música alta, comportamento histérico e espalhafatoso, julgamentos de desconhecidos baseados em suas roupas, carros e pedidos em bares. Por fim,  eu já esperava também madames com cãezinhos minúsculos e SUV's gigantescas, bem maiores que suas habilidades ao volante.

Pois bem, vim morar aqui e aos poucos conheci gente do bairro. Fiz amizade com vizinhos de prédio, conhecidos da academia, donos do comércio aonde costumo ir, colegas de aulas de espanhol e do trabalho, amigos de amigos que passei a conhecer por morar aqui ou até pela Internet. Em pouco tempo tempo já conhecia muito mais gente daqui do que conheci em mais de dez anos de Jardim Guarani. E, para minha surpresa, não encontrei nada do esperado porque os amigos eram pessoas simples e ligavam mais para quem as pessoas eram e não para o que elas tinham ou vestiam. As mulheres eram simpáticas, inteligentes e nem sempre eram as "marias gasolinas" que eu havia previsto. Quanto às madames e seus cachorrinhos, só as vejo de longe e mal ouço poodles e afins latirem.

Percebi então meu engano: há bastante gente que incorpora todos os estereótipos descritos há dois parágrafos, porém o Cambuí não é necessariamente um quartel-general da Hollister nem um centro de seleção para a próxima edição do programa Mulheres Ricas. Meu erro foi colocar no mesmo balaio moradores e frequentadores do bairro e há entre eles um abismo de diferença, algo semelhante à relação entre habitantes de pequenas cidades praianas e turistas farofeiros. Talvez os bares daqui sejam vistos como estas praias: um universo paralelo onde se pode extravasar, agir de maneira primitiva e marcar território com socos e gritos. Torcidas organizadas se beneficiariam muito duma eventual união com este pessoal. E só para deixar claro: fiz a comparação com caiçaras e turistas, mas não significa que visitantes devam ser agredidos, muito longe disso, é apenas para ilustrar a distinção, eu coraria de vergonha de ler algo semelhante a "FORA HAOLE" em algum muro.

Também não precisa ser assim, um pouco de caos faz bem
Assumo que me enganei sobre o Cambuí e hoje até sou defensor deste pedacinho de Campinas, mas não consigo evitar de pensar sobre outros preconceitos que eu possa ter formado equivocadamente. E se Salvador não for antro de criminalidade, atendimento precário e poças de urina? Ou Israel, pode ser um lugar interessante para se visitar e muito mais que o berço das três maiores religiões (algo já digno da visita, penso hoje)? E a Índia? Não, também não é para tanto, tolerância e flexibilidade têm limites e os meus não vão tão longe a ponto de visitar aquele fim de mundo apenas para tentar desfazer uma imagem negativa.

Thursday, January 17, 2013

Rio

"Biscoito" e não "bolacha". Outdoor com anúncio de festas do Furacão 2000. Mulheres crumbianas fermentadas por séculos de miscigenação entre negros e portugueses. Integração entre montanhas, verde e alta densidade demográfica em milhares de edifícios e barracos nos morros. Corpos bronzeados expostos - mesmo que com a bizonha combinação masculina de sunga, meia e tênis. Guaravita, Guaraviton, Guara Plus e outros derivados do guaraná consumidos à beira da praia com "bixcoito" Globo. Gente de todas as etnias, idiomas, sotaques e nacionalidades. DDD com código 21. Sim, como já estava evidente pelo título do post e pela descrição, percorri a Via Dutra e fui à Cidade Maravilhosa novamente para passar alguns dias durantes as rápidas férias de janeiro.

Meu primeiro dia, a quinta-feira, foi praticamente todo gasto apenas com a ida: meu plano original para estes dez dias de férias era ficar em casa sem fazer nada e apenas descansar, mas decidi de última hora visitar novamente a capital fluminense - já havia estado lá em 2006 para ver o show dos Rolling Stones - e por isso comprei passagens de ônibus. Foram várias horas de viagem graças à distância, à chuva (descobri que pouco após minha passagem por Resende uma barreira desabou e fechou as estradas por três horas), ao trânsito e a uma família de chilenos que estourou o horário esperado para o almoço.

Já na rodoviária carioca encontrei meu amigo e anfitrião Antônio Florêncio, flamenguista participante da Futebol Arte é Coisa de Viado. Da rodoviária fomos para seu apartamento para deixar a bagagem e de lá fomos ao restaurante Planalto do Flamengo para comer um lanche e tomar uma cerveja. O lugar é bem informal e tem um chopp bem leve, além de ter pratos bem fartos.

Na manhã seguinte passei pelo Aterro do Flamengo, um parque feito ao redor da praia do Flamengo com muitas quadras e aparelhos para exercício e pista para corredores e ciclistas. Não me animei a caminhar tanto pela via por causa do tempo bem nublado, então voltei às ruas e andando sem rumo cheguei ao Catete. Uma curiosidade: parei na York, uma lanchonete dum chinês e reparei que o dono tinha uma imagem de Mao Tse-Tung próxima ao caixa. Inusitado, mas infelizmente o minúculo vocabulário do pasteleiro me impediu de compreender o motivo daquele pôster estar ali. Saí da pastelaria no mesmo momento em que a chuva apertou, então corri até uma livraria próxima, a Beta de Aquarius, para me proteger. Até comprei um livrinho: Sangue Ruim, de Joe Coleman. De noite optei por fazer um passeio mais leve, apenas um chopp perto da casa de Antônio. Visitamos o Boteco Belmonte, um lugar menor e aparentemente de cardápio mais limitado do que o Planalto, mas mais bem frequentado e de público mais jovem.

Instagramando com o Antônio
O tempo estava melhor no sábado e permitiu andar mais pelo Aterro, mas minha prioridade no dia era conhecer a boêmia Lapa. Fui acompanhado do meu anfitrião e após conferir alguns bares paramos no Lapa 40 Graus, local com grupo de samba e um ambiente no terceiro andar que funciona como boate - porém não cheguei a visitar este setor. Enquanto estive lá até comentei com o Antônio que este bar lembrava muito o campineiro Casa Rio, então na verdade é o estabelecimento da minha cidade que emula perfeitamente a atmosfera duma casa noturna do Rio. Ficamos por lá por apenas duas ou três horas e saímos para dar uma volta pelas ruas. Encostamos em um boteco para tomar uma cerveja como saideira e de lá fomos para casa.

No domingo acordei um pouco tarde e como o tempo continuava nublado, saí para caminhar na avenida próxima ao Aterro*, almocei no Planalto uma lasanha que dava para dois e no final da tarde fui até Copacabana (foto da esquerda) para não dizer que voltei do Rio sem ver o mar. Na volta parei no mesmo Belmonte que havia visitado (são vários espalhados pelo Rio, descobri depois) na sexta e provei o bolinho de bacalhau - e recomendo muito este salgado!

O último dia de viagem foi o mais movimentado, graças principalmente a um engano meu. Acordei logo cedo e peguei um ônibus até o Jardim Botânico. Foi algo diferente, ainda mais por eu estar numa cidade onde tradicionalmente se procuram as festas e a agitação. Creio que não visitava nenhum local parecido desde os tempos do primário, mas considero fantástica a possibilidade de alcançar silêncio absoluto no coração duma grande cidade, ou pelo menos obter um afastamento do caos urbano.

Saindo de lá eu contornei um paredão do Jóquei Clube e encontrei a Lagoa Rodrigo de Freitas, mas aí cometi meu erro: eu deveria ter ido para um lado para chegar à praia do Leblon, porém peguei a direção errada e precisei dar praticamente uma volta inteira na lagoa para chegar a Ipanema. Andei bastante, conheci todo o entorno da Lagoa, mas infelizmente mal havia o que ver por ali.





Depois de quase toda a volta, almocei no agradável Torre do Barão e paulistamente caminhei pelo calçadão com tênis, bermuda de sarja, camiseta, boné e antebraços já bem queimados pelo sol que resolveu aparecer justamente nesse dia. Dei uma olhada na pedra do Arpoador, mas não me animei a ir até lá então abreviei meu passeio e voltei para casa para descansar e refazer as malas.

A) Meu destino. B) Onde cheguei à Lagoa. C) Onde percebi que havia feito besteira
Concluindo: gosto do Rio, principalmente por ser uma grande cidade com praia e não uma praia com uma cidade, mas talvez a idade ou as outras viagens que fiz desde 2006 aumentaram meu senso crítico. Na época eu até coloquei a cidade como uma possibilidade de novo lugar para morar, mas hoje já não seria tão tolerante com as ruas que alternam cheiro de urina e de esgoto, com o calor lancinante, com o jeito às vezes demasiadamente pacato do carioca ou, o pior de tudo, a maldita Lei de Gérson que parece ser onipresente a ponto de eu não entender como um antro de gente que tenta se "passar a perna" mutuamente possa funcionar como sociedade. Apesar disso tudo, o Rio de Janeiro continua lindo, porém em doses homeopáticas para mim.

* Sim, passei praticamente toda a viagem no Aterro. Como falei no início do post, meu objetivo para estas férias era sossego e meu plano inicial era ficar em casa, porém resolvi visitar um amigo. Apesar de ter escolhido ir ao Rio, não sou fã de praias e inclusive nem cheguei a botar o pé na areia, tanto que nem botei roupas específicas para este fim na bagagem.

Wednesday, December 26, 2012

Chetnik

Apesar de pesquisar, não consegui reencontrar o nome do fotógrafo que captou essa imagem. A foto é dum soldado sérvio durante seu descanso nos conflitos que racharam a antiga Iugoslávia no começo dos anos 90. Não imagino qual foi o papel deste homem: se ele cometeu atrocidades contra os muçulmanos, se lutou de maneira "limpa" ou se foi morto dias depois. Pode ter se tornado posteriormente um excelente pai de família ou sido o executor de crianças - ou ambos. O que está registrado, no entanto, é este breve momento e o aspecto de serenidade e sensibilidade do combatente. Lembro de meu professor de fotografia, Nelson Chinalia, com sua fala de que até as imagens podem criar falsas impressões e trair o princípio jornalístico da imparcialidade.


Thursday, December 20, 2012

2012

2012 vai chegando ao fim e achei necessário escrever uma retrospectiva do ano que se encerra (hooo, figura pública). Longo ano, posso dizer, de tantos altos e baixos, surpresas, mudanças em meu comportamente e ao meu redor. Foram doze meses em que me arrisquei mais do que de costume e colhi bons frutos por isto, além de ter sido mais firme em meus posicionamentos, principalmente no momento em que deixei de frequentar o Moisés Lucarelli. Ainda engatinho em algumas áreas de discussão, mas hoje já me acostumo a defender pontos de vista pouco populares referentes a: política, economia, comportamento e até esporte - largar o futebol exigiu mais debates do que eu esperava, acreditem.

Partindo do princípio: logo após um bucólico réveillon, em janeiro tive dez dias de férias e neste período fiz a tão protelada tatuagem em memória de minha mãe. Houve, no entanto, um episódio não citado aqui no blog, mas digno de menção: um dia antes de ir ao estúdio de tatuagem saí de casa sozinho e fui ao Bar do Wili tomar uma cerveja. Apesar da certa insegurança de beber desacompanhado, ainda consegui exercitar a cara de pau ao puxar papo com uma moça no balcão do bar e ainda arrumei um encontro para outro dia da semana. Este simples gesto, aparentemente insignificante, exigiu um esforço hercúleo deste cara ainda tímido e tão incompetente na arte de abordar desconhecidas. Depois de alguns encontros paramos de nos ver, assim como não deram certo outras tentativas de envolvimento depois, mas se houve algo que felizmente consegui trabalhar nesse ano foram a timidez e a falta de autoestima.

FAECV reunida: Freixeda, Paulo, Antônio, Gregory, Germano, Eu, Everton e Nelson
Assim como me arrisquei mais em relacionamentos, também me doei mais aos amigos. Destaque para o I Encontro Nacional da FAECV realizado em São Paulo no mês de abril, com as ilustres presenças do gremista Herr Germano Schneider, do lesk carioca Antônio Florêncio e de vários paulistanos do grupo. Houve também as reuniões com as amigas Lígia, Ju e Suelene para debater os rumos do heavy metal mundial e a influência do Manowar sobre a cultura ocidental. Além destas, houve outras ocasiões para conhecer ou reencontrar colegas: bebedeiras futebolísticas, aniversários, desabafos que ouvi e contei, além da volta aos shows com Exumer, Artillery e Behemoth.

  
Ainda no começo do ano uma mudança foi o princípio duma era de mudanças no meu ambiente profissional. Quando, lá em maio, a jovem Mayara (ainda com dezessete anos) foi anunciada como nova funcionária do time do qual faço parte, mal imaginava eu que haveria uma grande renovação entre os integrantes do time e que o clima seria melhorado de forma tão significativa. Hoje faço parte duma excelente equipe, de profissionais comprometidos e que fazem com que cada ida minha ao trabalho seja desafiadora, porém de maneira muito positiva. Quanto à Ma, acabei adotando a "novinha" como minha filha e já acharam um álibi para minha calvície galopante.

Time reunido para o amigo secreto de fim de ano
Seguindo a linha cronológica chegou o fim do primeiro semestre com vinte dias de férias em maio, a turbulenta viagem ao Uruguai e a mudança de minhas atividades na IBM quando deixei de trabalhar com parceiros americanos e passei a atender brasileiros. Aprendi demais com isso, principalmente a dosar a informalidade e o "jogo de cintura" necessários para lidar com todo tipo de gente, desde o cliente furioso que requer seriedade até o vendedor que me liga dizendo "Luizão, tem como ver tal coisa? Tem?? Fechou então, valeu aê, abração!!". É engraçado ver como eu estava acostumado aos contatos mais contidos dos polidos colegas americanos, hoje até fico em dúvida se eu levava meu comportamento da empresa para a vida pessoal.

Um dos pontos baixos do ano, no entanto, veio do campo profissional. Recebi no começo de julho um "defect", uma reprovação numa auditoria interna: mensalmente algumas amostras de registros feitos são colhidas entre as atividades realizadas recentemente e é preciso mostrar que tudo foi feito corretamente. Entre as inúmeras máquinas que tiveram seu prazo de garantia registrado por mim, defini que uma delas teria o número errado de anos de cobertura por um erro de um dígito. Engano bobo, infantil, mas que gerou muitas dores de cabeça, reuniões, peso negativo em minha avaliação anual... mas enfim, sobrevivi, aprendi a ser mais cauteloso e centrado, além de que mais tarde tive feitos que ajudaram a melhorar meu ano.

Agosto foi o mês das maiores aleatoriedades: numa assembleia a respeito de reajuste salarial questionei a forma como a empresa em que trabalho ofereceu um bônus e chamei a postura da empresa de "ardilosa", uma ousadia da qual eu jamais me consideraria capaz - uma sequência do uso de cara de pau iniciada naquele balcão em janeiro. Na vida pessoal, uma semana depois minha irmã deixou o país para trabalhar como au pair - e assim começou a aproximação entre meu pai e eu. Em seguida comecei as aulas de boxe e, para fechar o mês, resolvi fazer uma festa de aniversário e interrompi um hiato de dezessete anos sem comemorar a data. Foi interessante reunir amigos que não se estariam juntos se não fosse por terem em comum a amizade comigo, assim se vê o encontro de mundos às vezes tão distantes. Reforçando o que disse sobre me doar mais aos amigos, foi apenas nesta comemoração que conheci pessoalmente a Maju, com quem eu mantinha contato virtualmente há muito tempo - mesmo os dois morando na mesma cidade.

Suelene, Maju e eu @ Bar do Wili
Setembro, um mês de muita correria no trabalho, ficou marcado por meu abandono esportivo. Ou melhor, marcado com ressalvas, pois até hoje muitos amigos nem sabem que larguei os gramados e continuo sendo interrogado sobre meu sumiço do Moisés Lucarelli. Uma nota triste: logo na virada de setembro para outubro morreu minha já velhinha hamster Bolacha.

Para encerrar, os últimos meses foram positivos na vida profissional: consegui resolver um impasse antigo e dessa resolução consegui visibilidade e redução de minhas tarefas, não recebi mais "defects" e consegui finalizar os treinamentos de todas as áreas de meu time. Como trabalho normalmente no fim de ano não devo viajar, apenas passarei a ceia de Natal com meu pai e não sei o que farei na hora da virada para compensar o último réveillon (e fechar o ano com chave de ouro), mas considero 2012 um ano excelente, quiçá o melhor de minha vida. Agradeço a todos que de alguma forma participaram dele, mesmo que apenas pela internet, em um ou outro papo em mesa de bar ou estando a meu lado por dois ou três meses.

Wednesday, December 5, 2012

Abstinência negada

Não faz muito tempo que contei em outro post sobre minha apostasia esportiva. Como deixei de acreditar que o tal do "futebol moderno" mercantilista pudesse ser derrotado, fiz como John Galt e abandonei este mundo por não mais concordar com ele e não querer mais ser seu cúmplice: deixei a Ponte Preta, devolvi meu cartão de Torcedor Camisa 10 (o programa de fidelidade do time), parei de frequentar o estádio e ler notícias sobre futebol. Se o futebol é produto, o consumidor insatisfeito aqui decidiu boicotá-lo. Fui cuidar da minha vida sem esquentar mais a cabeça com o novo topete do Neymar, as óbvias premiações individuais de fim de ano ou o vexame mais recente do Adriano.

Eu deixei de procurar o futebol, porém ele ainda continua a me seguir. Repeti tantas e tantas vezes que o Brasil não é o país do futebol pois o brasileiro médio não é muito chegado no esporte, tão pouco que ele reage com estranheza quando sabe que algum conhecido vai ao estádio num jogo de pouco apelo. Viajar para outro estado ou país para ver uma ou algumas partidas, então, é impensável para o mesmo cidadão que deixa de trabalhar para ver uma partida do Brasil na Copa. Porém, se o brasileiro ainda fica atrás do argentino, do inglês ou do italiano, pelo menos ele assiste seu número razoável de partidas e gosta de falar sobre futebol - e é aí que minha tentativa de isolamento falhou.

"Luiz, tem correspondência... MAS VIU O GOL DO FRED ONTEM?
Notei como futebol é uma forma interessante de se jogar conversa fora: é um assunto mais rico do que as variações climáticas e pode se desdobrar em vários tópicos, mesmo que a conversa gire por vários lugares-comuns. E o como acesso a informações e notícias do futebol é fácil, qualquer um pode falar a respeito disto: o porteiro rancoroso em sua torcida pelo rebaixamento bugrino, o colega de trabalho palestrino e seu luto preventivo, o gerente de segunda linha feliz com o título do seu Fluminense... Indo além dos conhecidos mais próximos, há o pessoal da academia, os vizinhos, vários conhecidos torcedores da Ponte e também de outros times que conheci através do Facebook e até desconhecidos que puxam papo numa fila de banco ("é do Inter essa camisa?", pergunta alguém que me vê com camisa do Independiente).

E aí surgiu a dificuldade que eu não esperava: eu não era o maior dos fanáticos e estava anos-luz atrás de alguns amigos, mas para eles e para os torcedores mais casuais eu era um cara "do futebol" e esse assunto era garantia de interação comigo, ainda mais por eu ser introspectivo e esta ser uma forma de me incluir nas conversas em que eu era apenas um observador. Como explicar que, da noite para o dia, eu já não acompanhava mais nada e sequer imaginava quais seriam as partidas da rodada seguinte? É fácil dar uma enganada e manter o diálogo mesmo com conhecimentos superficiais, porém acho que a maioria das pessoas nem percebeu meu abandono. Uma delas, porém, eu até prefiro que fique sem saber: meu pai.

Como já disse em outro post, não éramos tão chegados e fomos nos aproximando recentemente, em lentos e curtos passos. Refletindo agora, vejo que o futebol sempre foi a melhor forma de quebrarmos o gelo e continua sendo até hoje, nunca vou me esquecer do domingo em que ele ligou simplesmente para comentar que a vitória parcial da Portuguesa rebaixava o Palmeiras. E aí, quando ele ligar perguntando se eu vou querer ver com ele a final do Mundial desse ano, vou conseguir dizer que não vou pois não compactuo com o rumo atual do futebol e que decidi renegar qualquer forma de colaboração com o establishment? Não, evidente que não.

Não é escolha minha, mas seguirei de olho na bola, até porque é interessante acompanhar o futebol mesmo que seja apena para rir do lado ridículo da coisa. Não vou saber com precisão datas de jogos, posições na tabela e quem disputa o quê, principalmente com a bizarra regra de classificação que envolve Copa do Brasil e Sul-Americana. Apesar de não fazer muita questão, creio que ainda consigo manter as aparências perante os conhecidos por um bom tempo simplesmente me atualizando por osmose e respondendo obviedades em conversas.

O ânimo atual: ele é quase nulo

Friday, November 23, 2012

O diploma

São alguns meses de atraso e nem iria escrever sobre o tema, mas como o blog precisava ser atualizado resolvi registrar aqui algumas linhas sobre a discussão a respeito da exigência do diploma de curso de Jornalismo para que se exerça esta profissão. Essa é a minha área de formação, porém creio que virei uma ovelha negra entre alguns colegas por ter me posicionado contra a decisão do Senado. Já havia demonstrado meu ponto de vista sobre o assunto em um ou outro debate no Facebook, mas é melhor fazer algo mais elaborado e permanente.

O principal argumento dos defensores desta decisão, é claro, baseia-se no preparo obtido nas faculdades. As aulas teóricas e práticas fariam do estudante um jornalista preparado para o mercado de trabalho, para as redações e para os veículos de comunicação. Alguém "de fora", sem diploma e sem a experiência que se obtém no decorrer dos quatro anos de curso não teria o mesmo know-how dum diplomado, mas cito uma situação que testemunhei bem de perto.

Durante os anos que fiz esse curso não houve nenhum ensinamento transmitido sobre jornalismo esportivo. NENHUM. Houve um dia em que um professor de rádio simulou a cobertura duma partida de futebol em classe, com alguns alunos chutando uma bola de papel e outros no lugar dos jornalistas: narrador, comentarista, repórteres de campo, ouvintes. Essa simulação, muito semelhante a uma brincadeira realizada em algum churrasco qualquer por amigos que já tenham assistido pelo menos uma transmissão televisiva na vida, foi o que mais se assemelhou a uma aula de jornalismo esportivo numa das faculdades mais tradicionais do estado. Apesar disso, bons jornalistas esportivos saíram da PUC Campinas, inclusive da minha turma. Não porque tiveram aulas sobre a história do futebol da cidade ou porque professores tenham ensinado por horas a fio análises táticas, formas de avaliar jogadores ou como funcionam os bastidores do esporte. Todo este conteúdo o jornalista desenvolveu por ter interesse nessa área e porque pesquisou, leu, se informou e acumulou conhecimento. E se esse aprendizado feito por conta própria permite que alguém escreva com propriedade sobre esporte, por que isso não pode se estender a outras áreas?

Alguém que se interesse, por exemplo, por economia, ciência ou cultura e que conheça estes temas profundamente pode escrever matérias com muito mais acuracidade e profundidade do que um jornalista posto frente ao teclado apenas para preencher uma vaga. "Mas e se o jornalista se interessar por esses temas?", podem perguntar. Então ele simplesmente poderia descartar este protecionismo e não deveria se preocupar em competir com alguém que não é jornalista formado, pois conhece a forma e o conteúdo. Assuntos relevantes como História da Arte, Economia e até a língua portuguesa são vistos às vezes apressadamente* e o aluno recebe apenas uma pincelada de temas tão importantes, portanto o ensino na faculdade não se aprofunda tanto no conteúdo e prende-se à forma, mesmo sendo esta adquirível por emulação.

Essa medida protecionista visa então blindar os jornalistas e garantir a manutenção de seus empregos enquanto o Jornalismo pode deixar de receber matérias mais bem escritas por gente com embasamento mais profundo. Aos colegas que defendem esta reserva de mercado por acreditarem que o diploma seja uma garantia de preparo completo para a ativade jornalística, deixo uma pergunta: o que achariam se a mesma medida fosse tomada para que se restringisse a atividade de assessor de imprensa apenas a quem tem diploma do curso de Relações Públicas?

Parafraseando Castelo Branco: "Se é eficiente, não precisa de monopólio. Se precisa, não o merece"
* Tive aulas de Português no primeiro semestre, porém a professora sofria de hérnia de disco e raramente conseguia comparecer para lecionar. Como não tínhamos professora subsituta, minha turma praticamente se formou sem estas aulas. (Perdão pelo momento Diário de Classe).

Sunday, November 11, 2012

E se vivêssemos todos juntos?

Nesta tarde vi o filme francês E se vivêssemos todos juntos? no Cine Topázio do Shopping Prado, um espaço que põe lado a lado lançamentos de Hollywood e também alternativos, internacionais e brasileiros. Gostei do cinema, há salas pequenas, porém aconchegantes e uma biblioteca fica disponível para que os clientes peguem livros emprestados. Levei Ciranda de Pedra, da Lygia Fagundes Telles para devolver não sei exatamente quando e fica aqui meu compromisso de também doar alguns livros ao acervo deles.

Sobre o filme, a história fala sobre cinco amigos já de idade avançada que, ao notarem como têm apenas uns aos outros como pessoas em quem podem confiar e se cuidarem mutuamente, juntam-se e passam a viver juntos numa espécie de república. A história mostra então a nova vida do grupo formado por dois casais (Jean e Annie, Albert e Jeanne) e pelo mulherengo solteirão Claude com o jovem Dirk.

É um filme belo e de um olhar muito otimista sobre o ocaso do homem ou, pelo menos, de como ele pode ser para a geração atual de idosos. Senhoras e senhores se divertem, mantêm um cotidiano ativo e continuam a viver com certa independência. A exceção é Albert, interpretado impecavelmente por Pierre Richard: o personagem começa o filme com um pequeno esquecimento (havia ou não levado o cachorro para passear?) e no decorrer da história seus lapsos aumentam exponencialmente. Jane Fonda, que faz a esposa Jeanne e Claude Rich, de personagem homônimo, são outros destaques frente às câmeras. Daniel Brühl aparece como Dirk, porém o papel desempenhado é ofuscado pois o carro chefe do longa é a quina da melhor idade.

Fica então essa dica de filme. Vale muito pelo trabalho dos atores e da agradável e divertida forma do diretor Stéphane Robellin de mostrar o envelhecer. Antes de ir ao cinema achei que este seria um drama pesado e de muitas cenas devastadoras, porém não encontrei nada disso - talvez minha visão pessimista do que é chegar a uma idade avançada deva ser revista e corrigida.

O casal Albert e Jeanne

Saturday, November 10, 2012

Robin Hood

Trecho do segundo livro da trilogia A Revolta de Atlas, de Ayn Rand, em que o pirata Ragnar Danneskjöld apresenta-se ao industrial Hank Rearden. As palavras em itálico foram marcadas assim pela própria autora.

"Saqueei os navios que ostentavam a bandeira da ideia que estou combatendo: a de que a necessidade é um ídolo sagrado que exige sacrifícios humanos, que a necessidade de alguns homens é uma lâmina de guilhotina pairando sobre outros, que todos nós temos de viver com nosso trabalho, nossas esperanças, nossos planos, nossos esforços à mercê do momento em que essa lâmina cairá sobre nós - e que quanto maior nossa capacidade, maior o perigo para nós, de modo que o sucesso coloca nossas cabeças sob a lâmina, enquanto o fracasso nos dá o direito de puxar a corda. Esse é o horror que Robin Hood imortalizou como ideal moral. Diz-se que ele lutava contra governantes saqueadores e restituía às vítimas o que lhes fora saqueado, mas não é esse o significado da lenda que se criou. Ele é lembrado não como um defensor da propriedade, e sim como um defenso da necessidade; não como um defensor dos roubados, e sim como protetor dos pobres. Ele é tido como o primeiro homem que assumiu ares de virtude por fazer caridade com dinheiro que não era seu, por distribuir bens que não produzira, por fazer com que terceiros pagassem pelo luxo de sua piedade. Ele é o homem que se tornou símbolo da ideia de que a necessidade, não a realização, é a fonte dos direitos; que não temos de produzir, mas apenas de querer; que o que é merecido não cabe a nós, e sim o imerecido. Ele se tornou uma justificativa para todo medíocre que, incapaz de ganhar seu próprio sustento, exige o poder de despojar de suas propriedades os que são superiores a ele, proclamando sua intenção de dedicar a vida a seus inferiores roubando seus superiores. É essa criatura infame, esse duplo parasita que se alimenta das feridas dos pobres e do sangue dos ricos, que os homens passaram a considerar ideal moral. E isso nos levou a um mundo onde quanto mais um homem produz, mais ele se aproxima da perda de todos os seus direitos, até que, se for de fato muito capaz, ele se transforma numa criatura desprovida de direitos, presa de qualquer um - ao passo que, para estar acima de todos os direitos, de todos os princípios, da moralidade, para estar num plano em que tudo lhe é permitido, incluindo o saque e o assassinato, basta para um homem estar em necessidade."

Sunday, November 4, 2012

Influências

Nesta última quinta-feria houve uma reunião do setor do qual faço parte dentro da empresa para rever números, resultados e destaques do terceiro quartil de 2012 e uma dupla de entrevistados, uma mulher do time de vendas e um gerente de operação, foi convidada para falar sobre pressão e como lidar com ela, uma forma de nos prepararmos para o pico de trabalho habitual dos finais de ano. Creio que o tiro saiu pela culatra, pois a moça parecia desanimadíssima, insegura em suas respostas e suspirava com olhar perdido a cada trinta segundos enquanto lamentava as ameaças de demissão e os números baixos recentes.

Seu companheiro de microfone parecia mais otimista e sereno, porém ele relatou um plantão iniciado às sete da manhã do último sábado de setembro e encerrado apenas no pôr-do-sol do domingo. A ideia inicial de mostrar como é possível trabalhar sob pressão descambou para um desabafo público, com muitas trocas de olhares nervosas entre funcionários e tensão suficiente para deixar muitos incertos se deveriam ou não bater palmas ao final da entrevista. A reunião foi então encerrada com uma outra mensagem motivacional: um vídeo com imagens de atletas das Para-olimpíadas ao som de Coldplay, uma jogada mais eficiente - embora um tanto sensacionalista, a meu ver, pois subentende-se aquele agressivo recado derrotista de que não se deve achar algo ruim pois poderia haver algo muito pior no lugar.

Pensei então em outros exemplos de palestra de motivação, como os vídeos tradicionalmente usados antes de grandes decisões do esporte com em que aparecem mensagens de incentivo deixadas por familiares e amigos dos atletas. Caso seja difícil reunir recados dos mais chegados, é possível também fazer uma exibição de O Gladiador, 300 ou Um Domingo Qualquer. Aproveitando a deixa do esporte, há também os casos de superação pessoal, como os de Lance Armstrong, Ronaldo na Copa de 2002 e da maratonista suíça Gabrielle Andersen-Scheiss. Um pouco além, temos inúmeros exemplos menos ilustres, mas mais presentes e marcantes: pais, alguns professores favoritos, amigos de atitudes exemplares... e, por fim, há aqueles anônimos que por um pequeno acidente do destino, uma coincidência ou destino, de acordo com cada forma de se encarar esse encontro casual, muda a vida de outra pessoa e dá uma empurrãozinho em um desconhecido mesmo sem saber disso.

Pensei então em três casos de estranhos que ajudaram a moldar meu caráter. Quando escolhi estas pessoas escolhi desconhecidos, gente que só conheci de vista e cujos nomes ignoro até hoje. O primeiro, por exemplo, foi visto numa noite chuvosa de domingo. Eu dirigia pela Francisco Glicério e, na esquina com a Ferreira Penteado, paramos num sinal vermelho atrás dum Gol quadrado branco e minha namorada na época avisou que um homem havia descido do carro. O motorista havia aproveitado a parada para descer e entregou uma marmita para um morador de rua que dormia sob a marquise. Tão rapidamente quanto ele desceu, o homem voltou ao seu carro e continuou seu caminho. Nem consegui vê-lo muito bem por causa da pesada chuva que caía, mas nesse dia aprendi o valor da solidariedade e da discrição em sua prática - e desde então tenho desconfiado de quem faz alarde para seus bons atos.

Meu segundo motivador desconhecido era um homem sempre visto num prédio em que trabalhei. Parrudo e muito acima de seu peso, porém de baixa estatura, tinha um andar cambaleante e já havia perdido quase todo seu cabelo. Lembrava um Clemenza uns quinze anos mais jovem, mas sem a elegância dum gangster ítalo-americano, com aspecto fatigado de quem luta incessantemente contra a gravidade. Este homem não tinha nada que lhe destacasse muito de outros funcionários já que a área de TI é povoada por inúmeros gordinhos destrambelhados, sendo eu inclusive um deles até então. Este anônimo, no entanto, chamou minha atenção por ter o grotesco hábito de, encerrado o uso do mictório, parar no meio do banheiro com as pernas estendidas num ângulo de 90 graus, como um A em que o ápice da letra seria sua cueca e o risco que a corta sendo sua calça arriada. Somente após o ajuste da camisa ele subia suas calças, fechava o zíper e lavava sua mão.

Este ritual bizarro e constrangedor era feito sem nenhuma vergonha, não importasse quantas pessoas estivessem por perto no momento. Como eu almoçava cedo, sempre que ia escovar os dentes o flagrava num desses atos de arrumação de sua já amarrotada camisa e criei uma implicância com aquilo tudo. Tanto me deparei com essa cena que passei a sentir antipatia por meu rival não declarado apenas por vê-lo nos corredores. Tudo isto não passava duma indisposição gratuita até o dia em que fui chamado de "Homer" devido ao meu peso e à minha calvície. Isto abriu meus olhos e vi como já estava tão gordo, careca e destrambelhado quanto aquela figura canhestra. Já ouvi que fui uma influência para outras pessoas perderem peso, revelo aqui então que decidi me matricular numa academia e entrar em forma graças a uma influência negativa - queria me afastar o máximo possível daquela imagem antes que eu começasse a fazer alongamentos em semi-nudez no banheiro.

Não dava para continuar assim
O último foi um exemplo heroico, uma história de superação digna de ganhar uma versão cinematográfica. Novamente um caso conhecido no trabalho: por cerca de dois anos tomei o ônibus fretado que levava à empresa com minha irmã quando morávamos perto do estádio Brinco de Ouro e um dos passageiros possuía um caso severo de paralisia. Seus braços e pernas não se articulavam, seus membros quase não se moviam e suas mãos ficavam viradas com os dorsos voltados um de frente para o outro. Mesmo assim esse rapaz obstinado tomava a condução quase todo dia e vencia suas limitações físicas, ainda por cima com um laptop do trabalho como peso extra. Aquilo me ajudou a ser mais otimista, a ver o que o próximo oferece de positivo e um profissional mais motivado, até que tentei mudar de projeto e por não achar nenhuma vaga disponível, perder o emprego.

Pulamos alguns meses na história e minha irmã revela o que ouviu sobre o meu "guru". Provavelmente acomodado pela lei que obriga grandes empresas a contratar portadores de necessidades especiais, o nobre ícone da determinação ia mesmo ao trabalho apesar das dificuldades, porém passava quase todo o expediente longe de sua mesa, indisponível e até em falsas reuniões - às vezes pretexto para escapulir e passar algum tempo na lanchonete. Essa foi sua rotina de trabalho por meses até que seu contrato chegou ao fim e a empresa decidiu não efetivá-lo, encerrando uma saga de motivação acidental. É irônico que ele tenha me motivado quando ele mesmo não tinha ânimo nenhum, mas acho que a maior lição que aprendi com ele é essa: às vezes nosso marketing pessoal pode até ser mais importante do que nossa produtividade.

Matt Foley, o motivador embusteiro

Sunday, October 28, 2012

Argumentação força

Terminei de ler neste sábado o livro Como vencer um debate sem precisar ter razão, do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, recomendação da amiga Maju. É uma leitura relativamente fácil, pelo menos é mais simples de se ler do que o extenso, porém muito bem escrito (e necessário) prefácio de Olavo de Carvalho. O título do livro é auto-explicativo: Schopenhauer escreveu um guia com trinta e oito artifícios para se vencer um debate ou ao menos identificá-los e impedir o uso de algumas táticas de argumentação pouco honestas.

A própria obra de Schopenhauer e a defesa que o autor faz da mesma parecem se basear numa leitura tendenciosa (digo "tendenciosa" pois não estou certo se foi uma falha de compreensão) dos escritos de Aristóteles sobre a dialética. Arthur escreve que esta ciência foi definida pelo pensador grego como uma forma branda de vencer debates, mas a dialética é a troca de ideias em busca da verdade enquanto a erística, o verdadeiro tema de Schopenhauer, é apenas uma maneira de vencer debates, tendo-se ou não razão, por meios lícitos ou não. O alemão a chama de "dialética erística", porém essa definição é incoerente por serem a natureza das duas práticas conflitantes: em uma se busca a verdade e na outra impõe-se uma visão, mesmo que incorreta, através de ardis. Parece-me, então, que Arthur associa seu trabalho ao de Aristóteles e diz lapidá-lo, por objetivo que desconheço (talvez como promoção pessoal e forma de vencer seu rival Hegel?)

Entre os trinta e oito estratagemas descritos há alguns de uso muito comum, como a ampliação indevida, em que um argumento é aumentado e, extrapolados seus limites, o debatedor pode refuta-lo com mais facilidade - mesmo erroneamente. Por exemplo: A diz que um certo modelo de carro é muito rápido e B responde que ele não é tão espaçoso e nem tão barato, então A tem que corrigir seu adversário com um lembrete de que comentou apenas sobre a velocidade do veículo. Outro mecanismo são os argumenta ad hominem, em que se busca alguma contradição da fala dum debatedor com alguma posição política, filosófica ou conduta anterior. O exemplo do cidadão que se queixa de Berlim e ouve como resposta um "Por que você não vai embora na primeira diligiência?" pode ser lido e ouvido sem ser necessário muito esforço para encontrar alguma discussão em que este argumento seja empregado.
 
Estes dois exemplos foram mais simples e são práticas corriqueiras, porém há alguns mais contundentes - e ainda menos honestos, como a provocação para encolerizar o adversário, falsa proclamação de vitória após obter vantagem parcial num debate ou a manipulação semântica: através da escolha de certas palavras, pode-se criar uma imagem positiva ou negativa sobre algo. Nas palavras do próprio autor: "O que um chama 'manter uma pessoa em segurança' ou 'colocá-la sob custódia', seu adversário chama 'encarcerá-la'. Um orador delata com frequência sua intenção pelos nomes que dá às coisas". Outro dia fiz um post sobre progressitas, creio que esse grupo seja um grande exemplo prático de uso desse estratagema.

Concluindo, creio que a erística funciona bem como mecanismo de defesa perante debatedores ardilosos. Como o próprio Schopenhauer indica, alguns desses trinta e oito estratagemas exigem descaramento para serem utilizados - declarar-se vitorioso dum debate antes que a discussão possa ser desenvolvida é usar uma bomba atômica argumentativa. Recomendo então o livro, mas mais como um guia para desarmar adversários que procuram vias pouco sinceras de convencimento para vencerem seus debates.

Arthur Schopenhauer

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