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Saturday, May 8, 2010

Mãe

"Quê? uma criatura tão dócil, tão meiga, tão santa, que nunca jamais fizera verter uma lágrima de desgosto, mãe carinhosa, esposa imaculada, era força que morresse assim, trateada, mordida pelo dente tenaz de uma doença sem misericórdia? Confesso que tudo aquilo me pareceu obscuro, incongruente, insano..."

Assim como Brás Cubas, perdi minha mãe para o câncer. O trecho acima, retirado do livro de Machado de Assis, resume bem o que senti logo após ela ter falecido em fevereiro do ano passado. Como alguém que batalhou tanto e de tantas formas poderia morrer de forma tão traiçoeira, anulando qualquer esperança de "final feliz" hollywoodiano? Porém, não falarei sobre a sua morte, pelo contrário, falarei de parte do que fez em vida.

Nascida em Guarantã em 1941, filha de Maria e Joaquim (não, não eram portugueses, mas baianos), foi criada num sítio e estudava num colégio que não era tão próximo de onde morava - quando eu tirava notas baixas, ela sempre me repreendia e usava a distância que percorria a pé como motivo para eu ver como minha vida acadêmica era moleza. Após alguns anos de atraso causados pelo enxaqueca, terminou os colegial e iniciou a faculdade de Ciências Contábeis.

Já formada, virou funcionária do Banco Nossa Caixa (na época, Nossa Caixa Nosso Banco) e se mudou para Presidente Prudente, cidade em que conheceu meu pai, casou e teve dois filhos - o primeiro sendo este que vos escreve e depois minha irmã Lucila. Pouco depois dos nascimentos minha mãe conseguiu sua aposentadoria e a família veio para Campinas.

Resumindo um pouco, a partir daí a série de batalhas ficou mais dura: era preciso criar dois filhos pequenos com meu pai parcialmente disponível (ele viajava todo dia para São Paulo a trabalho na PM) enquanto minha avó materna começava a dar sinais de senilidade. Minha mãe visitou todo tipo possível de médico, fontes alternativas e até religiões mais voltadas para a espiritualidade para tentar descobrir o que acontecia - já que, no distante início da década de 90, ninguém sabia bem o que era Mal de Alzheimer.

Com o passar dos anos, minha avó foi piorando e as crianças foram crescendo - e ajudando um pouco com a casa. Em 2000, ano em que a Dona Maria se foi, minha mãe já lutava contra a doença que a levou - com um tumor do lado de fora do útero. Entre idas e vindas, creio que ela teve câncer umas quatro vezes, a última delas no fígado. Essa última luta, duradoura e exaustiva, foi dura demais para ela.


Dona Nair: exemplo de coragem

Hoje já superei a dor da perda dela, mas claro que a ferida sempre segue aberta e de vez em quando cai um pouco de sal nela. Dia das Mães, por exemplo, é uma data em que isso fica bem evidente, até porque o comércio faz questão de anunciar aos quatro ventos a chegada de todo feriado com boas chances de movimento. Aliás, serei amargo aqui: até lamento um pouco a existência de dia dos pais e das mães, já que é a chance de ouro dos filhos ausentes se redimirem de maneira hipócrita com um presente caro e um almoço encarado quase como uma obrigação profissional. Era melhor que pais e filhos pudessem manter contato constantemente e não apenas quando há ameaça do filho sentir um pouco de culpa. Mas, sei lá, se não houvesse o feriado acho que alguns pais jamais voltariam a ver seus descendentes...

Enfim, chega de divagações. Como ia dizendo, ainda lembro muito da minha mãe, sinto falta dela e gostaria de te-la ao meu lado, mas penso que hoje é melhor que ela tenha tido a chance de descansar e ir para um lugar melhor (ainda mais agora que a Dilma pode se tornar presidente). Hoje carrego muita coisa que ela me passou, mas a principal foi a força de vontade, que uso como motivação nas horas em que penso em baixar a cabeça: quando fico desanimado por estar sem emprego, quando falta força para algo ou simplesmente naquela última distância a ser corrida na esteira. Quando penso no tanto que ela lutou em vida, não consigo admitir que eu desista por pouca coisa e isso acaba se tornando determinação de verdade. Fica sendo essa a maior herança que recebi dela - e, se não puder passar exatamente isso para um filho um dia, pretendo deixar alguma outra virtude como legado.

2 comments:

  1. Certeza de que de onde ela está, ela está orgulhosa de ter um filho como você!

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  2. Lucila irmã (hehe)May 20, 2010 at 10:25 PM

    é isso aí... concordo com cada palavra...(mas ela nasceu em Quatá hahaha)

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