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Tuesday, August 31, 2010

Fábula

Aquele rico senhor de engenho (não o mesmo da fábula que escrevi anteriormente, apesar de ambos terem suas semelhanças), após um período de vacas magras, passou a acreditar piamente na satisfação do cliente. Mesmo pedidos cabíveis, como não maltratar seus trabalhadores, eram contidos - a missão era satisfazer o cliente e não o contrário. Além dessa subserviência toda, o patrão gostava de inovar, mas nem sempre suas inovações importavam tanto para a empresa e para o mundo quanto ele gostaria.

"Em casa de ferreiro, espeto é de pau", como todos muito bem sabem. Pois bem: algumas dessas invenções eram realmente interessantes e cativavam a clientela, mas só iam da porteira para fora, nunca em direção ao interior da fazenda. Lucrativas colheitas muitas vezes eram obtidas com esforços hercúleos de todo o plantel de funcionários. Para o cliente, porém, nada disso era visível, apenas seu produto belo e bem arranjado - mesmo que com ferramentas de trabalho precárias.

Reunião trimestral de planejamento
Um dia, porém, o fazendeiro causou grande expectativa no engenho: criaria uma máquina que acabaria com todo o trabalho de colheita no canavial. Alegria, entusiasmo e alívio se espalharam por todos os rostos, exceto por alguns já calejados com tantas surpresas que caíram por terra. O burburinho era geral: trabalhar seria mais prático, haveria mais tempo livre para aprender atividades novas, todos os problemas ali seriam minimizados. Alguns chegavam até a sentir certo receio de perder o emprego - tão eficiente que seria a máquina.

Chegou então o grande dia e o invento revolucionário foi apresentado. Abriram-se as cortinas e revelou-se a tal da colheitadeira automática. Suspiros foram ouvidos, houve aplausos e muitos se abraçaram - principalmente os convidados do anfitrião. Começaram então a demonstração, já que a curiosidade coletiva era incontrolável. Para surpresa de todos, o dono do engenho pediu que um dos funcionários cortasse alguns pés de cana. "Deve ser para não gastar o maquinário", pensaram alguns, claramente confusos.

Um rapaz se adiantou, cortou alguns pés e os entregou ao dono do engenho. Este não os aceitou e, rindo, disse que a cana precisava ser preparada antes. "Assim o cliente não vai ficar satisfeito!!", gargalhou o patrão. Antes era preciso cortar as pontas, arrancar a casca, abastecer a máquina com combustível e, aí sim, passar a cana pela colheitadeira. Quando muitos já percebiam que aquilo não ajudaria em absolutamente nada a tarefa, eis que finalmente a novidade foi posta em prática.

A cana, que tanto trabalho ainda continuaria dando aos trabalhadores, era esmagada e dela escorria um líquido amarelado, tão açucarado que atraía abelhas dos arredores. Muitos já salivavam com a expectativa de provar aquele néctar, mas ninguém se arriscava a pedir um gole. O senhor do engenho, então, pediu uma caneca e falou para o capataz enche-la. Tomou largos goles, se lambuzou e riu fartamente com o sucesso que sua criação faria. Alguns de seus convidados também provaram, riram e comemoraram o invento. Os trabalhadores, no entanto, continuaram tentando entender como o tal do progresso iria realmente trazer melhorias - embora alguns continuassem crente de que aquela máquina seria muito positiva, mesmo sem compreender qual era sua utilidade.

Moral da história: "O homem é um animal que adora tanto as novidades que, se o rádio fosse inventado depois da televisão, haveria uma correria a esse maravilhoso aparelho completamente sem imagem". Millôr Fernandes ou então, um simples: "Nem tudo é o que parece".

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