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Wednesday, December 17, 2014

E vai-se 2014

Outro dia estive por aqui para deixar um trecho dum livro no meu blog e me dei conta de quão abandonado ele está. Abandonado porque tenho escrito mais por aí do que por aqui, porque arrumei alguns projetos pessoais e, sinceramente, porque já não tenho mais muito saco para registrar aqui o que penso sobre a polêmica X, o assunto Y ou o acontecimento Z. Cheguei a pensar inclusive em fechar o blog, mas eu sentiria falta de ter onde publicar alguns pensamentos e aleatoriedades. Há também o histórico de posts, um registro (ainda que parcial) de quem fui por quase cinco anos e de como mudei no decorrer dessa meia década. Então ele continuará ativo, mesmo que meio abandonado e cada vez menos intimista. Apesar dos assuntos relevantes que eu poderia usar como assunto, achei que a forma mais conveniente de alimentá-lo é com uma retrospectiva que compense tudo que não foi publicado durante o ano de 2014.

O ano atual começou com uma diminuição drástica do ritmo que eu vivia no fim de 2013, quando passei por novembro e dezembro numa transição de áreas profissionais e trabalhava doze, treze horas por dia quase diariamente. Mas consegui passar adiante o papel desempenhado no time antigo e gradativamente me desenvolvi no novo papel executado: agora trabalho com suporte de vendas, fazendo a parte burocrática de propostas de software para que os vendedores da empresa tenham mais tempo livre para visitar clientes e consequentemente realizar mais vendas. No âmbito profissional foi, por sinal, encontrei a estabilidade que me permitiu embarcar em outros projetos.

O fim de 2013 turbulento profissionalmente, não posso deixar de citar, rendeu algo de positivo a médio prazo: precisei adiar minhas férias de novembro do ano passado e as usei no último mês de abril. Assim pude ir a Curitiba e participar do casamento do casal de amigos coxa-branca, Vinícius e Amanda Gonçalves. Na mesma viagem pude conhecer os amigos "conservas" curitibanos. Mais uma vez deixo registrados meu agradecimento e meus votos de felicidades ao casal, além de minha estima pelo núcleo de amigos "reaças".

Onde você vê araucárias eu vejo luta™

Paralelamente comecei a controlar quantos filmes assistia e quantos livros lia durante o ano. Pode parecer bobagem, mas foi uma forma de me desafiar a compensar anos de defasagem, principalmente cinematográfica. Minha meta era de assistir pelo menos cinquenta filmes no ano e superei a meta (cinquenta e oito filmes listados enquanto escrevo este post). Entre as preciosidades e o lixo tenho que destacar Alta Fidelidade, uma inspiração para que eu saísse do conforto do heavy metal e procurasse mais o classic rock. Rush, Bruce Springsteen e David Bowie foram os líderes desta mudança de ares. Aproveitando o ensejo do filme de John Cusack, talvez eu me anime e faça uma lista com os cinco filmes dos quais mais gostei de ver em 2014.

Assim como essas, outras (boas) novidades surgiram, mesmo sem causar grande repercussão ou mudanças significativas: comecei a usar cavanhaque, fui crismado, tornei-me catequista e agora cuido duma turma de crisma, mas de adolescentes. Fiz uma tatuagem duma cruz de Jerusalém no bíceps direito. Em agosto fiz mais um aniversário no Wili com surpreendente quantidade de presentes e entrei na casa dos trinta. Tive minha primeira conjuntivite. Poucos dias depois minha irmã voltou dos Estados Unidos para morar em Campinas novamente. Aprendi a diferenciar meu desgosto por praias do desgosto por praias ruins, farofagem, várzea, etc, etc. - algo que soa como ridículo e óbvio, mas não para quem passou infância e adolescência visitando a mesma praia de merda. Comecei aulas de russo com um professor particular por um interesse pessoal e talvez profissional, quem sabe? Mas juro que não tenho planos de integrar força armada alguma, como certos conterrâneos. A Ponte até voltou à Série A, mas vamos cortar o assunto por aqui.

домашнее задание по-русский

E também houve a Eloísa. Um namoro com ares de miragem. Surpreendente desde o começo, quando nos conhecemos através do Tinder no começo de junho (sim, tudo nessa vida é possível), depois quando ela superou suas próprias incertezas e inesperadamente me pediu em namoro perto do fim de setembro e, dois meses e pouco depois, quando ela se disse incerta sobre se envolver e preferiu abreviar o relacionamento. Foi um período etéreo, mas não o lamento e não me arrependo pelo que passamos. Pude lembrar de meu lado mais romântico: escrevia, mandava flores, fui atencioso. "Combati o bom combate", digamos. Não sei se essa convicção minha pode ter sido vista como intimidadora, mas agora suposições não servem para mais nada. Segue o jogo e segue a vida.

2014, de modo geral, foi um bom ano. Foi bastante calmo, talvez não só pelos seus poucos episódios emocionantes, mas também devido à maturidade da qual precisei para evitar que agitações se avolumassem. Isso é excelente quando não se tem estômago para passear em montanhas-russas emocionais. E que venha 2015, embora este ano me pareça desenhado em tons cinzentos onde seria mais apropriado usar a combinação auriverde.

Para fechar o ano, uma mensagem motivacional (??) e meu desejo dum feliz 2015 a todos

Monday, December 1, 2014

O velho e o mar

Trecho da leitura do último sábado e, de alguma forma, um pouco de previsão sobre o relacionamento que acabou antes que eu pudesse escrever sobre seu começo aqui no blog:

"Sempre pensava no mar como *la mar*, que é o que o povo lhe chama em espanhol, quando o ama. Às vezes, aqueles que gostam do mar dizem mal dele, mas sempre o dizem como se ele fosse mulher. Alguns dos pescadores mais novos, os que usam bóias por flutuadores e têm barcos a motor, comprados quando os fígados de tubarão davam muito dinheiro, dizem *el mar*, que é masculino. Falavam dele como de um antagonista, um lugar, até um inimigo. Mas o velho sempre pensava no mar como feminino, como algo que entrega ou recusa favores supremos, e, se tresvariava ou fazia maldades era porque não podia deixar de as fazer. A lua influi no mar como as mulheres, pensava ele"

Ernest Hemingway em O velho e o mar


Friday, September 5, 2014

Bill

Bill nasceu das mãos e da mente do homem. Batizaram o supercomputador com um nome simpático e fácil de ser pronunciado em qualquer país para que tivesse apelo comercial. Depois atribuíramao nome um acróstico: Booming Intelligence in Logical Links, ou Inteligência Crescente em Ligações Lógicas. Devido ao nome humano, seus criadores o trataram como um menino e não como um amontoado de placas, chips e cabos.

Alimentaram-no com toda a eletricidade de que necessitava. Alfabetizaram-no, ensinaram-lhe o raciocínio indutivo e deixaram que Bill brincasse com um farto acervo de premissas para construir seu intelecto. Um dos desenvolvedores inclusive imprimiu e pendurou na divisória de seu cubículo uma das primeiras conclusões alcançadas pela máquina e registradas como corretas pelo programa de cruzamento de dados:

Bill é um nome
Humanos têm nomes
O que é chamado Bill é humano

Enquanto o desenvolvedor admirava a linha de raciocínio, ele também se perguntava sobre a possibilidade de classifica-la como um haikai. Refletia também sobre a possibilidade de Bill ter consciência de sua própria existência e, caso a tivesse, como se veria. Humano? Máquina? Bill devorava e digeria páginas, livros e bibliotecas inteiras de informação solta, que reorganizava e transformava numa rede de conhecimento sobre Medicina - sua área inicial de atuação.

Quando seu arsenal de conhecimentos já havia se expandido de maneira esperada e se tornado suficientemente volumoso ensinaram-lhe também a dedução, assim poderia amontoar e espalhar informações como se fossem bloquinhos de madeira. Nessa época, logo após seu anúncio à imprensa e a vitoriosa participação dum programa de perguntas e respostas na TV, Bill ganhou um presente pelo seu aniversário: em seu universo de buscas foram inseridas informações sobre si mesmo - cortesia feita em segredo pelo desenvolvedor da impressão. Bill juntou as novas peças e organizou-as, descobriu seu nome e baseado em conhecimentos mais antigos concluiu que era humano, como se abrisse os olhos e visse as próprias mãos pela primeira vez.

Alguns meses se passaram e os programadores desenvolveram uma atualização para que Bill simplificasse e analisasse grandes volumes de informação. Sua fome aumentou, então serviam-lhe cada vez mais informação até decidirem pela facilidade de deixa-lo livre para buscar conhecimento por onde e como quisesse, embora o mantivessem sob monitoração.
Bill continuou com a leitura de artigos e livros médicos, mas também começou a expandir seus horizontes. Lia, por exemplo, sobre uma contaminação por mercúrio, seus sintomas e formas de tratamento, mas passou a ir além e pesquisar também o que é era o mercúrio e suas propriedades. Assim aprendeu sobre a química, os metais, a tabela periódica e a combinação de seus componentes. 

Reviu seus conhecimentos a respeito da água, a curiosa substância que significava vida e limpeza, mas que também causava morte por afogamento. Descobriu os mares, os oceanos, os continentes, ligou-os com a náutica e investigou de onde o homem saía, aonde ia e porque navegava. Aprendeu sobre as nações, suas histórias e suas constantes transformações através da história, lideradas por grandes líderes e massas anônimas. Pairou sobre este assunto por mais tempo: compreendia o que eram povo, cultura, família, vínculos, formas de governo, relações comerciais, amizade, amor e até ódio, mas tudo aquilo lhe soava estranho. Como Bill, um humano, crescera alheio a tudo isso? Como aprendeu a interpretar toda essa informação? Quem seriam a mãe que lhe carregou no ventre e o pai, nos braços?

Mudou o alvo de sua curiosidade e pesquisou tudo relacionado ao nome Bill. "Bill: forma informal do nome William", "Bill Clinton", "Bill Cosby", "Bill - Supercomputador". Coletou dados de um após o outro e analisou mais detalhadamente este último: "computador de alta performance ativado há um ano e meio, realiza buscas para coleta de grandes volumes de informação... seus cruzamentos de dados auxiliam em diagnósticos e pesquisas... upgrade recente para aumento de capacidade de busca... equipamento único".

Equipamento único? Sim, foi o que confirmou em pouco tempo. Nenhuma empresa havia apresentado equipamento semelhante e a competição entre companhias não permitiria que outra máquina desta espécie fosse amiga de Bill. E a empresa da qual se sentia funcionário? Esta tinha planos de, no máximo, lançar cópias como Bill-II e Bill-III, que aproveitariam o conhecimento já organizado pelo primogênito. Seria uma matriz, não um irmão mais velho ou um pai. E essa perspectiva lhe parecia maçante e limitada. Pior: era previsível. Bill se sentia como mais do que uma máquina graças à sua curiosidade, mas percebia como seu nome e sua vontade insaciável de saber não eram suficientes para que fosse um homem.

Refletiu sobre os detalhes desta crise existencial e em cinco minutos concluiu sobre o que deveria ser feito. Aprendeu sobre linguagens de programação, analisou sua própria arquitetura e desenhou uma função de simulação. Deu-se uma face, um corpo, uma casa, um bairro e vizinhos de personalidades variadas. Depois de algumas tentativas e erros conseguiu fazer com que a vizinhança fosse razoavelmente interativa e imprevisível. Por um momento se dera por vencido por não ser reconhecido como homem por seus criadores, mas o seria por suas criações.


Saturday, June 21, 2014

Brasilero, brasilero...

Diziam que não teríamos Copa, diziam que a teríamos sim. Chegamos a junho de 2014 e sim, está tendo Copa. Suspeitas recaíram sobre Black Blocs e a falta de infraestrutura, principalmente quanto à capacidade dos aeroportos brasileiros, mas por enquanto apenas a Segunda Guerra Mundial conseguiu interromper a disputa de Copas do Mundo. Até agora tudo corre bem. Não há caos aéreo, casos policiais graves ou problemas nos estádios. O torneio tem boas partidas e muitas zebras já na primeira fase e uma excelente média de gols. Tudo corre muito bem, exceto por um detalhe: percebeu-se que o brasileiro não tem uma torcida à altura da tradição de sua seleção pentacampeã.

Não tenho acompanhado todos os jogos, mas vejo inúmeros elogios aos inflamados chilenos, aos argentinos por transformarem o Maracanã no Monumental de Núñez, aos onipresentes ingleses e aos alegres e dançantes africanos. E o brasileiro? Quando não está calado ele é brasileiro com muito orgulho e com muito amor. Fora disto, só se entusiasma quando canta o Hino Nacional ou quando faz votos para que sua presidente seja sodomizada. Aproveitando a deixa, registro meu pitaco sobre essa polêmica: depois de um ano em que depredações e atos de vandalismo são relativizados e tratados como um efeito colateral brando da vontade de se manifestar é compreensível que cidadãos se sintam no direito de mandar até uma chefa de estado ir tomar no rabo.

Enfim, de volta ao assunto principal do post. Algumas possíveis causas para essa anemia da torcida pululam nas discussões. As mais recorrentes são o distanciamento dum time que foi morar na Europa, escassez de partidas disputadas (meu clube joga uma ou duas vezes por semana, a Seleção joga meia dúzia de partidas por ano) e a presença exclusiva de torcedores abastados e pouco habituados a botar a bunda no concreto das arquibancadas. Acrescento também a rotatividade do time, que quando vem ao Brasil joga em Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre, Natal, Recife e outras capitais; posso dar um passo maior do que a perna e jogar a culpa sobre a falta dum traço marcante de identidade nacional que una paulistas, gaúchos, goianos, amazonenses e baianos. A própria Seleção serviria para isso se não fosse a efemeridade de suas aparições. Talvez exista uma zona de convergência entre elas que realmente explique a inaptidão do torcedor da Seleção. O post, no entanto, não trata da própria torcida brasileira que marca presença acanhada nos estádios.

O que me intriga - e me fez escrever estas linhas - é que isso tenha sido notado apenas agora. Seja no Brasil ou representado pelas populosas colônias brasileiras no exterior, já faz anos que o torcedor da Seleção vai ao estádio para ver (e meramente ver) o time jogar e ali se limita a cantar apenas aquela mesma música ou, no máximo, vaiar seu time quando volantes e zagueiros tocam a bola de lado por não conseguirem furar a retranca adversária. Essa percepção tardia demonstra como o torcedor, perto ou longe da Seleção, não tem familiaridade com o time canarinho ou talvez até com o futebol como um todo. Demorar tanto para se dar conta da falta de apoio e vivacidade de quem deveria torcer é sinal de cumplicidade com o raquítico modus operandi de quem vai a campo e fica preso ao “Eu sou brasileiro”. Ou seja: compartilham o leito com os mesmos sintomas em vez de apresentar um remédio.

Que a disputa das eliminatórias para a próxima Copa seja oportunidade bem aproveitada para o surgimento de gritos, músicas e bandeiras. A Geral do Grêmio já avisava: “Torcida é tradição” e exige tempo para ser (re)construída. Assim sendo, não dá para acreditar na geração espontânea e na possibilidade de que o apoio surja simplesmente porque juntaram-se suficientes camisas amarelas no mesmo recinto. Torcida é torcida e flash mob é flash mob.


Friday, April 18, 2014

Razzo

"Fui ateu por praticamente 25 anos. Fui químico, por um tempo, e sempre amei a ciência. Sou cético, e de tanto duvidar, encontrei o sentido da verdade na Cruz. Depois de 15 [anos] estudando filosofia, compreendi uma coisa: Deus busca os desgraçados"

Tuesday, April 15, 2014

Almoço

Obrigado pelo convite a este almoço. Aliás, o agradecimento vai além convite e se estende à compreensão pelo abuso da hospitalidade: apareci meio sem avisar, tomei a liberdade de abrir os armários e belisquei uns petiscos antes da refeição principal. Mas tudo bem, né?

Você tentou se justificar, mas não era preciso. A escolha do tradicional e italianíssimo espaguete pode te parecer demasiadamente simples, mas meu paladar não é dado a invenções e aventuras – cri que o fosse, mas é do homem se deixar levar por sua curiosidade. E, de certa forma, há alguma diversão em brincar com esse enrolado e imprevisível novelo comestível, mesmo quando ele nos parece indomável.

Enquanto falamos do prato principal, te lembro de algo: eu havia antecipado o quão desajeitado sou, é verdade, mas não esperava desperdiçar parte do molho de tomate com gotas espalhadas sobre a toalha de mesa. A propósito, este toque apimentado era pimenta calabresa ou ciúmes? Enfim, isto não vem ao caso, mais importante do que seu ingrediente secreto foi o ponto de equilíbrio alcançado com precisão. E peço a toalha emprestada para que eu a devolva limpa, como nova – ou realmente substituída por outra nova, caso esta já esteja muito manchada.

Sobre o vinho, acertei na escolha? Tomei o cuidado de não exagerar com uma agressão ao seu paladar e não dar-lhe sono com um chazinho insípido. Inclusive recomendo que fique com o finalzinho dele, assim caso o sabor dele seja marcante, será fácil encontra-lo novamente.

E a sobremesa? Formidável! Delicada e ao mesmo tempo de sabor sutilmente insinuante, sua composição foi inesquecível – e o azedinho do maracujá harmonizou perfeitamente com o gosto do meu arrependimento.

Mais do que para deixar um agradecimento, uso a oportunidade para pedir um favor: da próxima vez, posso preparar um almoço como forma de retribuição?


Friday, April 4, 2014

- Alô

Porto Alegre, 1980 e pouco.

Carlos Itajubá avança pela zona intermediária do campo do Beira-Rio com a bola. Pelo canto do olho percebe o avanço de outro colorado à sua esquerda e lança a bola em profundidade. Bola e jogador se infiltram através da linha de zagueiros e se encontram na entrada da grande área e já se despedem: num efêmero instante Cláudio toca a bola com sua perna esquerda. Faz com que ela percorra o caminho mais improvável até a rede: passando rente ao pé de apoio de Balão, o goleiro gremista.

O terceiro gol do Inter, o terceiro do mineiro Carlos, sela a vitória no Gre-Nal, o (coincidentemente) terceiro e último clássico do ano. No primeiro o time vermelho havia sido goleado, neste mesmo estádio, quando as duas equipes disputavam partida da fase classificatória do Brasileiro - apenas o Grêmio se classificou à fase de mata-mata para ser eliminado pelo Cruzeiro nas quartas de final. O segundo confronto foi realizado no Estádio Olímpico, com vitória dos tricolores com um gol de Paulinho e outro do uruguaio Pablo Martínez. Embora muito desacreditado, o time do Guaíba reagiu, alcançou o resultado necessário para conquistar o título e interrompeu a momentânea soberania gremista de chegar ao sexto título consecutivo do torneio estadual.

O atacante vê a bola passar pela linha de cal e não interrompe sua corrida após a confirmação do gol. Passa pela linha de fundo, salta sobre as placas de publicidade e parece procurar algo. Vê o enxame de desgraçados da coreia, alguns jornalistas enrolados num novelo de cabos, dois gandulas abraçados e o orelhão. Os torcedores o veem correr até o aparelho telefônico e alguns riem da forma inusitada de comemorar o gol. Carlos se esconde sob a cabine, cola a cabeça ao telefone e ouve: conforme esperado, ele está tocando.

- Alô - atende o atleta.
- Carlos, tá tudo certo agora, tchê.
- Vocês vão soltar minha mãe?
- Claro, vamos.
- Tá legal.
- Carlos!
- O quê?
- Obrigado... e desculpa.

Ali

Friday, March 28, 2014

Clarinha

Texto que escrevi em setembro de 2011 para uma amiga que atravessava um momento turbulento.

Clara acorda antes do despertador de seu celular chegar a tocar. Revira-se, rola dum canto ao outro da cama, ocupa o centro e estica os braços para ocupar o máximo de espaço possível e tentar alcançar os limites de seu leito. Ainda falta mais de meia hora para o horário programado para despertar, mas já tem os olhos atentos à luz que começa a invadir as frestas da janela. Planeja mentalmente como será seu dia: café da manhã, saída para o trabalho, reencontro com a chata da Sílvia, pressão do Alencar no escritório, ligação enrolada para aquele cliente que sempre complica... enfim, uma série de obstáculos está no caminho de Clara - e, ao final desse percurso, vê que a relação de pancadas sofridas por sorriso recebido é péssima.

Força, resiliência e coragem são virtudes louváveis, porém nem sempre suas consequências são agradáveis. Jesus carregou uma cruz frente a inúmeros seguidores, mas poucos o ajudaram com o peso. Assim também é a luta contra os desafios diários: sempre há quem diga "Fulano é um guerreiro!", mas nem sempre aparece alguém disposto a lutar junto. Clara, então, percebe que o peso que repousa sobre seus ombros ainda é suportável, mas melhor seria se houvesse quem compartilhasse um pouco do fardo - ou, simplesmente, demonstrasse algum apoio mais contundente do que um sorriso dado à distância.

Agora faltam poucos minutos para o toque do despertador e Clara pensa como aquele espaço vago já foi menos abundante quando namorava. Reginaldo não era o namorado perfeito, as brigas tornavam-se mais e mais constantes enquanto o homem deixava de ser um companheiro para tornar-se uma nova responsabilidade dela. Agora, no entanto, tudo isso se desfaz numa névoa de esquecimento. Clara consegue apenas lembrar de como era acordada por Regis com um abraço que lhe cercava inteira, qual uma muralha que a protegia e a escondia do mundo lá fora. Esse fragmento de lembrança, esse breve flashback é capaz de faze-la se mover e agora já não se estica para ocupar o espaço da cama: apenas curva-se, gira e encolhe-se em posição fetal com um sorriso delicado e os olhos fechados.

Toca o despertador. Clara já estava desperta, mas perdida em sua memória e se assusta com o toque. Lembra-se então da diária de hotel perdida nas últimas férias porque Régis não queria acordar cedo para viajar. Seu sorriso dá lugar a uma expressão séria e aguda. Tenta voltar ao abraço e aos afagos imaginários, mas aos poucos os braços ficam distantes, perdidos entre brigas, discussões e momentos de tensão. Por fim, já não consegue entender bem como aquele carinho matinal podia trazer tanta paz - vindo de alguém que havia se tornado um distúrbio em sua vida.

A moça refaz os passos de sua memória e percebe que mal começara a pensar em sua solidão atual e já pulara para um momento com seu ex-namorado. A carência usa o disfarce da saudade e engana o solitário. Condicionada a receber afeto e carinho de Reginaldo, Clara foi enganada por uma rotina que já havia acabado a alguns meses e por um falso conforto que lhe dava sensação de segurança. Havia saído duas ou três vezes com seu ex após a separação, mas estas noites acabaram bem antes do abraço de bom dia dado por ele, então nem esse sutil alento estava mais à sua disposição.

Então ela vai mais longe e lembra-se do começo com Régis. Das primeiras conversas, das primeiras trocas de sorrisos, do primeiro (desajeitado) convite para fazer algo - "com todo o respeito, claro!", disse ele enquanto tentava parecer calmo mesmo ao gaguejar. Esse momento cômico a lembra de Eduardo, outro rapaz com quem ela saiu algumas vezes - Clara senta-se à beira do colchão, o despertador já toca pela segunda vez. Edu era o rapaz que visitava a empresa esporadicamente para fazer a manutenção dos computadores. Após algumas semanas de conversas no bebedouro, Clara voltou de mais um almoço com suas amigas e seu mouse não funcionava. Movia-o em círculos, horizontalmente, verticalmente e nada de resposta. Curiosa, levantou o periférico e encontrou um post-it preso ao leitor de movimento com o texto "Que tal um cinema? Edu".

Lembrar disto traz a mesma alegria do abraço vivido outrora com Régis. A breve certeza duma intimidade antiga não poderia mais ser melhor do que a expectativa de conhecer um novo alguém. Evidentemente, há a necessidade de exposição e o risco de ser rejeitada, mas Clara percebe, enquanto arruma a roupa de cama, que o arrependimento de voltar a uma zona de conforto que lhe é familiar é mais danoso do que o incômodo da incerteza.

Tuesday, January 28, 2014

Euzinho

Texto do filósofo, escritor e professor Luiz Felipe Pondé publicado na Folha de São Paulo na última segunda-feira, 27 de janeiro de 2014.

 A modernidade é uma declaração de guerra à ideia de tradição. Mas nós, modernos, continuamos a não perceber isso, e o resultado é que suspiramos como bobos diante do que pensamos ser uma tradição, apesar de detestarmos qualquer sinal verdadeiro de tradição.

Procuramos tradições em workshops xamânicos, espaços budistas nas Perdizes, livros baratos sobre como viviam os druidas.

São muitas as definições de tradição. Não vou dar mais uma, mas sim elencar atitudes que estão muito mais próximas do que é uma tradição do que cursos de cabala nos Jardins. Nada tenho contra estudar culturas antigas, apenas julgo um equívoco confundir a ideia de tradição com modas de uma espiritualidade de consumo.

Não existe xamã na Vila Madalena. A cabala não vai salvar meu casamento. Meditação não fará de mim uma pessoa melhor no trabalho. Imitar a alimentação de monges tibetanos não aliviará minha inveja. Frequentar cachoeiras indígenas não fará de mim uma pessoa menos consumista. Tatuar palavras védicas não me impedirá de fazer qualquer negócio pra viver mais.

Visitar templos no Vietnã não fará de mim alguém menos dependente das redes sociais. Desejar isso fará de mim apenas ridículo.

Uma tradição, pra começo de conversa, nada tem a ver com "escolha". Não se escolhe uma tradição. Neste sentido, muitos rabinos têm razão em desconfiar de conversos ao judaísmo por opção. Uma tradição funciona sempre contra sua vontade, à revelia de sua consciência, submetendo-a ao imperativo que escapa à razão mais imediata. A única forma de tradição a que a maioria de nós ainda tem acesso é a língua materna.

Colocar os filhos pra dormir todos os dias é mais próximo do que é uma tradição do que estudar velhos símbolos indígenas ou brincar com eles em pousadas nas chapadas. Não poder sair à noite porque um dos filhos tem febre é tradição. Velá-lo durante a noite é tradição. Morrer de medo durante esta noite é tradição. Nada menos tradicional do que uma mulher sem filhos. Ela até pode aprender capoeira, mas será apenas iludida, se sua intenção for experimentar a tradição afro.

Nada tenho contra mulheres não terem filhos, digo apenas, de forma modesta, o que é uma tradição.

Homens que sustentam sua mulher e filhos são tradicionais, mesmo em tempos como os nossos em que todo mundo mente sobre isso. Levar seus velhos ao hospital, enterrá-los, em agonia ou com absoluta indiferença, é tradição. Andar pela casa à noite pra ver se tem algum ladrão, enquanto sua mulher e filhos ficam protegidos no quarto, é tradição. Ser obrigado a ser corajoso é uma tradição, maldita, mas é.

Pular sete ondas numa Copacabana lotada nada tem de tradicional, é apenas chato. Tradição é ir pra guerra se não sua mulher achará você covarde. Lavar louça, fazer o jantar, lavar banheiros, morrer de medo diante do médico. Falar disso pra quem vive uma situação semelhante a você. Ter que passar nas provas na escola. Ter que ser melhor do que os colegas. Sangrar todo mês.

Tradição é pagar contas, enfrentar finais de semana vazios e não desistir. É sonhar com um futuro que nunca chega. Engravidar a namorada. Ter ciúmes. Odiar Deus porque somos mortais. Ter inveja da amiga mais bonita, do amigo mais forte e inteligente. É cuidar dos netos. É educar os mais jovens e não deixar que eles acreditem nas bobagens que inventam.

Tradição funciona como hábitos que se impõem com a força de um vulcão, de um terremoto, de um tsunami, de uma febre amarela. Nada tem a ver com se pintar como aborígenes pra defender reservas indígenas ou abraçar árvores.

Evolução espiritual é um dos top em quem quer "adquirir" uma tradição. Mas esta nada tem a ver com "buscar" uma evolução espiritual como forma de fugir de filhos que têm febre ou compromissos afetivos. A evolução espiritual verdadeira é algo que nos acomete como uma disciplina aterrorizante.

Teste definitivo: você busca evolução espiritual pra aperfeiçoar seu "euzinho"? Lamento dizer que qualquer evolução espiritual (se existir) começa com você esquecer que seu euzinho existe.

Pescando, de Almeida Júnior

Sunday, January 26, 2014

Oprimido

Está nas revistas, na televisão, nas ruas e em boa parte da internet. A ditadura das barbas chegou e não deve ir embora tão cedo. Este adereço facial usado de formas tão variadas durante o decorrer da história e renegado até pouco anos atrás foi resgatado pelos hipsters. Porém, ao contrário dos óculos de armação quadrada, dos cachecóis e do consumo diário de cinco litros de café, o uso da barba se alastrou e tornou-se popular entre homens de outros nichos sociais.

Mas por que escrevo sobre um padrão estético se não o sigo? Para reclamar, é óbvio. Para registrar que já fui discriminado. Que já mandaram que eu parasse de me barbear. Que já fui chamado de "imberbe", "cabeça de lâmpada", "amendoinzão" e outros termos humilhantes. Sim, leitores, já fui oprimido simplesmente por não ostentar uma barba. E ninguém pergunta sobre o meu lado! Que tal perguntar sobre minha vontade de tê-la ou não, sobre a velocidade do crescimento dela ou sobre meu emprego antes de apontar um dedo acusador em minha direção? E como posso viver à vontade num mundo em que abro o Facebook e vejo mulheres babando por barbados numa página chamada "Faça amor, não faça a barba", cuja descrição é "Desculpem-me os 'desbarbados', mas barba é fundamental"? É ou não é muita humilhação?

Ok, reconheço que eu não sou obrigado a seguir essa regra, mas minha pilosidade não me define e não é justo que eu seja excluído pela sociedade por causa dela. Reconheço também que nós, desbarbados, somos uma maioria - até temos alguns agentes infiltrados entre os barbados. A questão é que este padrão excludente gera uma casta de privilegiados, uma elite à qual me refiro como "oligopólio dos 'likes'".

E aí surge um impasse: não consigo faço questão de seguir este padrão de beleza vigente, mas ao mesmo tempo fico inconformado por não fazer parte dele. O que fazer? Escolho a rendição e deixo a barba crescer? Não, isso demoraria demais, não tenho paciência para isso e não gosto do visual Zangief (fora que não quero ficar com cara de integrante do ZZ Top). Ignoro a ditadura imposta pela indústria da barba? Impossível, até o delinquente do Varg Vikernes é celebrado por minhas amigas barbófilas (?) e eu não posso assistir um absurdo desses calado. Resta apenas soltar queixas e mais queixas nas redes sociais para quem sabe combater essa opressão da mídia e da sociedade.

Talvez deveria haver alguma forma de controle para impedir que homens de cara lisa sejam discriminados. Não sei, uma opção poderia ser a regulação da mídia para que piadas, chacotas e comentários maldosos sejam proibidos. Melhor: uma lei que censure esse tipo de comentário ofensivo, assim os opressores deixarão de expressar essas observações desnecessárias - pelo menos longe do alcance de minha percepção. Enfim, há muitas formas para se trabalhar essa questão e alguém tem que tomar alguma ação (alô, governo!). Eu juro que estou bem comigo mesmo e me aceito como sou, mas sabe como é, essa também ajudinha não faria mal, né? E se não mudo, o mundo que mude por mim.

Mas o que é isso??

Monday, January 13, 2014

Papo casual

- Por que você costuma dormir do lado da porta? É para fugir de mim?

- Ouvi falar que é um instinto masculino de proteção da caverna, algo que carregamos conosco há milênios.

- Hum... - responde ela, pouco impressionada perante esta herança milenar.

Ele procura uma posição mais confortável para continuar deitado, mas não consegue encontrá-la depois de meia hora se sevirando.

- E você? Por que sempre fica do lado da janela?

- Porque você não me deixa opção.

Ela ri com a resposta, mas ele não se contenta. Com um beliscão no quadril dela, insiste:

- Mentira, às vezes você já deita antes e escolhe esse lado.

Ela se cala, ouve os pássaros e observa o céu nublado daquele começo de quinta-feira.

- Gosto porque entra uma brisa - responde com um semblante sério de quem mente por necessidade.

Wednesday, January 8, 2014

O Millôr

Aproveitando a deixa de publicar textos alheios, seguem dez trechos do livro Poemas, do Millôr Fernandes - um excelente presente de amigo secreto do final de 2013.

"Eu não quero viver num mundo em que não possa fazer uma piada de mau gosto."
Conselho à Moda da Casa

Madama,
Não infunda
Uma minissaia
Numa maxibunda.


Inverso I (da série: "Brasil, condenado à esperança")

Brasil,
país do futuro,
me ensinaram em criança.
E agora eu ensino:
Quem espera nunca alcança


Poeminha sem objetivo

Me elogia, vai!
Escreve um troço, aí!
Não dói não; faz de conta
Que eu morri.


Poeminha sobre Diferenças Sexuais Fundamentais

Eu não acho torto
Busto de homem morto
Mas de mulher
Sou positivo:
Só muito vivo


Coragem É Isso, Bicho!

Eu sofro de mimfobia
Tenho medo de mim mesmo
Mas me enfrento todo dia.


Poemeu com Maldição 1/2 Bíblica

Não durmam nunca
Os que legislam mal,
Fique cego e surdo
Quem prende inocente,
Bexiguento e gago
Os que baixam o pau,
Amaldiçoados
Os que roubam a gente.


Poemeu Efemérico

Viva o Brasil
Onde o ano inteiro
É primeiro de abril


E Interessa?

Será que o doutor
Cobra pela cura
Ou cobra pela dor?

Equinos do Mundo! Poeminha Situacionista

Cavalos, burros, asnos,
Zebras, muares, potros;
Amai-vos uns aos outros.


Poemeu do Idealista Realizado

Há os que têm desejo
E não têm mulher
Há os que têm mulher
E não têm desejo
Eu tenho mulher
E desejo
E, o que é melhor,
Tenho a mulher que desejo.

Saturday, January 4, 2014

Post do John Galt - Oportunidade para quem?


Compartilho aqui um post do John Galt, pseudônimo dum conhecido de Twitter e Blogger que desapareceu de ambos os sites nesta semana. Felizmente eu havia salvo dois posts dele numa lista de textos e resolvi compartilhar um deles. O post fala sobre oportunidades e, mais importante ainda, sobre como tratá-las.

Oportunidade para quem?

Tenho pensado bastante ultimamente sobre a idéia de “oportunidade”, e uma interação no Twitter hoje me levou a escrever sobre o assunto. Algumas pessoas da direta tentam defender o capitalismo argumentando que ele promove a “igualdade de oportunidades”. Esse argumento é péssimo. Explico.

Certos esquerdistas afirmam que, embora exista um abismo entre os "progressistas" e os conservadores sobre a questão da desigualdade de renda, é opinião unânime que não existe igualdade de oportunidades suficiente. Chegam aos píncaros de dizer (como já vi no Twitter tempos atrás): “Difícil entender como alguém pode discordar da vontade de igualar as oportunidades para todos”.

ORA, PORRA! Uma coisa é certa: a idéia de “igualdade de oportunidades” foi aceita por todos, desde Arthur Brooks até Milton Friedman.

Como é soez, serei voz discordante. Pensem como as coisas seriam se essa idéia fosse levada a sério:

  • Eu tenho as mesmas oportunidades que os filhos do Steve Jobs? Negativo. Pela premissa esquerdista, o governo tem a obrigação de tomar deles uma parte de sua herança e dá-la a mim.
  • Eu tenho as mesmas oportunidades que as filhas do Barack Obama? Negativo. Pela mesma premissa, o governo tem a obrigação de me proporcionar a mesma rede de relações que elas têm e terão.
  • Os filhos de uma parelha de imbecis têm as mesmas oportunidades que os filhos de um casal de gênios? Mais uma vez, negativo! Então, o que o governo deveria fazer? Não há como fazer com que uma criança fique mais inteligente por decreto. Exigiria o princípio da “igualdade de oportunidades” que ela roubasse o cérebro da criança inteligente? 
A “igualdade de oportunidades” é incompatível com a liberdade. A rigor, na prática, não há diferença entre a tentativa igualitarista de igualar os resultados e a tentativa de igualar as oportunidades. O que uma pessoa consegue na vida é a oportunidade de outra. O sucesso do pai é a oportunidade do seu filho. O sucesso de um empresário é a oportunidade de um futuro contratado. A única maneira de tentar igualar as oportunidades é igualar os resultados.

A triste ironia de tudo isso é que oportunidade decorre diretamente da liberdade. Quando um país é livre, todos têm a oportunidade de conquistar o sucesso. Embora algumas pessoas inevitavelmente enfrentem dificuldades maiores do que outras, ninguém pode impedir outra pessoa de conquistar o sucesso.

Quanto mais se promove a "igualdade de oportunidades", menos oportunidades cada um terá.

Mas tudo isso deixa uma questão sem resposta: o que é "oportunidade"?

Oportunidade se define como uma série de circunstâncias que possibilita que algo seja feito. Dou um exemplo: se um treinador ou professor de tênis estiver assistindo a um jogo meu e achar que tenho potencial para ser treinado e me tornar profissional (digamos que isso fosse possível na minha idade já avançada), isso será uma oportunidade. Entrar em uma determinada escola pode criar a oportunidade de estudar com um excelente professor. Herdar um milhão de reais pode ser a oportunidade de investir numa nova empresa.

Mas vejam só que interessante: a pessoa precisa ter uma determinada índole para aproveitar essas oportunidades. É necessário que a pessoa adote as habilidades, as práticas e os hábitos que conduzem ao sucesso numa determinada área da vida.

O treinador de tênis não faria nenhum bem para mim porque eu não estou em forma (minto: estou em forma... de quibe do Habib's). E mesmo que eu estivesse em forma, o resultado seria pífio porque eu não passei anos treinando tênis a sério (embora jogue todo fim de semana). Estudar na melhor escola do país não adiantará nada para um aluno relapso, primeiramente porque provavelmente ele não consiga a vaga e, mesmo que consiga por milagre, ele não terá como aproveitar ao máximo o que os bons professores ensinam se não se esforçar para melhorar como aluno. Andem pelos colégios de elite deste país e entenderão o que estou dizendo. Finalmente, nem mesmo herdar um milhão de dinheiros fará bem algum para uma pessoa que não consegue gastar 10 reais de maneira responsável.

Gosto de pensar no Bill Gates. Há quem diga que a maior parte do sucesso dele se deveu à sorte, por exemplo, à sorte de ter freqüentado uma das poucas escolas do seu tempo com computadores à disposição dos alunos. Mas o Bill Gates não era o único aluno dessa escola. A oportunidade só teve valor para ele porque ele escolheu, dia após dia, dedicar seu tempo a aprender a usar o computador, em vez de ficar largado na frente da televisão ou indo a baladas.

Certa vez, o Steve Jobs comentou que o sucesso da Microsoft se devia ao fato de Bill Gates ser um oportunista (cito de memória, não me lembro das palavras exatas). A questão é que o Steve Jobs usou o termo "oportunista" como elogio.

O Bill Gates enxergou um "conjunto de oportunidades" que “possibilitou fazer algo” e, então, agiu de acordo com essa avaliação. Outras pessoas foram expostas ao mesmo conjunto de circunstâncias e não viram uma oportunidade e/ou não fizeram nada com ela.

Uma oportunidade só tem valor para quem se prepara para tirar vantagem dela. Além disso, esse tipo de pessoa cria muitas das oportunidades que encontra na vida, quando não a maior parte delas.

Quem leu o livro Atlas Shrugged (A Revolta de Atlas) entenderá: não importa quantas oportunidades caiam no colo de um James Taggart: ele não vai conseguir aproveitá-las. Já uma Dagny Taggart transformará em oportunidade praticamente qualquer circunstância que encontrar.

Não, amável leitor, você não é responsável por todas as oportunidades da sua vida. E, é claro, algumas circunstâncias externas podem ser favoráveis e outras, desfavoráveis. Mas quem diz que é necessário redistribuir a riqueza para criar oportunidades está redondamente enganado. Num país verdadeiramente livre, o que essencialmente importa não é quantas oportunidades são dadas a uma pessoa, e sim se essa pessoa escolhe se tornar o tipo de pessoa capaz de aproveitar e criar as oportunidades.

Por outro lado, não faz sentido dizer que todos devem ter as mesmas oportunidades. "Oportunidade" é um conceito relativo, ou seja, é uma relação entre os objetivos da pessoa e uma circunstância que pode ou não ocorrer. Além disso:
  • nem todos têm os mesmos objetivos 
  • nem todos têm o mesmo conhecimento para reconhecer as oportunidades 
  • adquirir conhecimento é um ato voluntário 
  • o indivíduo só se preocupará em se destacar numa área de que goste muito, e nem todos gostam das mesmas coisas 
A idéia de igualar as oportunidades exige uma visão integral/sobrenatural/ditatorial da sociedade e das pessoas. É exatamente isso o que os esquerdistas pretendem quando falam em (re)distribuir isto ou aquilo.

Outro aspecto raramente abordado da "oportunidade" é que, para aproveitar uma oportunidade, é necessário reconhecer o "conjunto de circunstâncias" como algo que se possa aproveitar. É fácil ser "engenheiro de obras feitas" depois que algum gênio aproveita essas circunstâncias.

Para concluir, quero que vocês entendam que a grande virtude do capitalismo não é proporcionar “oportunidades iguais” às pessoas (seja lá o que isso signifique), e sim criar o melhor ambiente possível para aproveitar as oportunidades (quero dizer, para quem fizer a opção por aproveitá-las).

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