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Monday, September 2, 2013

Precipitação

Cláudio chega a sua casa desanimado. É começo duma madrugada de sexta-feira e ele conta com poucas horas para dormir e acordar antes de trabalhar, mas não tem sono. Deitado sozinho em sua cama e com as luzes apagadas, ele reprisa cada cena do péssimo encontro do qual acabou de sair. A falta de fluência da conversa, as gafes cometidas com perguntas incômodas, as lamentações de Marcela sobre seus antigos relacionamentos e seu crescente desinteresse durante o jantar transformaram estas poucas horas numa dolorosa e constrangedora experiência. Chegara a refletir se era cabível se desculpar a sua convidada por fazê-la sair de casa para passar por uma frustração destas, mas ele também se decepcionara e calculou que as decepções já estavam equilibradas. Despediram-se com um desajeitado "Então tá legal" e dois beijinhos na bochecha, uma tradição que Marcela levou do Rio de Janeiro, para deixarem bem claro que os dois não chegariam mesmo a ser um casal. Entre estas e outras ruminações e considerações, Cláudio consegue dormir.

Na manhã seguinte Cláudio chega ao trabalho e antes até de ouvir um "bom dia" é recebido por seu colega Felipe com uma dúzia de perguntas. Conta tudo o que deu errado: como não tinham nada a ver um com o outro, que a escolha dum jantar a dois era muito formal para um primeiro encontro e que Felipe deveria estar presente para quebrar o gelo nestes encontros que propunha - ou que pelo menos achasse amigas solteiras com mais chances de sintonia. Felipe pede desculpas e já sugere dois novos nomes, mas Cláudio os recusa:

- Você está solteiro e vive me recomendando amigas solteiras... aí tem alguma coisa de errado!
- Que desconfiança é essa!? Nunca ouviu falar que em casa de ferreiro o espeto é de pau? - indaga Felipe.
- Jamais ouvi uma desculpa mais esfarrapada. Nunca vi alguém ser altruísta em matéria de relacionamento. Além disso, se eu saio com as melhores das suas amigas e só tenho dor de cabeça, não consigo imaginar como anda a sua vida afetiva.
- Mas não é uma desculpa, é a realidade - Felipe começa a se irritar. E minha vida afetiva vai muito bem, obrigado, senhor fala-sem-conhecer.
- Perdão, perdão... mas ficamos assim: agradeço muito a sua proatividade, mas deixe que me viro sozinho a partir de agora - finalizou Cláudio.

Assim ficam acordados e Felipe não se dá mais ao trabalho de achar uma mulher para o amigo. Cláudio adota postura defensiva, quer evitar que se repita uma situação como a vivida com Marcela. E desta forma ele segue seus dias: preocupa-se com o trabalho, faz suas aulas alemão, gasta algumas de suas horas livres a pedalar pela cidade. Sai com Felipe esporadicamente, mas sem o "instinto de caça" defendido pelo amigo. Suas prioridades são apenas beber algumas cervejas e ver gente diferente, sem ambições de encontrar alguém nestas saídas.

Algumas semanas passam e Felipe, com seu inabalável ímpeto casamenteiro, propõe que Cláudio conheça uma amiga. Este mal começou a recusar a oferta e é advertido: "Calma! Desta vez vai ser diferente, ela não é minha amiga, mas da Stephany, moça com quem estou saindo. Nós quatro podemos sair juntos na quinta-feira: a Ste e eu; a Tati e você". Cláudio pondera e vê que a proposta é boa, principalmente por não carregar a rigidez da obrigação dum encontro. E assim o quarteto divide duas pizzas, alguns chopps e muitas risadas. Tatiana é gaúcha de Passo Fundo e viera à cidade para estudar e conseguir seu mestrado. Além de engraçada, bela e inteligente, ainda tem o sotaque cantado para lhe garantir um toque de exotismo. Cláudio não resiste e nesta mesma noite escreve um bilhete num guardanapo para convidá-la: propõe um encontro na noite de sábado. Ela confirma com um sorriso e devolve o guardanapo com seu número de telefone anotado.

No dia combinado ele a busca e vão a um bar próximo ao apartamento dela. O papo flui por horas e cobre todo tipo de assunto: viagens feitas e desejadas, as cidades de origem de cada um, hobbies, trabalho, estudos, filmes favoritos, livros lidos e objetivos de vida. Vão embora quando os garçons começam a varrer o chão do bar e desligam a música. No carro conversam e riem até chegarem à frente da casa de Tatiana. Eles se beijam agressivamente e ela não hesita em convidá-lo para entrar. Cláudio aceita e após duas taças de vinho os dois terminam a noite na cama de Tati.

Ela dorme nos braços dele e Cláudio relembra as últimas horas: o rápido entrosamento com a gaúcha, seu jeito cativante, o sorriso doce e a forma como a morena o ouvia atenciosamente, mas também sabia ser interessante e o seduzia, sentido por sentido. Mas uma fagulha de insegurança percorre insistentemente seus pensamentos: valeria a pena arriscar um relacionamento mais longo com uma mulher que já o aceitou em sua cama com tanta rapidez? E se encontrasse outro homem durante o namoro, agiria da mesma forma? Já teria transado no primeiro encontro em outra ocasião?

E sem se dar conta de que também transou no primeiro encontro, Cláudio joga fora a oportunidade de construir algo com esta incrível mulher. Não leva em consideração que talvez ela tenha ficado impressionada com ele, que já tenha decidido neste primeiro encontro levar adiante um possível relacionamento mais duradouro ou a simples possibilidade dela estar num momento em que se sentia solitária. Também não compara este encontro com o anterior e perde a chance de notar que se há ocasiões em que tudo pode dar errado, também há os encontros em que tudo funciona cinematograficamente bem. Após desconsiderar todas as semelhanças e a agradável noite compartilhada, Cláudio deixa que uma projeção sua afaste a tão espetacular (e real) mulher de duas horas atrás. E Tati? Vai lamentar não receber outra ligação, talvez chore, provavelmente se arrependerá, mas achará alguém antes de Cláudio - e tomará cuidado para não repetir um erro que sequer chegou a cometer.


3 comments:

  1. Nossa! Consegui identificar um pouco da minha história aqui e ali. Muito bom!

    Só uma ressalva: "Marcela é carioca - para deixarem bem claro que os dois não chegariam mesmo a ser um casal." não gostei dessa passagem. hahahahahahaha

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    1. ah, a observação sobre ela ser carioca é pra explicar os dois beijos na bochecha na despedida hahahaha mas tá meio ambíguo mesmo, vou mudar um pouco!

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