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Friday, December 30, 2016

Retrospectiva - 2016

Mais um ano já chega ao seu fim e, como tenho feito ultimamente, escrevo um post para  relembrar o que houve de melhor e pior neste ciclo que se encerra. Foi um ano pacífico, uma calmaria atípica quando penso em quantos amigos detestaram e amaldiçoam estes últimos doze meses. E não os culpo, 2016 foi mesmo um ano pesado para muita gente.

Não tive muito para contar, como se pode ver pelas poucas publicações: apenas dez postagens neste blog e algumas através do meu Medium. Houve poucas mudanças em meu emprego, principalmente motivadas pela fuga incompreendida duma demissão coletiva em março ("incompreendida" porque reconheço que meu rendimento em 2015 foi bastante medíocre). Aprendi algumas novas atividades e funções, mas nada lá tão revolucionário. Concluí algumas matérias de minha pós-graduação e devo concluí-la mais cedo do que previamente programado graças a uma reformulação da grade. Quanto a círculos afetivos de toda sorte, aprendi a me atentar à reciprocidade oferecida por eles. Tive uma reconciliação valiosa com uma amiga enquanto algumas pessoas se afastaram... mas fazer o quê?

Adotei o Bubba e esta foi a experiência mais significativa de meu ano. Este gatinho preto me ensinou muito sobre companheirismo, generosidade, gratidão e resiliência; mais do que eu pude aprender com dezenas de livros lidos nos últimos anos. Fica aí a principal lição do ano para mim: menos teoria e mais prática. Aliás, hoje o bichano tem até sua própria conta no Instagram, assim minha conta permaneceria minha e não dele.

Zé (esq) cumprimenta seu primo Bubba
Por fim, cabe uma reflexão sobre o blog, ou melhor, sobre minha disposição de mantê-lo ativo. Já faz algum tempo que perdi o ânimo para discutir e comentar muitos dos assuntos que se tornam pautas nas redes sociais e "no mundo real" - ou seja, assuntos realmente relevantes. Seja o clipe novo da Clarice Falcão, as eleições municipais, o vestido branco e amarelo ou azul e preto, o impeachment de Dilma, as Olimpíadas, a guerra na Síria; não terei nada a acrescentar a estes temas, pelo contrário, só diria obviedades ou alguma besteira, caso me arriscasse por terrenos desconhecidos. E posts sobre estes assuntos teriam apenas o papel de suprir minha necessidade narcisista de me expressar, embora minha minha opinião pode ser esta ou aquela que isto não faria a menor diferença.

Enfim, chego a uma encruzilhada e não sei o que fazer do blog. No mínimo vou mantê-lo ativo, principalmente devido a todas as recordações registradas nele. Quanto a seu futuro, ainda preciso pensar a respeito dele. Penso em continuar escrevendo esporadicamente, talvez sobre filmes, mas talvez eu o faça no Medium e não aqui. Caso haja interesse por conhecer meu outro perfil, ele está em https://medium.com/@bomfimm. De qualquer forma, um feliz 2017 a todos os leitores e, caso este seja o último post, obrigado pelo carinho no decorrer destes anos.

Saturday, June 25, 2016

Bubba - Primeiro mês

Neste domingo, 26 de junho, completa-se um mês do dia em que adotei Bubba. Algumas pessoas mais próximas sabiam com muita antecedência de minha intenção de trazer um bichano para minha casa. No entanto, o plano demorou a sair do papel devido a alguns obstáculos como meu receio de dividir com um gato um apartamento pequeno e minha alergia, da qual eu era vítima constante quando vivia com os gatos que hoje estão com meu pai e minha irmã. A vida, felizmente, se incumbiu de aprontar alguns desencontros que levaram ao encontro com o pretinho que dorme no meu colo enquanto escrevo esse post.

Como mencionado acima, passei a sofrer com alergia a pelos de gatos na adolescência. Durante minha vida toda tive gatos em casa, mas só mais tarde passei a sofrer crises de espirros e coceira na garganta devido à presença deles. Passei a andar sempre por aí com uma cartela de antialérgicos na mochila (inclusive recomendo o Histamin) porque eu não fazia questão alguma de evitar a convivência com os gatos de minha família e de amigos.

Além disso, houve em abril a especulação de que eu participaria de um rodízio de home office devido à “superlotação” do meu time, que possui quase 30 integrantes e apenas 24 lugares disponíveis. Assim que soube disso, avisei à minha irmã e à minha amiga Lê Moyses que daria um jeito de adotar uma gatinha preta caso realmente precisasse trabalhar de casa por 2 ou 3 dias da semana, toda semana. Trabalhar de casa desta forma pode parecer agradável (e realmente gosto de trabalhar de minha casa, desde que em doses homeopáticas), porém não é quando se vive sozinho num apartamento de poucos metros quadrados.

O primeiro encontro
Enfim, anunciei-lhes minha intenção e as duas prontamente começaram a conspirar para que eu adotasse a tal gatinha preta. Assim correram algumas semanas, até que na noite de 25 de maio, véspera do feriado de Corpus Christi, meu celular começou a apitar com mensagens da Lê. Um gatinho preto, lindo e dócil havia pulado em seu colo quando ela estava num bar do centro de Campinas, numa mesa de calçada. Recebi mensagens, fotos, uma ligação dizendo que eu TINHA de adotar aquele gato. Respondi que eu pensaria a respeito e daria uma resposta até o dia seguinte. Consegui resistir aos encantos do bichinho por pouco mais de uma hora, se me lembro bem. Fazia frio naquela noite e em meu feed do Instagram apareceu uma foto de campanha de adoção, com a imagem dum gato de rua todo judiado. Sinal? Coincidência? Destino? Não sei, mas sei que foi um belo empurrão para que eu o aceitasse e fosse buscá-lo na tarde seguinte, durante o feriado. Claro que ele não seria devolvido às ruas pela amiga da Lê, sua anfitriã temporária, mas quem eu achava que ainda enganava àquela altura?

Agora, uma observação sobre o nome do gato. Não deu tempo de planejar nada, inclusive ele chegou aqui sem as telas na janela, mal havia ração e nem um nome havia sido pensado. O primeiro nome que me ocorreu foi Bubba, nome do fiel amigo de Forrest Gump. Reconheço que não é o nome mais fácil e que sobrestimei a popularidade deste clássico do cinema, mas acho que, no fundo, tanto faz como chamamos um gato porque normalmente ele não está nem aí para nada mesmo. E assim vamos interagindo com ele, aqui como “Bubba”, ali como “Búba”, quase sempre como “DESCEDAÍ!”.

Forrest, Bubba, Liutenant Dan
Em recuperação, mas sem perder o bom humor
Apenas uma nota negativa: assim que Bubba foi recebido, era possível sentir um carocinho em seu peito. Em sua primeira consulta a veterinária disse que deveríamos observar aquele montinho sob os pelos no decorrer das semanas para decidir o que fazer, mas em cinco dias ele cresceu e se rompeu, revelando que era um abscesso (uma bolha de pus). Medicado com antibióticos, Merthiolate e Rifamicina durante duas semanas, agora ele já está plenamente recuperado. Graças a um exame de raio x constatamos que havia uma vértebra fora do lugar em seu esterno, bem próximo ao local do abscesso, o que leva à suspeita de que os dois estão relacionados e talvez tenham sido causados por um chute. Cito a camiseta do (ex-)jogador Adriano e espero “que Deus perdoe essas pessoas ruins”, porque meus votos são de que o hipotético autor do chute sofra um belo prolapso retal.



Apesar da vértebra deslocada, o Bubba está muito bem. Brinca bastante, não tem problemas respiratórios, é muito ativo e continua muito afetuoso. Em apenas um mês mudamos um a vida do outro consideravelmente: apesar de às vezes ter algumas atitudes caóticas, ele ainda me alegra muito e já lamento demais não ter adotado antes – embora, caso já tivesse adotado outro gato, não o teria por aqui hoje. Felizmente não tenho sofrido com a alergia, talvez devido à redução da quantidade de laticíniosque consumo ou à limpeza dos seios faciais com soro fisiológico. Quanto ao pequeno, aquele gatinho que chegou aqui apático já cresceu, ganhando peso e disposição. Acho que não é exagerado dizer que ele provavelmente nem estaria vivo caso estivesse solto pelas ruas com uma ferida aberta no peito e exposto à frente fria violenta e às tempestades que atingiram Campinas no último mês. Sou muito, muito grato a todos que colaboraram neste estágio de adaptação. E caso alguém indeciso tenha chegado a esse post pesquisando sobre adoção, recomendo veementemente acolher um bichinho porque todos saem ganhando – claro, desde que as circunstâncias sejam favoráveis, já que bicho não é brinquedo nem decoração.

Blusa de cachorro improvisada como roupinha cirúrgica para proteger as bandagens do abscesso

Tuesday, May 17, 2016

Tragédia(?)

Hoje de manhã, enquanto almoçava antes de sair para trabalhar, revi um trecho de Troia, o épico estrelado por Brad Pitt e Eric Bana – intérpretes do grego Aquiles e do troiano Heitor, respectivamente. A cena que tive tempo de ver foi a do confronto entre os dois guerreiros.

Heitor é, sem pestanejar, o homem mais munido de virtudes e qualidades em toda a guerra de Troia. É ótimo pai, bom marido, excelente filho e supremo como lutador. Batalhou arduamente pela preservação de sua cidade e de seu povo, embora a guerra fosse iniciada por uma molecagem de seu irmão mais novo. Lutava pela honra sem buscar recompensa.

Aquiles, seu rival, não possuía laços tão fortes. Sabemos de sua mãe, Tétis e de Pátroclo, seu primo nos filmes e grande amigo ou amante no livro, dependendo da interpretação. Não era obediente a reis e não respondia a ninguém no campo de batalha. Era ardiloso e oportunista; decidiu atravessar o mar Egeu para lutar apenas depois de perceber a possibilidade de obter fama e glória no maior embate de todos os tempos.

Pois bem, na cena que assisti enquanto eu almoçava, Aquiles foi às muralhas troianas para desafiar seu rival. Heitor despede-se de seu pai Príamo, de seu irmão Páris e de sua esposa Andrômaca antes de encontrar o grego para o combate. Ofereceu tanta resistência quanto pôde e foi ofensivo enquanto era possível, mas foi derrotado e teve seu corpo arrastado ao redor das muralhas de sua cidade natal perante os olhos das pessoas que amava. A soma de todas as virtudes do campeão troiano não serviu de absolutamente nada: não houve karma, justiça do universo, intervenção divina ou nada semelhante que tornasse sua espada mais rápida ou letal do que a de Aquiles.

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Quase três mil anos depois de Homero, é mais comum encontrar rapazes e homens chamados Heitor do que batizados de Aquiles. Pesam contra o troiano a derrota na luta e sua origem, já que os gregos influenciaram de forma consistente a civilização ocidental com cultura, literatura, arquitetura, filosofia, matemática, etc, etc. Apesar disso, seu nome se difundiu entre seus inimigos de outrora. Em algum ponto de nosso passado rejeitamos, de alguma forma, o que Aquiles representava ou em algum momento pusemos a bondade acima da agressividade?

P.s.: Comentei isto me baseando mais no filme de 2004 do que na Ilíada, de Homero. No livro Heitor não é tão bonzinho e é melhor lutador do que no cinema.


Thursday, March 17, 2016

Gráfico da vida

Nos últimos dias venho refletindo bastante sobre como está meu ano de 2016 e, depois de percorrer mentalmente um trajeto que me levou a um destino até então inesperado, resolvi botar em prática a ideia de comparar o ano atual com 2006. Assim teria uma visão mais abrangente e poderia também obter uma referência: estou evoluindo? Estagnei? Piorei?

Para avaliar melhor cada um dos anos e fazer essa comparação decidi fazer uma atividade conhecida como Roda da Vida. Conheci este exercício numa aula da pós-graduação e ele exige um tanto de reflexão e autoconhecimento - o que pode soar como bobagem até precisarmos preencher o teste e qualificar quão bem realmente estamos. A roda se parece com uma pizza em que cada fatia representa um aspecto de nossas vidas: financeiro, familiar, emocional, intelectual, etc. Abaixo, como ela fica antes de ser preenchida.


O número dentro de cada fatia é a "nota" deste aspecto, sendo 1 a mais baixa e 10 a mais alta. Abaixo, como um exemplo, preenchi alguns campos como os preencheria alguém cujo salário é satisfatório e que vive em ótimo momento profissional, porém de insatisfação com seus hábitos culturais.


Em vez de realmente preencher a roda, criei uma planilha no Excel com uma linha para cada um dos campos acima e dei a nota de cada aspecto, com uma coluna de 2006, outra de 2009 (um ano particularmente ruim) e 2016. Finalmente, com todas as notas em mãos, criei um gráfico com uma linha para cada ano, em que cada coluna representa uma das facetas da roda. No gráfico abaixo fica um pouco mais fácil de entender:

2006 em azul, 2009 em rosa e 2016 em amarelo
E olha aí: 2016 acabou mostrando que caminha muito bem. 2009, embora um ano difícil, teve seus bons momentos e 2006, que eu julgava um período muito bom, teve seus trancos e muitos barrancos. Mudaram as expectativas, a cobrança pessoal e os parâmetros de avaliação/expectativa no decorrer dos anos. O que era bom tornou-se mediano ou até motivo de arrependimento em uma década. E sei lá eu como verei meu 2016 daqui alguns anos.

Fica então a ideia para quem quiser realizar esse exercício também. Talvez com uma métrica que passe ano por ano, caso haja paciência para o esforço. Ou quem sabe para definir metas para o futuro?

Sunday, February 28, 2016

Negação, raiva, barganha, depressão, aceitação

Uma vez ouvi uma piada dum louco que não deixava em paz o bibliotecário do hospício onde ele vivia. Devorador de livros, a cada dois ou três dias o paciente aparecia novamente para pedir mais e mais obras novas, até que o bibliotecário, de saco cheio, entregou ao leitor inveterado uma lista telefônica da cidade de São Paulo. Passaram-se dois, três, cinco dias, uma semana; depois de vinte e cinco dias o louco voltou com a lista telefônica em suas mãos. "Você leu tudo isso?", perguntou o bibliotecário, incrédulo. "Li. Achei o universo de personagens muito rico, mas o enredo era confuso", respondeu o louco.

Essa piada, obviamente exagerada, se aproxima do (muito real) ímpeto de colecionador que vemos e, por vezes, praticamos. Colecionamos livros, tanto pelo objeto em si quanto pelo conteúdo: houve uma época em que baixei do Project Gutenberg vasto material de Filosofia e entupi meu Kindle com trabalhos de Kant, Espinoza, Nietzsche... Puro punhetação intelectual. O que eu lia, às vezes de maneira afoita, nem era aproveitado. Parte do que baixei, que eu jamais leria, compreenderia ou seria útil a mim, já foi até apagada depois que me recolhi à minha insignificância. Assim também é com filmes, que não transformarão ninguém em cinéfilo caso o espectador não tenha capacidade de interpretar o que vê e sensibilidade de captar o que se tenta exprimir. E assim por diante, também com discos, quadrinhos, séries televisivas e outras áreas onde podem prosperar os "acumuladores culturais" (?). 

Comecei divagando comentando sobre esse instinto de colecionar, mas quero ser mais específico sobre a transformação de objetos em símbolos - representações concretas de algo abstrato. O livro talvez represente melhor isso atualmente: não importa de quem e sobre o que seja, um paralelepípedo de papel sempre irradia uma aura de cultura e erudição. Caso você saia por aí com algum livro de mais de 500 páginas, note como ele causa mais comentários a respeito de sua extensão do que sobre o autor, o título ou o tema abordado. Uma cerveja importada pode transmitir certa imagem de sofisticação, mesmo que seu consumidor não consiga diferenciá-la duma Brahma num teste cego. E como estes, há muitos outros objetos: a rebeldia implícita nas tatuagens, embora até Ana Maria Braga tenha a sua ou, no meio do heavy metal, toda aquela produção estética com roupas escuras, cinturão de balas, colete com patches de bandas obscuras e cara de mal, uma papagaiada que normalmente vira piada quando o metaleiro, perdão, o headbanger envelhece. Há estes e inúmeros outros casos, mas o post é dedicado às chuteiras pretas.

Parece estranho, mas me explico: há entre os torcedores brasileiros uma vertente mais saudosista que, ao expressar sua saudade do "futebol de antigamente", sempre enumera tudo que se perdeu no decorrer dos últimos vinte anos: estádios lotados, festas de torcida com várias bandeiras e outros materiais, jogadores mais "raçudos" e fiéis a seus clubes, uniformes com desenhos simples e... chuteiras pretas. E este último elemento, soterrado sob calçados coloridos e muito chorado pelos torcedores, "ressuscitou" recentemente com o lançamento duma linha de chuteiras inteiramente pretas, sisudas e tradicionalíssimas. "O futebol respira sem aparelhos", "Vocês estão revivendo a essência do futebol", "Chuteira preta moralizadora". Estes foram alguns comentários que encontrei na página brasileira da empresa. O melhor deles, no entanto, foi: "Os times que levaram o Brasil ao penta usavam a boa e clássica chuteira preta".

Ora, em 1958, 1962, 1970 e 1994 sequer havia o sonho de produzir chuteiras de outras cores. Aliás, antigamente elas ainda eram fruto dum processo bastante precário de fabricação. Com travas pregadas e material era grosseiro, calçá-las não era confortável. Duvido que um peladeiro atual preferiria enfiar seus delicados cascos numa botina como as usadas décadas atrás. Em 2002, última Copa do Mundo conquistada pelo Brasil, chuteiras coloridas já estavam nos pés de Ronaldo, Roberto Carlos e Rivaldo. E se até este pernambucano, um jogador sempre tão sério e pouco dado a espalhafatos, foi um dos pioneiros do uso da chuteira colorida, quem garante que outros mais antigos como Garrincha, Dadá Maravilha ou Renato Gaúcho, apenas para citar alguns, não o fariam?

É a transformação das chuteiras pretas num símbolo destas tradições do futebol. Como se, por uma simples questão de quórum, o "futebol de antigamente" pudesse ser trazido de volta através da reunião dum certo número de jogadores calçados da maneira adequada. (Spoiler: ele jamais voltará). Ou que os atletas/popstars atuais, muitos deles tão megalomaníacos, narcisistas, blindados e preocupados com qualquer coisa, menos com o domínio dos fundamentos do esporte, não se transformaram cada um num Clébão apenas por um acidente do destino, que não lhes permitiu calçar um par de chuteiras pretas - o que faria com que tudo fosse diferente e evitaria a existência de David Luiz como atleta profissional. E esse desejo coletivo não passa despercebido, tanto que ele é notado como segmentação de mercado. O desejo se materializa no símbolo que, por sua vez, é capitalizado e transformado em marcadoria. Como os livros, as cervejas especiais, as tatuagens, etc, etc. E assim caminha a humanidade.

Se até Zidane usou chuteiras coloridas, amigos, acho que elas não são de todo ruins

Saturday, February 27, 2016

Calmaria

Termino fevereiro num momento de emoções conflitantes e contraditórias: a solidez quase intransponível da estabilidade atual é arranhada pela ansiedade de desconfiar de turbulências vindouras. A tormenta não está inerentemente ligada à calmaria, como bem sabe quem já acumulou tempestade sobre tempestade sem um intervalo para retomar o fôlego, mas é inevitável que cedo ou tarde os céus voltem a ser encobertos por nuvens carregadas.

Apesar de eu estar prestes a completar meu sexto ano de companhia, sei que nossa economia passa por um momento de declínio e que a empresa na qual trabalho faz sua rodada anual de demissões com o objetivo de baratear renovar sua mão-de-obra. Alguns amigos e conhecidos já se foram enquanto permaneço. Por mais um dia, mais uma semana e, espero eu, por pelo menos mais um ano. Enquanto isso faço, assim como meus colegas, conjecturas a respeito de quão vitais somos (pelo menos durante estas semanas) e, desgraçadamente, torcemos para que outra área seja vista como possuidora de profissionais mais descartáveis do que a nossa. Que tempos malditos estes em que se esquenta mais a cabeça pensando na concorrência interna do que na externa.


Fora de meu cubículo permanecem as aulas de russo, as atividades no crossfit e a pós-graduação. Tudo isto já confortavelmente assentado e moldado duma maneira conveniente. Na vida amorosa houve a impressão de que alguma novidade surgiria, mas foi alarme falso, creio que devido a um desencontro de disposições e momentos. Com minha família tudo vai bem também e minha relação com meu pai tem apenas melhorado. Não tenho do que me queixar, aliás, tenho apenas motivos para me sentir grato e tranquilo. Uma pequena voz, no entanto, continua me dizendo para ficar alerta. Uma vozinha que talvez seja chama Ansiedade, Cautela ou Pessimismo; mas cujas palavras não consigo ignorar.

Edição da obra Caminhante sobre o mar de névoa, de Caspar David Friedrich

Thursday, January 14, 2016

Na rede

Hoje, 14 de janeiro de 2016, duas notícias sobre óbitos circularam pela internet. A primeira foi a do comediante paraibano conhecido como Shaolin, cujo corpo já estava paralisado desde que ele sofreu um acidente de carro em janeiro de 2011 e que foi vítima duma parada cardiorrespiratória nesta manhã. A outra foi de Alan Rickman, ator inglês cujo fim veio na forma dum câncer. Seus trabalhos mais conhecidos são suas interpretações do vilão Hans Gruber em Duro de Matar e de Severo Snape em toda a saga Harry Potter.

Além deles, soube também do falecimento duma conhecida. Inicialmente, seria apenas um desses contatos encontrados casualmente pela internet, que normalmente viram apenas mais um número em nossa lista de amigos e mais uma pessoa para colocar posts em nosso feed. Não chegamos a nos conhecer pessoalmente e ela morava em outro estado, mas mesmo assim pudemos nos falar em algumas ocasiões. Para ilustrar o caso, chamemos essa pessoa de Tatiana (nome fictício).

Fazia algum tempo que eu via alguns posts melancólicos de Tatiana em seu perfil do Facebook. Ainda que vagamente, eu notava que falava até frequentemente sobre a morte e sobre um sofrimento insuportável. Através de posts de amigos e parentes dela no decorrer destes meses de amizade entre nós dois, percebi que ela lutava contra alguma doença, mas não era claro qual era sua enfermidade. E por falta de intimidade, eu torcia por Tatiana de longe, sem me sentir muito à vontade para lhe perguntar o que acontecia e como ela estava.

E hoje surgiu uma publicação em que se confirmava seu falecimento. Alguém “herdou” seu perfil e conseguiu escrever um post explicando que Tatiana havia passado por um transplante e se recuperava bem, mas uma recaída súbita fez com que seu corpo sucumbisse. Mensagens de pesar e solidariedade acompanhavam o anúncio até que uma nova publicação revelava uma nova versão da morte de Tatiana.

Ela teria passado, realmente, por um transplante de fígado, do qual se recuperava bem. O problema começou com uma viagem não permitida a São Paulo para encontrar um ex-noivo, de quem já havia se separado a anos e que agora estava com outra mulher. Tatiana tentou encontrá-lo e ele a proibiu de ir a seu local de trabalho, que também é onde ele reside. Ela o pressionou, ameaçou se matar e disse que ele teria de escolher entre ela e a mulher atual. Ele escolheu a atual e Tatiane tirou sua própria vida (o post é um pouco detalhista sobre isso, mas creio que não seja necessário ir tão longe).

Confesso que suspeitei dessa possibilidade devido aos posts mais sombrios que essa garota de apenas 24 anos compartilhava, algo um tanto inesperado para uma rede social onde “nunca conheci quem tivesse levado porrada”, como escreveu Fernando Pessoa. Assim como eu, imagino que outros também imaginavam esse desfecho para a história, mas com que cara levantaríamos essa suspeita? Fiz o que estava ao meu alcance: comentei na publicação, pedindo que a retirassem do ar para preservar a imagem da moça. E mais de uma pessoa respondeu que era desta forma que ela se manifestaria, de forma transparente, direta. No fundo eu sabia que aquilo era a verdade.

Já vi inúmeras postagens em que ela se despedia dos amigos, lamentava sua vida e sua dor, assim como falava de recomeços e novas tentativas de seguir em frente com sua vida. Lembro dum episódio em que ela divulgou uma foto de sua própria mão com hematomas e até cortes nos nós dos dedos, causados por alguns socos que deu na tela de seu celular. De fato, é capaz que ela enviaria uma mensagem do outro lado explicando exatamente o que houve, com a mesma riqueza de detalhes da autora da publicação.

Graças a este exemplo mais extremo, comecei a refletir sobre tanto conteúdo tornado público quando talvez não deveria ser registrado nem intimamente. Selfies em velórios, discussões (ou “barracos”, melhor dizendo), check-ins em motéis, vídeos de acidentes e mortes que talvez nem o próprio Datena exibiria, debates sobre funcionamento intestinal, entre outros – citei apenas alguns “top of mind”. E nem adianta eu dizer que ninguém quer ver isso, porque eu normalmente não quero, mas há sempre uma multidão curiosa.

Ainda sobre multidões de curiosos: agora o Big Brother Brasil está prestes a retornar em mais uma edição e aquelas velhas discussões sobre o programa ser ou não cultura (como se não ser alta cultura significasse que ele não é cultura de forma alguma), que vale mais a pena enfiar a cara nos livros – mesmo que talvez sejam apenas os de colorir, etc, etc. Alguns amigos às vezes questionam porque a televisão insiste em oferecer apenas bunda, futebol e humor de quinta série em vez de oferecer uma programação mais rica, mas aí eu sempre lembro da Cultura, que oferece essa programação gratuitamente e quase ninguém a assiste. E também penso no Tião, que acorda de madrugada, pega dois ônibus, trabalha pesado para ganhar pouco, pega mais dois ônibus para voltar à sua casa e à pilha de contas que paga todo mês. Todos sabemos quem ganha a atenção de Tião numa disputa entre um filme de Ingmar Bergman, um livro de Thomas Mann e o jogo de seu time.

Estou divagando, mas não tem problema. Este post é de perguntas e não de respostas. De volta a cada Tião e dona Maria que há por aí, atrás dum televisor ou duma tela de onde eles acessam a internet: será que não é prepotência nossa quando nos julgamos iluminados e tentamos ditar o que é melhor para eles? Posso achar uma comédia do Leandro Hassum uma porcaria (não que ele se incomode em fazer algo grandioso pela sétima arte) e indicar algo que eu considere muito superior, como Amadeus. O filme de Milos Forman tem um certo status cult, mas por ser vencedor de quase dez prêmios no Oscar de 1984*, um cinéfilo pode considera-lo apenas o pico da ponta deste iceberg chamado “Cinema” e recomendar que o público procure alguma obra pouco badalada de algum diretor obscuro nascido em algum país esdrúxulo em tempos distantes. E essa experiência pode ser rica, diferente, suprema e causar um sono que, se não tratado, pode se tornar um coma. Ponto para o Hassum e para a mocinha que se deixa filmar brigando com uma colega de classe na porta do colégio: ambos têm o mesmo êxito em suas tentativas de alcançar público abrangente. E os fãs de Forman e outros diretores muito mais obscuros que continuem degustando suas obras favoritas – até porque elas correriam o risco de serem chamadas de “modinha” caso caíssem no gosto popular.


* Um desabafo: mais de uma vez ouvi uma “regra” de que se uma obra ganhou um Oscar de melhor filme, automaticamente ela pode ser considerada ruim. Gostaria apenas de aproveitar o espaço para deixar registrado que acho esta associação muito monga, mas menos do que quem a reproduz por aí.

Thursday, January 7, 2016

O despertar da Força

Demorei um pouco, mas nesta tarde fui o primeiro filme da nova trilogia Star Wars. Demorei um pouco para assistir a obra dirigida por J.J. Abrams porque, sinceramente, eu perdia um pouco do entusiasmo conforme a estreia se aproximava e o hype nas redes sociais explodia. Além disso, quanto mais filmes eu assistia, menos as trilogias anteriores faziam meus olhos brilharem devido a alguns furinhos na história, interpretações limitadas como a de "Manequim" Skywalker, à fragilidade duma ditadura que desmoronou pela galáxia inteira assim que seu líder foi morto e.... sinceramente, muito graças aos ewoks. Não dá para acreditar que um exército de ursinhos carinhosos conseguiria fazer frente a um exército com poderio bélico como era a o imperial. Mas enfim, apesar disso tudo fui ao cinema porque não custava nada dar uma chance a um novo filme, com novo diretor, com novos donos e que dá início a um novo arco.

"He was a good friend"

Como o filme já saiu faz vários dias, vou comenta-lo sem tantos detalhes do enredo e com alguns spoilers - e se você não o viu, melhor ir ao cinema do que perder tempo com esse post.

Apesar de já ter visto algumas vezes os filmes anteriores e possuir seus DVDs, não posso ser considerado um grande fã da série. Conheço a história e seus personagens, mas nunca vi nada dos muitos materiais adicionais, como quadrinhos, animações e livros. O máximo que explorei além dos próprios filmes foram os jogos Lego Star Wars, mas estes tratam exatamente dos mesmos enredos dos filmes.

Portanto, eu que não sou lá grande fã e que ainda por cima desanimava com a série, fui ver pela primeira vez um filme da saga no cinema. Sim, eu havia visto todos, mas em casa, porque só me interessei pelos filmes tarde demais, meio ano depois do lançamento de A Vingança dos Sith. E assisti aos anúncios, aos alertas de segurança do cinema, aos trailes... e quando aquelas letrinhas azuis formaram a frase "A long time ago, in a galaxy far, far away..." eu já sentia meu braço arrepiado. Então veio aquele primeiro acorde estrondoso junto com o nome da série e, porra, que sensação mágica! George Lucas, esqueça tudo que eu disse de ruim sobre a série! Tá tudo certo, inclusive o Jar-Jar Binks!

Ok, me exaltei por um instante, mas vamos à história. O sétimo episódio começa trinta anos depois de O Retorno de Jedi. O Império foi derrubado, porém parte de seu contingente se organizou numa nova entidade, a Primeira Ordem, que luta para derrubar a República. Luke Skywalker, um dos últimos Jedis, está desaparecido e a Ordem o procura para executa-lo. Sua irmã Leia tornou-se general da Resistência, grupo que luta pela manutenção republicana. A primeira cena é em Jakku, planeta desértico similar a Tatooine, onde o piloto Poe Dameron (Oscar Isaac) pede a seu dróide BB-8 que ele entregue à resistência um dispositivo com informações sobre o paradeiro de Luke.

Aqui faço uma pausa para comentar: essa cena lembra bem a cena de Leia em Uma Nova Esperança, em que ela entrega a R2-D2 um dispositivo com um pedido de socorro. Essa foi uma das referências mais sutis, mas achei um pouco exagerada a quantidade de menções, frases repetidas, símbolos e até personagens que homenageiam os outros filmes. A história já acerta pela sua continuidade e pela fidelidade ao estilo anterior, então não precisa desses artifícios para mostrar aos fãs mais rígidos que a saga está em boas mãos agora que Lucas não cuida mais dela.

Rey, BB-8 e Finn
De volta à história: Poe é capturado pela PO e mais tarde torturado/interrogado por Kylo Ren (Adam Driver), o novo mascarado, além de neto de Darth Vader e filho de Han Solo e Leia, enquanto BB-8 consegue fugir. O robozinho encontra Rey (Daisy Ridley), uma mulher que vive na sucata duma nave e que recolhe ferragens em troca de comida. Ela acompanha o robô gorducho até o ponto de venda de materiais e quase sucumbe a uma proposta por ele, mas prefere proteger o robô a entrega-lo. Neste ponto de trocas ela encontra Finn (John Boyega), ou FN-2187, homem que trabalhava como stormtrooper da Primeira Ordem e que havia abandonado seu posto numa tentativa de salvar Poe - presumidamente morto na tentativa de fuga. Rey e Finn fogem de Jakku a bordo uma "lata velha", a Millenium Falcon. Mais tarde foram interceptados por Han Solo e Chewbacca, que ajudam os dois fugitivos a levar a mensagem a Leia e à Resistência.

O quarteto viaja até Takodana, onde podem conseguir informações de como levar a informação à Resistência. Neste planeta Rey tem seu primeiro contato com o sabre de luz que pertencia a Luke e, creio, com a Força. A Ordem ataca com sua arma, a Starkiller, e destrói os planetas que abrigam a capital da República. Enquanto a frota da PO ataca Takodana e destrói a cantina onde Rey e os outros personagens estavam, reforços da Resistência chegam e protegem a área, mas Rey já foi capturada por Kylo Ren. Entre os reforços está Leia, cujo reencontro com Solo foi um dos momentos mais tocantes do filme - algo simples e natural, mas que não havia entre Padmé e Anakin. Um ataque à arma Starkiller é organizado e a frota ajuda a destruir o planeta usado como arma pelos insurgentes, com a ajuda de Finn, Rey, Chewbacca e Han, que trabalharam de dentro da base inimiga para desabilitar suas defesas. Han, no entanto, é morto por seu filho Kylo, que precisa se livrar de qualquer laço para poder se unir integralmente ao lado negro da Força. As últimas sequências mostram a revelação da localização de Luke, que é visitado por Rey (filha dele, suspeito).

Assim termina o filme, do qual gostei, mas não achei lá tão espetacular quanto alguns amigos mais entusiasmados fizeram parecer. Ainda é o começo da trilogia, então a história começa mais devagar devido à apresentação e desenvolvimento de novos personagens. No geral DDF tem algumas semelhanças com Uma Nova Esperança e há alguns indícios de que o oitavo filme gire um pouco mais em volta de Kylo e Rey, que devem desenvolver suas habilidades com a Força - ele está longe de ser um mestre e ela está quase tão crua quanto Luke no fim de UNE. Falando em ritmo da história, gostei da forma como o lado mais "político" da trama é explicado, mas de maneira mais econômica do que aquelas cenas dignas da TV Senado da trilogia moderna. 

Kylo e os stormtroopers, que não são mais clones
Sobre as interpretações, também as achei muito positivas, mesmo mantendo a tradição de atores não tão renomados. Rey saiu uma personagem cativante e carismática com todas suas habilidades de prodígio como mecância, piloto e até Jedi - e o melhor: sem aquele jeito mala de criança-prodígio participante do programa do Raul Gil. Finn é mais irreverente e quebra a tensão de algumas cenas com suas trapalhadas e tentativas de ser cara-de-pau, mas a dose de humor está bem medida e não ficou exagerada. Kylo Ren não será um novo Darth Vader, mas ainda pode se tornar um ótimo antagonista. Creio que foi um erro já terem tirado seu capacete neste primeiro filme. A revelação dum jovem inseguro sobre suas capacidades e incerto até sobre sua inclinação ao lado negro da Força o humanizaram duma forma que não permitirá ao público criar aquela aura de terror que havia ao redor de seu avô, Anakin Skywalker.

Quanto aos atores da trilogia clássica: Harrison Ford foi o mais exigido e cumpriu bem seu papel, com uma vivacidade de quem bota o coração no que faz, encerrando sua participação na série de maneira emocionante. Carrie Fisher teve bem menos tempo de tela, mas sua participação esteve à altura da de seu companheiro e imagino que ela tenha um papel importante no desenrolar da série. E Mark Hamill aparece brevemente na última cena do filme, por mais ou menos um minuto, creio. Foi uma participação mínima, apenas como uma confirmação: sim, ele está vivo - e ficou a cara do Zizek.

Valeu muito a pena ter gasto uma tarde das minhas férias no cinema e agora já aguardo os próximos filmes da trilogia. Não vou aparecer na pré-estreia vestido de Jedi madrugando na fila do cinema, mas estarei lá, mais cedo ou mais tarde.

Monday, January 4, 2016

Inexorabilidade

"Você não está ficando careca?". Foi com essa pergunta da minha irmã, há quase dez anos, que confirmei: aquele redemoinho no alto de minha cabeça não era um amassado crônico ou um motim de meus cachos. Era algo definitivo e cujo desenvolvimento eu não poderia impedir. Ok, talvez eu pudesse buscar algum tratamento ou até apelar para um vergonhoso combover, mas sempre acho mais honesto e digno aceitar a calvície de cabeça erguida e cara ao sol. Aos poucos aquele pontinho amadureceu e encontrou-se com as entradas vindas da testa, completando "a volta da pracinha", como disse João Gordo em algum de seus programas na MTV. E por volta do fim de 2016 comecei a raspar a cabeça, ainda com o pente 2, mais tarde o 1 e finalmente o 0, quando eu já tinha a máquina e passei a raspar meus próprios cabelos com a ajuda de espelhos.

Sean Connery com um gorrinho conveniente
Os primeiros anos não chegaram a ser problemáticos, mas houve algum problema para que eu aceitasse aquela calvície tão prematura. Não me incomodava ficar calvo, mas que isso acontecesse por volta de meus 22 anos de idade. Levou algum tempo até eu achar isso algo menos trágico: a superação veio com a ajuda (involuntária e inconsciente) de outros jovens calvos, entre eles o ilustre Sean Connery, ator já bastante maduro com quem compartilho o dia de aniversário e a calvície precoce. Antes de qualquer acusação de favoritismo ou falta de imparcialidade, saiba toda a internet que o escocês já era meu intérprete favorito de James Bond muito antes que eu soubesse dessas curiosidades. Também gosto do trabalho dele em Os Intocáveis, Indiana Jones e a Última Cruzada, Caçada ao Outubro Vermelho, Até os Deuses Erram, O Nome da Rosa, A Colina dos Homens Perdidos... Acho que já deu para deixar isso bem claro e posso encerrar a encheção de linguiça.

Enquanto numa frente eu recuava, em outra havia avanço. Ainda me lembro das piadas sobre ter bebido leite com Toddy para debochar dum rascunho de bigode que nascia lá por volta de 1997 ou do dia em que um fio (no singular) de barba nasceu na bochecha, um pouco destacado do couro cabeludo. Era ridículo, mas era o que havia à minha disposição. Os fios vagarosamente ocuparam espaço no queixo, o que me levou a arriscar um estilo a la Dimebag Darrell e, mesmo sem a pintura, isso foi motivo de zoação constante na minha vida, como diria um sábio fluminense.

E assim seguiu a evolução nos últimos 17, 18 anos: um fio virou um rabicho, mais tarde podado e por anos ocultado para retornar mais tarde, sumir novamente e dar lugar a uma barba, ainda que não tão cerrada, esta podada também e mantida baixa por quase todo o último ano com a mesma maquininha que uso para raspar o que resta de meus cabelos. Agora entro em 2016 em férias do trabalho e novamente ensaio deixar a barba crescer. Contando os dias em que não a raspei no ano passado, são mais ou menos trinta dias para que ela mostre a que veio. No começo do ano passado o visual foi testado não me agradou tanto, mas talvez agora a barba fique melhor por estar mais cerrada e com menos falhas. Além da maior concentração dos pelos, outra novidade são alguns fios brancos que despontam e se destacam em meu queixo e até no bigode.

SK8
Somando a infantilização dos adultos de minha geração (vide foto ao lado) ao prolongamento da expectativa de vida e aos casamentos e geração de filhos cada vez mais tardios, não sei em que proporção cabelos brancos e até rugas são indicadores de amadurecimento ou apenas do passar dos anos. Já escrevi em 2012, antes de completar 30 anos de idade, sobre as primeiras rugas que apareciam em meu rosto e, como previsto no post, elas se aprofundaram um pouco no decorrer destes anos.

Outras previsões corretas: mais virei velho do que envelheci, fiquei mais rabugento e passei a evitar saídas que já se anunciam antecipadamente como roubadas - embora eu tenha me tornado mais honesto e agora os recuse de forma direta, sem desculpas ou artifícios. Arruinei um relacionamento poucos meses depois do post graças ao meu comportamento desconfiado e receoso, mas com ele aprendi a entregar meu coração novamente. Meus votos eram de "percorrer com tranquilidade a estrada sem paradas do tempo" e agora que o faço, sou corroído pelo tédio. As rugas eram causadas principalmente sorrisos, agora preciso que meu rosto seja marcado por rugas de tempos mais conturbados ou até mesmo por cicatrizes.

Thursday, December 31, 2015

Cinco filmes - 2015

Mais um ano acaba e novamente decidi listar cinco dos filmes dos quais mais gostei neste período. Minha meta era de 50 no ano, mas pude supera-la bem e cheguei a 84, mesmo com o tempo investido em estudos e trabalho nestes últimos meses. Houve um pouco de tudo, como animações (Divertida Mente não entre na lista, mas vale a recomendação), drama, ação, romance e até musicais, além de uma ou outra série – aqui cabe uma salva de palmas a The Sopranos, que só vi agora e que valeu cada cena de cada episódio.

Algo que me ajudou um pouco foi o uso de algumas listinhas temáticas que mantenho numa planilha de Excel. São listas curtas, de até dez filmes cada e dividas por temas: listas por ator ou atriz, direção, algum tema em comum, indicados ao Oscar, entre outros. Aliás, sobre temas em comum, comecei a seguir uma página de cinema no Facebook, a Taste of Cinema, que divulga sempre listas. Às vezes algumas delas são esdrúxulas ou cujos critérios não são muito respeitados, mas dali já colhi boas recomendações.

Ok, acho que já enrolei o suficiente, então vamos aos meus filmes favoritos do ano.

Um Violinista no Telhado (Fiddler on the Roof, 1971)
Pois é: há um musical na lista. A história, apresentada muitas e muitas vezes na Broadway antes de virar filme, começa com uma apresentação de Anatevka, um vilarejo de judeus localizado nas regiões rurais da Rússia, nos primeiros anos do século XX. A apresentação é feita por Tevye (interpretado pelo cantor Topol), patriarca que explica como a vila judia respeita tradições antigas e cada integrante seu tem um papel bem definido como pais, as mães, filhos, rabino, casamenteira. 

Tevye acrescenta que o povo judeu conseguiu manter relativas coesão e unidade através de tantos séculos - e apesar da diáspora - porque há esse apego às tradições, embora vivamos num mundo onde a mudança é o único evento de ocorrência constante e garantida. E daí ele cria a analogia que dá nome ao filme, pois manter vivos seus costumes através dum turbilhão de mudanças seria como “tentar arriscar uma canção simples e bela sem quebrar o pescoço”.

Logo após esta apresentação, no entanto, o tradicionalismo de Tevye já é posto a prova quando a mais velha de suas cinco filhas, Tzeitel (Rosalind Harris), tem seu casamento arranjado com o já maduro (quando digo “maduro”, me refiro a um homem já de barbas brancas) açougueiro da vila, Lazar Wolf (Paul Mann) e a moça recusa o acordo feito pelo pai porque ela prefere se casar com o jovem, mas pobre alfaiate Mótel (Leonard Frey). Adicionalmente, as duas outras filhas em idade de casar também escolhem seus companheiros sem a intermediação da casamenteira, uma delas inclusive se apaixonando por um rapaz russo - e não-judeu. Fora de casa, Tevye também convive com um rapaz socialista revolucionário e com o crescente antissemitismo vindo das comunidades russas vizinhas. E ainda assim, no decorrer do filme, ele busca assimilar as mudanças enquanto se prende às suas tradições, embalado pela excelente trilha sonora adaptada por John Williams.



Paris, Texas (1984)
Travis Henderson (Harry Dean Stanton) começa o filme vagando por um deserto no sul texano, local onde passou os últimos quatro anos de sua vida. Dali sai e é atendido por um médico, que localiza o irmão de Travis para que eles se reencontrem. Walt Henderson (Dean Stockwell) encontra-se com Travis e tenta leva-lo de volta a Los Angeles de avião, mas o andarilho não aceita viajar desta maneira e obriga a volta a ser feita de carro, atravessando alguns estados com Travis ainda em choque e incapaz de falar qualquer coisa por boa parte do caminho.

O tema central do filme são reencontros. De Travis consigo mesmo, com a sociedade, com seu irmão, com a família de seu irmão, com seu filho, agora adotado por Walt; e finalmente com sua mulher Jane (Natassja Kinski). É um filme um pouco difícil de descrever sem entregar a história, que começa a se desenrolar devagar e revela seus ingredientes de forma que envolve e prende o espectador. Em vez de uma foto, compartilho uma cena em que Travis passa por um homem que prega do alto duma ponte. O vídeo não tem legendas e o que é dito nem é lá tão relevante, o que importa mais é a forma como o protagonista se encontra com outro pária e sente alguma empatia por ele, como é visto pelo tapinha nas costas dado quando se “despedem”.



Ran (1985)
Já não lembro exatamente quando foi, se já em 2015 ou ainda em 2014, mas vi este vídeo feito por um estudante de cinema a respeito do trabalho do diretor japonês Akira Kurosawa. Ele trata principalmente sobre a forma como o diretor usa elementos secundários, como a chuva e figurantes, para dar movimento às suas cenas. Depois de ver o vídeo busquei alguns trabalhos dele: Rashomon, Yojimbo - O Guarda-costas, O Idiota e o último filme que vi dele, Ran (“Caos”, em português). O filme, criticado no Japão por tratar a narrativa de maneira mais ocidentalizada, é uma produção épica franco-japonesa inspirada em Rei Lear, de Shakespeare.

A história conta sobre a família de Hidetora (Tatsuya Nakadai), um senhor da guerra já consumido pela velhice. Ele decide, após uma caçada, dividir seus territórios entre os três filhos: Taro Ichimonji (Akira Terao), o primogênito e novo cabeça da família; Jiro Ichimonji (Jinpachi Nezu) e o caçula Saburo Ichimonji (Daisuke Ryu). O filho mais novo tenta alertar a seu pai que a medida é precipitada, mas o pai insiste em mante-la. Saburo avisa que algo pode influenciar os irmãos e que sua união pode ser desfeita, mas o pai não o leva em consideração. Pior: Saburo é deserdado e expulso dos territórios da família.

Depois de contar como o filho excluído foi aceito por outra família da qual faria parte graças a um casamento arranjado, Kurosawa retorna aos dois irmãos e a Hidetora. Como previsto, surgem conflitos entre o patriarca e seu filho mais velho Taro devido às disputas entre os dois sobre quem efetivamente comandava o palácio e as terras da família. Jiro também é procurado por seu pai, mas não o acolhe por se sentir desfavorecido pela escolha de seu irmão para assumir o papel de novo líder. Humilhado e enlouquecido, o velho começa a vagar pelos campos enquanto seus dois filhos mais velhos entram em guerra e um dos conselheiros que manteve fidelidade a Hidetora busca Saburo para uma possível reconciliação.

Ainda que visualmente seja deslumbrante, esta é uma obra brutal, violenta e crua em sua narrativa. Kurosawa narra uma disputa irrefreada pelo poder, sem espaço para piedade ou sequer gentilezas entre seus partícipes – ao contrário de um filme sobre a máfia italiana, por exemplo, onde se mantêm aquelas relações amistosas e dúbias com inimigos mortais.



O Homem que Mudou o Jogo (Moneyball, 2011)
Relutei por algum tempo para assistir esse filme por uma razão muito razoável: não consigo gostar de baseball e o acho um dos esportes mais insossos a ocupar as grades de programação dos canais esportivos. Pior: cada temporada é imensa e por meses a ESPN transmite aquelas horas de marmanjos mascando fumo, coçando o saco e fazendo pose para lançar a bola, que não deve ser atingida pelo batedor. Mas enfim, o post é para falar bem deste filme baseado em fatos reais e não mal do esporte.

Moneyball começa no fim da temporada de 2001, quando os Oakland A’s são eliminados da liga nacional. Billy Beane (Brad Pitt), gerente geral do time, perde seus principais jogadores e ainda tem a difícil missão de reformular o time com um orçamento bastante apertado. Seus conselheiros também não lhe ajudam, indicando contratações baseadas em critérios pouco ortodoxos: um atleta é rejeitado porque sua esposa é feia e isso seria um indício de baixa auto-estima, em um dos casos.

Billy sai então em busca de empréstimos de jogadores em outros times e na sede de um deles, o Cleveland Indians, encontra Peter Brand (Jonah Hill). Peter, um rapaz tímido e aparentemente não tão importante dentro do time do qual é funcionário, revela-se uma autoridade na reunião entre Billy e os dirigentes do Indians quando aponta quais atletas podem ou não ser emprestados. Na saída da reunião Billy procura Peter, pergunta qual é sua formação e quais critérios usa para tomar suas decisões quanto ao elenco. Peter explica que é formado em Economia e se baseia em extensas análises de estatísticas de vários atletas. Dias depois ele é convidado a trabalhar no time californiano e lá começa a implementar sua forma de trabalho. Há alguns obstáculos, questionamentos e derrotas no começo da disputa da liga, mas o time passa por ajustes e alcança uma sequência de vitórias que inspirou outras associações e reformulou a maneira como o baseball era administrado nos Estados Unidos.



A Vida Secreta de Walter Mitty (The Secret Life of Walter Mitty, 2013)
Este foi um dos últimos filmes que vi no ano, no domingo logo após o Natal. Ironicamente, eu o baixei faz tempo e porque ele estava numa lista de filmes do ator Sean Penn, que aparece numa participação discreta, de menos de cinco minutos. Ele interpreta o xará Sean O’Connell, um premiado fotógrafo da revista Life. Seu papel na história é enviar negativos de fotos para que o protagonista, o daydreamer Walter Mitty (Ben Stiller) os revele e as imagens sejam usadas na revista.

O filme começa com o envio dum rolo de negativos em que a foto de número 25, destacada por Sean como uma foto que pode ser a capa da próxima edição, não está no material recebido. Walter não consegue encontra-la, assim como não encontra o fotógrafo, que percorre o mundo desarmado de celular e redes sociais. Além da foto não encontrada, Mitty também precisa lidar com o risco de demissão causado pela mudança de formato da publicação, que passaria do meio impresso ao online e causaria uma redução drástica no número de funcionários.

Walter começa então sua busca pelo negativo com algumas informações colhidas em outras fotos do negativo e com algum apoio de Cheryl (Kristen Wiig), sua colega de Life Magazine e flerte. A busca cresce, sai dos três andares da empresa e cruza continentes para que o polêmico negativo 25 seja encontrado. De certa forma Walter Mitty me lembrou de Forrest Gump: são dois homens absolutamente comuns levados a protagonizar epopeias ainda que tivessem perfis improváveis para serem protagonistas de grandes aventuras.


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