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Tuesday, September 17, 2013

Interseção


Há três anos e alguns meses moro numa zona de interseção entre dois bairros: quando digo meu endereço automaticamente acrescentam um "Cambuí, né?" ao final do nome da rua, porém preciso didaticamente corrigir com um "na verdade, Centro". Às vezes é mais fácil mesmo falar Cambuí, principalmente para não gastar tempo com debates sobre loteamento e a forma como a Prefeitura enxerga as divisões da cidade, mas às vezes é mais conveniente dizer que moro na região central - ainda mais se eu puder evitar de ser chamado de "playboy" em tom pejorativo. A peculiaridade sobre essa pequena área entre a Júlio de Mesquita e a Anchieta, porém, é reunir características positivas e negativas dos dois bairros que a cercam.

Há espaço para a loja de roupas exclusivas, o café sofisticado, o alfaiate fino e até um restaurante renomado. Suspeito que exista até uma unidade do tal colégio Hollister por aqui. Não o vi ainda, mas já vi muitos jovens uniformizados com camisetas desta marca. Por falar em marcas de roupas, por aqui dá para sair de casa trajado com um certo desleixo - aquela desarrumação calculada - e não chamar atenção negativa, mas também não é considerado exagero se arrumar e até se maquiar para passear com o cachorro ou sair para comprar cigarro.

Comentei dos comércios mais requintados, mas estes seriam o "lado Cambuí" deste corredor urbano. A padaria simples do pingado servido no copo americano, o boteco "copo sujo" e os salões de beleza com aquela tradicional aura de intimidade e fofoca da clientela formam o contraste com a opulência do bairro mais rico, armado de bistrôs, bares de contas exorbitantes e centros de estética. Este é o rincão dos que saem de casa de chinelo, bebem cerveja nas calçadas dos bares e só aceitam pagar R$ 10,00 num misto-quente da Riviera caso estejam com namoradas novas.

Nutritivo, saboroso e com oscilação de mais de 100% no preço

Agora saindo dos exemplos vagos surge um exemplo bem promissor. Como já citei em outros posts, moro perto do Red Lion e de algumas freelancers eróticas. Apesar de ser uma área de atuação tão condenada ou exatamente por causa disso, este núcleo é cuidadoso em relação ao seu comportamento para não incomodar a vizinhança com barulho e falta de pudor. Cabe até um elogio: neste período de convivência com estes vizinhos não tive problema algum com eles. Já aconteceu de eu ouvir as risadas e gritos de alguns bêbados eufóricos ainda nas primeiras horas da madrugada, é verdade, mas não dá para culpar um bar pelo contentamento de seus clientes. 

Pois bem. No último domingo ouvi música alta e achei que vinha do Centro de Convivência. O som não vinha da direção que eu esperava, então achei que alguma banda tocava no Novo Hambúrguer, o boteco mais próximo. Achei até que poderia vir do Red Lion, num lapso de cuidado. Olhei pela janela e percebi que estava enganado: um edifício recentemente construído estava todo iluminado e testavam uma aparelhagem de som com música gospel. Sim, é isso mesmo: o contraste já supracitado será intensificado com a coexistência de um puteiro e uma igreja. O curioso é que posso somar todo o barulho vindo do Red Lion nestes três anos e não vai chegar nem perto da passagem de som (não foi nem um culto de verdade ainda) deste vizinho que ainda nem chegou. E impressiona como o mundo dá voltas: hoje torço para que uma igreja se inspire num prostíbulo para não se tornar um incômodo.

E o que vem por aí? A vizinhança pressionará a igreja para manter o volume baixo? Qual igreja será essa, aliás? O Red Lion se apoiará sobre o precedente, esse permissor de erros repetidos, para fazer barulho? O que será das moças que oferecem seus corpos e habilidades na calçada oposta? E o mendigo negro, gay e obeso que invadiu um terreno baldio vizinho da igreja, deixará de ser um campeão da exclusão e se tornará um irmão? Parafraseando o ponderadíssimo maestro das palavras e paladino do futebol arte Wianey Carlet: Red Lion ou igreja estrondosa, o futuro dirá quem foi melhor para o bairro.

4 comments:

  1. Fazia tempo que eu não ria tanto! Sensacional o testo, Luiz!

    "Freelancers eróticas" me lembrou o tratamento diferenciado que o Fantástico esse domingo deu ao querido estilista italiano Versace, assassinado por um michê, quando disseram que ele "frequentemente se utilizava de serviços de acompanhantes masculinos".

    Eu também morava no limbo entre o Centro de Convivência e o Cambuí. A localização era ótima. Dava pra ir a pé pra qualquer lugar. Só que a questão dessa dualidade do bairro era uma sacanagem.

    Se você entrar no site dos correios e procurar pela Pe. Vieira, ele dirá que é centro. Só que na hora de pagar aluguel, iptu e as taxas de delivery dos restaurantes do centro era Cambuí.

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    1. hahahahaha é muito engraçado ver os contorcionismos que o pessoal faz pra escrever um eufemismo sair discreto. e essa questão dos bairros é assim mesmo: minha rua tem um pedaço marcado como cada bairro, mas na hora de pagar algum prestador de serviço ou algum entregador, aí sou morador do Cambuí (e por isso sai mais caro).

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  2. Hahahahahahah, Bahhh!

    Quando eu morava em Monte mor, se alguém me perguntava: Onde que tu mora... Ai eu falava: Em campinas. Que lugar de campinas? Ahh então, na verdade é em monte mor... é que ninguem conhece, hahahahha, puta desculpa!

    Acho que eu sou pior que tu no quesito de lugares! rsrsrs
    beijos

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