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Thursday, July 4, 2013

Vá e Veja

Há alguns tempo conversava com o amigo Giovanni Rolla e, ao me recomendar ver A Ponte do Rio Kwai, ele deixou claro: não era um filme de guerra, mas um filme sobre a guerra. Assisti este ótimo filme inglês e desde então tenho observado mais atentamente estes títulos onde o foco é o protagonista e não suas ações: O Franco Atirador, Nascido para Matar e Apocalypse Now estão entre os maiores nomes do gênero. Estas obras consagradas, no entanto, não me marcaram como um filme russo que achei digno de todo um post por aqui: Vá e Veja.

Originalmente chamado Иди и смотри e lançado nos Estados Unidos como "Come and See", foi gravado em 1985 e lançado como comemoração pelos quarenta anos da vitória soviética sobre a Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Último trabalho da carreira do diretor Elem Klimov, foi visto por quase 30 milhões de pessoas apenas na União Soviética. O título é inspirado numa passagem do livro de Apocalipse a respeito da passagem dos Quatro Cavaleiros - Morte, Guerra, Fome e Peste - pela Terra. Uma curiosidade: os uniformes usados nas cenas eram todos reais, tão reais quanto as balas disparadas rente aos atores.

O filme começa com o protagonista, o menino bielorrusso Flyora, em sua busca por alguma arma que pudesse estar perdida perto de sua casa. Ele encontra um rifle e, apesar dos pedidos de sua mãe, une-se a um destacamento de combatentes. A princípio ele apenas cuida da manutenção do acampamento e é incumbido de tomar conta da retaguarda enquanto os partisans realizam manobras, sem realmente participar do combate aos alemães.

Flyora é surpreendido pelo bombardeio
Entediado, ele deixa o acampamento e nas matas conhece a garota Glasha. Um bombardeio interrompe as brincadeiras dos dois e aí começa a sequência de acontecimentos que constroem o enredo do filme: os jovens tentam retornar à casa de Flyora, partem em busca da desaparecida família do rapaz e encontram fugitivos do cerco nazista. O protagonista sai para buscar comida e rouba uma vaca, mas não consegue levá-la de volta aos seus compatriotas. Faminto, chega ao acampamento de refugiados junto com os nazistas e vê os habitantes do vilarejo serem dominados pela tropa nazista.

O enredo, que descrevi brevemente, não apenas parece caótico: ele realmente o é - e também brutal e desesperador. Vítimas são baleadas, queimadas vivas, humilhadas, espancadas e estupradas gratuitamente. Flyora passa quase todo o filme amedrontado, em fuga constante. Não há discursos edificantes nem diálogos profundos. Estas duas horas de crueza e violência são extremamente desagradáveis de se assistir, exatamente como um filme de guerra deveria ser. Graças a Deus não sei o que é viver uma guerra de perto (exceto pelo número de crimes violentos cometidos no Brasil anualmente) mas até de longe é óbvio que não há muito de orquestrado, previsível ou até lógico quando dois exércitos se encontram. Há também a decadência moral dos engolidos pelo combate: daqueles com a vida por um fio, em condição inferior à de um rato e também daqueles deuses de carne, osso e armamento pesado, senhores de vidas e almas.

Este  filme me lembrou do livro Nada de Novo no Front, do alemão Erich Maria Remarque. Erich lutou na Primeira Guerra Mundial e contou nesta obra como era o cotidiano dos soldados. Há momentos de pânico, terror e até infantilidade protagonizados por rapazes mal saídos das escolas, uma imagem muito mais verossímil de batalhões formados por rapazes de 18 anos de idade. Esta transparência expôs as entranhas da máquina de guerra alemã e gerou desconforto no país, mais notadamente junto ao partido Nacional-Socialista - livros de Remarque foram dos primeiros a serem queimados quando Hitler chegou ao poder.

Não creio que seja tão fácil conseguir uma cópia desse filme, eu inclusive a vi apenas porque fiz o download, mas recomendo a quem é fã de História e de filmes de guerra que se esforce para assistir Vá e Veja. Assim como A Queda, Stalingrado e Roma, Cidade Aberta, este é um filme impactante e instigador da reflexão. Até dá para fazer um contraponto dos filmes de guerra europeus com os americanos, estes portadores duma visão mais poética e os do Velho Continente, mais sisudos por estas memórias estarem tão mais próximas dos povos europeus. Finalizando: Vá e Veja é uma boa oportunidade de conhecer o cinema russo, desmistificar o cinema europeu e ver de maneira insuportavelmente realista o que é uma guerra - pelo menos aos olhos dos russos.
 

2 comments:

  1. Vou atrás. Só um adendo ao post, no livro "Fui Guarda Costas de Hitler" Rochus Misch desmente algumas coisas do filme A Queda, entre elas, aquelas festas sem fim e também os ataques histéricos do homem.

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  2. Sensacional ! Beijos, Gab

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comentários

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