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Sunday, November 4, 2012

Influências

Nesta última quinta-feria houve uma reunião do setor do qual faço parte dentro da empresa para rever números, resultados e destaques do terceiro quartil de 2012 e uma dupla de entrevistados, uma mulher do time de vendas e um gerente de operação, foi convidada para falar sobre pressão e como lidar com ela, uma forma de nos prepararmos para o pico de trabalho habitual dos finais de ano. Creio que o tiro saiu pela culatra, pois a moça parecia desanimadíssima, insegura em suas respostas e suspirava com olhar perdido a cada trinta segundos enquanto lamentava as ameaças de demissão e os números baixos recentes.

Seu companheiro de microfone parecia mais otimista e sereno, porém ele relatou um plantão iniciado às sete da manhã do último sábado de setembro e encerrado apenas no pôr-do-sol do domingo. A ideia inicial de mostrar como é possível trabalhar sob pressão descambou para um desabafo público, com muitas trocas de olhares nervosas entre funcionários e tensão suficiente para deixar muitos incertos se deveriam ou não bater palmas ao final da entrevista. A reunião foi então encerrada com uma outra mensagem motivacional: um vídeo com imagens de atletas das Para-olimpíadas ao som de Coldplay, uma jogada mais eficiente - embora um tanto sensacionalista, a meu ver, pois subentende-se aquele agressivo recado derrotista de que não se deve achar algo ruim pois poderia haver algo muito pior no lugar.

Pensei então em outros exemplos de palestra de motivação, como os vídeos tradicionalmente usados antes de grandes decisões do esporte com em que aparecem mensagens de incentivo deixadas por familiares e amigos dos atletas. Caso seja difícil reunir recados dos mais chegados, é possível também fazer uma exibição de O Gladiador, 300 ou Um Domingo Qualquer. Aproveitando a deixa do esporte, há também os casos de superação pessoal, como os de Lance Armstrong, Ronaldo na Copa de 2002 e da maratonista suíça Gabrielle Andersen-Scheiss. Um pouco além, temos inúmeros exemplos menos ilustres, mas mais presentes e marcantes: pais, alguns professores favoritos, amigos de atitudes exemplares... e, por fim, há aqueles anônimos que por um pequeno acidente do destino, uma coincidência ou destino, de acordo com cada forma de se encarar esse encontro casual, muda a vida de outra pessoa e dá uma empurrãozinho em um desconhecido mesmo sem saber disso.

Pensei então em três casos de estranhos que ajudaram a moldar meu caráter. Quando escolhi estas pessoas escolhi desconhecidos, gente que só conheci de vista e cujos nomes ignoro até hoje. O primeiro, por exemplo, foi visto numa noite chuvosa de domingo. Eu dirigia pela Francisco Glicério e, na esquina com a Ferreira Penteado, paramos num sinal vermelho atrás dum Gol quadrado branco e minha namorada na época avisou que um homem havia descido do carro. O motorista havia aproveitado a parada para descer e entregou uma marmita para um morador de rua que dormia sob a marquise. Tão rapidamente quanto ele desceu, o homem voltou ao seu carro e continuou seu caminho. Nem consegui vê-lo muito bem por causa da pesada chuva que caía, mas nesse dia aprendi o valor da solidariedade e da discrição em sua prática - e desde então tenho desconfiado de quem faz alarde para seus bons atos.

Meu segundo motivador desconhecido era um homem sempre visto num prédio em que trabalhei. Parrudo e muito acima de seu peso, porém de baixa estatura, tinha um andar cambaleante e já havia perdido quase todo seu cabelo. Lembrava um Clemenza uns quinze anos mais jovem, mas sem a elegância dum gangster ítalo-americano, com aspecto fatigado de quem luta incessantemente contra a gravidade. Este homem não tinha nada que lhe destacasse muito de outros funcionários já que a área de TI é povoada por inúmeros gordinhos destrambelhados, sendo eu inclusive um deles até então. Este anônimo, no entanto, chamou minha atenção por ter o grotesco hábito de, encerrado o uso do mictório, parar no meio do banheiro com as pernas estendidas num ângulo de 90 graus, como um A em que o ápice da letra seria sua cueca e o risco que a corta sendo sua calça arriada. Somente após o ajuste da camisa ele subia suas calças, fechava o zíper e lavava sua mão.

Este ritual bizarro e constrangedor era feito sem nenhuma vergonha, não importasse quantas pessoas estivessem por perto no momento. Como eu almoçava cedo, sempre que ia escovar os dentes o flagrava num desses atos de arrumação de sua já amarrotada camisa e criei uma implicância com aquilo tudo. Tanto me deparei com essa cena que passei a sentir antipatia por meu rival não declarado apenas por vê-lo nos corredores. Tudo isto não passava duma indisposição gratuita até o dia em que fui chamado de "Homer" devido ao meu peso e à minha calvície. Isto abriu meus olhos e vi como já estava tão gordo, careca e destrambelhado quanto aquela figura canhestra. Já ouvi que fui uma influência para outras pessoas perderem peso, revelo aqui então que decidi me matricular numa academia e entrar em forma graças a uma influência negativa - queria me afastar o máximo possível daquela imagem antes que eu começasse a fazer alongamentos em semi-nudez no banheiro.

Não dava para continuar assim
O último foi um exemplo heroico, uma história de superação digna de ganhar uma versão cinematográfica. Novamente um caso conhecido no trabalho: por cerca de dois anos tomei o ônibus fretado que levava à empresa com minha irmã quando morávamos perto do estádio Brinco de Ouro e um dos passageiros possuía um caso severo de paralisia. Seus braços e pernas não se articulavam, seus membros quase não se moviam e suas mãos ficavam viradas com os dorsos voltados um de frente para o outro. Mesmo assim esse rapaz obstinado tomava a condução quase todo dia e vencia suas limitações físicas, ainda por cima com um laptop do trabalho como peso extra. Aquilo me ajudou a ser mais otimista, a ver o que o próximo oferece de positivo e um profissional mais motivado, até que tentei mudar de projeto e por não achar nenhuma vaga disponível, perder o emprego.

Pulamos alguns meses na história e minha irmã revela o que ouviu sobre o meu "guru". Provavelmente acomodado pela lei que obriga grandes empresas a contratar portadores de necessidades especiais, o nobre ícone da determinação ia mesmo ao trabalho apesar das dificuldades, porém passava quase todo o expediente longe de sua mesa, indisponível e até em falsas reuniões - às vezes pretexto para escapulir e passar algum tempo na lanchonete. Essa foi sua rotina de trabalho por meses até que seu contrato chegou ao fim e a empresa decidiu não efetivá-lo, encerrando uma saga de motivação acidental. É irônico que ele tenha me motivado quando ele mesmo não tinha ânimo nenhum, mas acho que a maior lição que aprendi com ele é essa: às vezes nosso marketing pessoal pode até ser mais importante do que nossa produtividade.

Matt Foley, o motivador embusteiro

2 comments:

  1. Olha, eu agradeço muito por não participar mais dessas reuniões, era motivo de raiva explícita em minhas feições, algo que não conseguia esconder..."vamos todos trabalhar sobre pressão, cada vez mais, 20 horas por dia, dando dinheiro pra empresa, mas com o mesmo salário de merda, e rindo, pq tem situações piores por ae!" Nice...(momento desabafo raivoso) haha

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  2. Luiz, acompanho seu blog com certa freqüência. Confesso que esse é um dos textos que mais gosto.
    Continue escrevendo! Forte abraço!

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