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Thursday, May 23, 2013

Charlinho

A Internet eliminou distâncias e fez com que nosso mundo, às vezes já chamado de pequeno, tornasse-se ainda menor. O comércio alcança novos continentes em alguns cliques, conhecimento é transmitido a milhares de pessoas simultaneamente e interesses conseguem unir estranhos através duma simples hashtag, dum fórum ou de grupos de discussão. Esta afinidade de gostos e hobbies, por vezes, rende mais virtualmente do que na "vida real": há alguns anos mantenho contato constante com amigos de duas comunidades do Orkut, inclusive encontrando-os pessoalmente quando possível, enquanto raramente revejo a turma de amigos da faculdade.

Através de uma destas comunidades do Orkut, a Não ao Futebol Moderno - e seu desmembramento, a Frente Nacional dos Torcedores - fiz amizade com gente de todo lado do Brasil e com todo tipo de formação: de religiões distintas ou de nenhuma delas; trotksistas, libertários, anarcocapitalista, stalinistas, anarqusitas e conservadores; gente de pouco ou muito dinheiro no bolso; torcedores duma variedade de times vasta o suficiente para organizar um campeonato de bom índice de audiência. Um desses amigos, destacado neste post, foi Charlinho.

O mineiro Tcharley Tavares da Silva arrebanhou amigos e admiradores por seu jeito de gentil ogro caipira. Num momento em que se usa tanto a Internet para se propagar uma imagem de suposta sofisticação, Charlinho nunca pretendeu ser mais do que aquele amigo fanfarrão de paixões intensas: pelo Galo e pelo futebol, pela cerveja, pelas mulheres, pelos carros antigos e pela vida simples. Este atleticano fanático, no entanto, deu um direcionamento inesperado a toda essa intensidade nesta última segunda-feira, dia 20 de maio de 2013.

Negou o mundo, a vida e qualquer possibilidade de solução para seus problemas. Antes que algo o consumisse e o perturbasse ainda mais profundamente, decidiu dar um fim a seus tormentos - e também abriu mão de todo um futuro interrompido logo aos seus vinte e quatro anos. Os motivos que o levaram a este gesto extremo, eu desconheço - e já nem são mais relevantes agora que o dano é irreversível. O que ficou, no entanto, foi a gigantesca repercussão pela morte de Charlinho.

Recebi a notícia através dum amigo ponte-pretano. Aos poucos vi paranaenses, gaúchos, baianos, mineiros, goianos, fluminenses, outros paulistas e até um sérvio lamentando este óbito. Os laços que o futebol gerou, Charlinho acidentalmente estreitou-os como um mártir após seu ato de desespero. Aquela gente de todo canto, de diferentes ou nenhuma fé, de tantos posicionamentos políticos distintos: todos se uniram para lamentar esta morte e, da maneira que fosse possível, encontrar amparo para lidar com a repentina e brutal perda - com algum depoimento, a publicação de alguma foto tirada com o amigo ou bebendo um pouco como forma de homenagem. Esta é, aliás, a lição que se pode tirar desse episódio todo: encontramos sim amizades verdadeiras e marcantes aqui na Internet, mais pela sintonia de interesses do que por convivência e proximidade. É melhor um ombro tocável ou um ouvido distante, mas atento ao que dizemos?

Enfim, o mundo perdeu um atleticano fanático, beberrão, mulherengo, boca suja, sem papas na língua e que não abaixava a cabeça para ninguém. Para não ficar só nas qualidades, apenas lamento que minha antiga simpatia pelo Galo só aumentou e agora terei a ingrata missão de torcer pelo clube alvinegro nesta Libertadores como se fosse meu próprio time em campo. Já que citei o Atlético, isso me lembra de Roberto Drummond e sua frase sobre o Atlético: "Se houver uma camisa preta e branca pendurada no varal durante uma tempestade,o atleticano torce contra o vento". Descanse em paz, Charlinho, daqui a gente vai tentando lidar com a sua perda, mesmo que isso seja mais difícil do que torcer contra o vento.

"Cada gole é um flash", como ele mesmo comentou

5 comments:

  1. Que lindo, que lindo esta homenagem! Amei Luiiz.. Voce é um bom amigo! Parabéns pela sua simpatia.

    Beijo Gab.

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  2. Luiz, a sua mensagem me tocou muito pois conhecia o Tcharley, e retratou bem a imagem dele em minha vida. Parabéns pela homenagem. Abraço Luiza.

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  3. Obrigado pelo comentário, Luiza. Se até agora a ficha não caiu de verdade para mim, amigo até distante, não consigo imaginar como está sendo para quem o conheceu. Muita força e um abraço!

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    1. Tcharley ia sempre em casa e brincava com a cachorras e minhas filhas. Ficava em casa lendo jornal, tomando café e conversando com a mãe dele. É uma perda e uma dor muito grande. Procurando fatos, rede social etc.. encontrei sua mensagem. É bom saber que ele tinha amigo como vc, que com certeza ele levou consigo essa amizade. Gostei dos seus blogs. Abraços.

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