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Sunday, October 28, 2012

Argumentação força

Terminei de ler neste sábado o livro Como vencer um debate sem precisar ter razão, do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, recomendação da amiga Maju. É uma leitura relativamente fácil, pelo menos é mais simples de se ler do que o extenso, porém muito bem escrito (e necessário) prefácio de Olavo de Carvalho. O título do livro é auto-explicativo: Schopenhauer escreveu um guia com trinta e oito artifícios para se vencer um debate ou ao menos identificá-los e impedir o uso de algumas táticas de argumentação pouco honestas.

A própria obra de Schopenhauer e a defesa que o autor faz da mesma parecem se basear numa leitura tendenciosa (digo "tendenciosa" pois não estou certo se foi uma falha de compreensão) dos escritos de Aristóteles sobre a dialética. Arthur escreve que esta ciência foi definida pelo pensador grego como uma forma branda de vencer debates, mas a dialética é a troca de ideias em busca da verdade enquanto a erística, o verdadeiro tema de Schopenhauer, é apenas uma maneira de vencer debates, tendo-se ou não razão, por meios lícitos ou não. O alemão a chama de "dialética erística", porém essa definição é incoerente por serem a natureza das duas práticas conflitantes: em uma se busca a verdade e na outra impõe-se uma visão, mesmo que incorreta, através de ardis. Parece-me, então, que Arthur associa seu trabalho ao de Aristóteles e diz lapidá-lo, por objetivo que desconheço (talvez como promoção pessoal e forma de vencer seu rival Hegel?)

Entre os trinta e oito estratagemas descritos há alguns de uso muito comum, como a ampliação indevida, em que um argumento é aumentado e, extrapolados seus limites, o debatedor pode refuta-lo com mais facilidade - mesmo erroneamente. Por exemplo: A diz que um certo modelo de carro é muito rápido e B responde que ele não é tão espaçoso e nem tão barato, então A tem que corrigir seu adversário com um lembrete de que comentou apenas sobre a velocidade do veículo. Outro mecanismo são os argumenta ad hominem, em que se busca alguma contradição da fala dum debatedor com alguma posição política, filosófica ou conduta anterior. O exemplo do cidadão que se queixa de Berlim e ouve como resposta um "Por que você não vai embora na primeira diligiência?" pode ser lido e ouvido sem ser necessário muito esforço para encontrar alguma discussão em que este argumento seja empregado.
 
Estes dois exemplos foram mais simples e são práticas corriqueiras, porém há alguns mais contundentes - e ainda menos honestos, como a provocação para encolerizar o adversário, falsa proclamação de vitória após obter vantagem parcial num debate ou a manipulação semântica: através da escolha de certas palavras, pode-se criar uma imagem positiva ou negativa sobre algo. Nas palavras do próprio autor: "O que um chama 'manter uma pessoa em segurança' ou 'colocá-la sob custódia', seu adversário chama 'encarcerá-la'. Um orador delata com frequência sua intenção pelos nomes que dá às coisas". Outro dia fiz um post sobre progressitas, creio que esse grupo seja um grande exemplo prático de uso desse estratagema.

Concluindo, creio que a erística funciona bem como mecanismo de defesa perante debatedores ardilosos. Como o próprio Schopenhauer indica, alguns desses trinta e oito estratagemas exigem descaramento para serem utilizados - declarar-se vitorioso dum debate antes que a discussão possa ser desenvolvida é usar uma bomba atômica argumentativa. Recomendo então o livro, mas mais como um guia para desarmar adversários que procuram vias pouco sinceras de convencimento para vencerem seus debates.

Arthur Schopenhauer

Tuesday, October 23, 2012

Uma república, não uma democracia

Como o blog não tem sido muito atualizado por causa de minha indisponibilidade de tempo, traduzi um texto do congressita americano Ron Paul para movimentar um pouco os posts. Publicado originalmente no começo de setembro deste ano no auge das discussões sobre o polêmico "Obamacare" - a tentativa do governo americano de fazer com que toda a população esteja coberta por algum plano de saúde. Mais importante do que o ato do atual presidente, o texto disserta sobre a diferença duma república e duma democracia - e sobre como algumas liberdades individuais precisam ser antidemocráticas.

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A última semana marcou a conclusão dos grandes espetáculos financiados pelo contribuinte conhecido com as convenções nacionais dos partidos. É talvez muito revelador que enquanto 18 milhões de dólares de impostos eram garantidos a cada partido para estas desgastantes extravagâncias, uma quantia adicional de 50 milhões para ambos foi necessária para segurança em antecipação aos inevitáveis protestos de cada evento. Isto chega ao valor total de 136 milhões em fundos do contribuinte voltado apenas para atividades de militantes – uma gota no balde relativo à desastrosa situação fiscal, mas desgraçada de qualquer forma. Partidos deveriam ser bancados por conta própria, não pelo contribuinte.

Nestas convenções, líderes determinaram - ou fingiram determinar - quem eles desejariam que governasse a nação pelos próximos quatro anos entre inevitáveis, infindáveis exaltações de democracia. Ainda assim não somos uma democracia. De fato, os pais fundadores achavam o conceito de democracia muito perigoso.

Democracia é o mando da maioria sobre a minoria. Nosso sistema tem certos elementos democráticos, porém os fundadores nunca mencionaram democracia na Constituição, na Declaração dos Direitos dos Cidadãos ou na Declaração de Independência. Na verdade, nossas mais importantes proteções são decididamente antidemocráticas. Por exemplo, a Primeira Emenda protege a liberdade de expressão. Não importa – ou não deveria importar – se este discurso é desagradável para 51% ou até 99% das pessoas. Expressar-se não está sujeito à aprovação majoritária. Sob nossa forma republicana de governo, o indivíduo, a menor das minorias, está protegido da massa. Infelizmente, a constituição e suas proteções são cada vez menos respeitadas e temos silenciosamente permitido à nossa república constitucional regredir a uma democracia social corporativista e militarista. Leis são quebradas, silenciosamente alteradas e ignoradas quando inconvenientes àqueles no poder, enquanto outros em posições de fiscalizar e equilibrar não fazem nada. As proteções que os fundadores inseriram são cada vez mais uma ilusão.

Este é o porquê da crescente importância colocada sobre crenças e pontos de vista do presidente. Os próprios rígidos limites do poder governamental estão claramente expostos no Artigo 1, Seção 8 da Constituição. Não há em lugar algum referência à possibilidade de forçar americanos a comprar seguro de saúde ou receber uma taxa/penalização, por exemplo. Ainda assim este poder foi reivindicado pelo Executivo e impressionantemente confirmado pelo Congresso e pela Suprema Corte. Porque nós somos uma república constitucional, a mera popularidade de uma política não deveria importar. Se é uma clara violação dos limites do governo e as pessoas ainda a querem, uma emenda constitucional é a única forma apropriada de proceder. No entanto, em vez de passar por este árduo processo, a Constituição foi de fato ignorada e o mandado de seguro foi permitido de qualquer forma.

Isto demonstra como há uma flexibilidade inexorável no Salão Oval para impor pontos de vista pessoais e preferências sobre o país, desde que 51% das pessoas possam ser convencidas a votar duma certa maneira. Os outras 49% têm muito para se enervar e protestar sob este sistema.

Nós não deveríamos tolerar o fato de que nos tornamos uma nação governada por homens, seus caprichos e seus humores do dia – e não por leis. Não se pode ser suficientemente enfatizado que somos uma república, não uma democracia e, como tal, insistimos que a estrutura da Constituição seja respeitada e que os limites definidos pela lei não sejam atravessados por nossos líderes. Estas limitações legais sobre o governo asseguram que outros homens não imponham suas vontades sobre o indivíduo, pelo contrário, o indivíduo é capaz de governor sobre si mesmo. Quando o governo é restringido, a liberdade prospera.

O libertário Ron Paul

Saturday, October 13, 2012

Pai

Não havia comentado por aqui ainda, mas minha irmã Lucila está nos Estados Unidos e lá participa dum programa de au pair desde agosto. Cuida de dois meninos - bem independentes, diga-se de passagem - e deve retornar após completar um ano de estadia. Como ninguém de nossa casa jamais se afastou muito, estudou fora ou se divorciou, é a primeira vez que alguém vive longe do "ninho". Apesar dos exatos dois meses já passados, essa distância dela ainda é algo novo para mim. Porém, o que me pegou desprevenido não foi a ausência dela, mas a presença do meu pai.

Meu envolvimento familiar, tirando as festas de fim de ano e algumas comemorações esporádicas, se restringe até hoje ao pessoal de casa. Como eu nasci num "gap" de gerações de primos e não me enturmava com eles por serem mais velhos ou, uns anos depois, muito mais novos, acabei ficando muito amigo apenas da minha irmã - e ambos isolados do restante dos primos e tios por muito tempo. Para completar, até hoje não entendi toda a árvore genealógica construída pelos quatro tios-avôs férteis e por isso ainda não sei qual é exatamente meu grau de parentesco com algumas das senhoras que apareciam em casa para debater as doenças da moda e as vidas alheias. Somando tudo isso entende-se porque me fechei numa bolha com meus pais e minha irmã, mas algo ainda estava um pouco fora de lugar.

Desde muito novo tive muita dificuldade de me comunicar com meu pai. MUITA. Minha timidez era absurda na infância, lembro que em algumas ocasiões eu chegava a ter vergonha de falar com ele. Uma vez, por exemplo, falei com minha mãe para ela conversar com ele porque eu queria ir ao estádio ver um jogo - apenas isso e eu não consegui pedir para ele ir comigo. Com o passar dos anos fiquei mais extrovertido e a relação melhorou, mas teve uma recaída e tornou-se turbulenta na adolescência. Ainda precisei de mais alguns anos para compreender tudo isso: ele, assim como eu, é reservado e taciturno. Não deve ter sido fácil tentar criar laços com uma criança quase incomunicável e tão apegada à sua mãe. 

Alguns anos mais tarde o problema era o oposto, o Fabiano (sim, quase todo mundo o chama pelo sobrenome por ter ele sido um militar) convivia com um jovem com a cabeça cheia de fantasmas para serem exorcisados e pouca paciência para encara-los. Assistir o filme espanhol Biutiful me ajudou a ver que um pai não é um guru ou um sábio com todas as respostas para as questões que uma criança faz ou para as dúvidas mais profundas que a paternidade gera. Longe disso, hoje enxergo como ter filhos é indício apenas de dois sistemas reprodutores funcionais - e como há gente despreparada criando pequenos monstros nesse mundo! Amadurecer e ver o lado dele mudaram muito minha opinião sobre o velho, passei a considera-lo um ótimo pai após pesar as circunstâncias e fatores envolvidos nesta relação.

Javier Bardem no belo e triste Biutiful
Assim continuamos, cada um em seu canto até o começo de 2009. Em fevereiro daquele ano perdemos minha mãe e alguns meses depois fiquei sem emprego. Planejávamos nos mudar da antiga casa em que morávamos e como eu tinha muito tempo livre, o ajudei com esse processo, então começamos a passar bastante tempo juntos e nos aproximamos. Um momento emblemático desse período foi uma viagem feita até Goiás, percorremos cerca de seiscentos quilômetros na ida trocando apenas alguns comentários sobre o trânsito, mas na volta já conseguimos conversar com mais eloquência. Nunca esperei um passe de mágica ou uma daquelas transformações de comportamento mostradas em filme, mas até que conseguimos nos tornar mais amigos nesse período.

De volta à viagem da minha irmã: imaginei como metáfora para a saída dela um cenário em que duas amigas encontram-se num bar com seus respectivos namorados. Num dado momento elas vão juntas ao banheiro e os rapazes, pouco familiarizados um com o outro, ficam constrangidos ao serem deixados sozinhos e buscam de alguma forma puxar assunto para evitar silêncios embaraçosos. Falam sobre o tempo, o mensalão, as eleições municipais, o rebaixamento do Palmeiras, trabalho. Apesar de ainda haver alguns desses momentos em que parecemos estranhos, essas situações de falta de assunto para conversar estão cada vez menos frequentes e meu pai tem se mostrado bem comunicativo também, até arrisca umas piadas aqui e ali. Dentro dos limites da introversão de cada um, já é algo excelente - não tenho ilusões de grandeza como ligações telefônicas de mais de dois minutos, isso já seria extravagância.

Feijoada na Casa Rio (2010?)

Saturday, October 6, 2012

Bússola Política revista

Amanhã é dia de votar e visto meu desânimo com as opções disponíveis para escolha dum novo prefeito para Campinas, prefiro ignorar o assunto e escrever brevemente sobre a forma predatória de discussão aflorada devido à eleições municipais. Mais especificamente, meu texto é sobre os chamados "progressistas" e não sobre indivíduos conduzidos por vínculo profissional com políticos ou fanatismo partidário. Já havia notado o comportamento deste grupo em discussões menores, em debates no decorrer do ensino superior e em trocas de artigos na imprensa e principalmente em blogs, porém o discurso de grande carga sentimental e pouca razão se alastrou: cada dia vejo um(a) novo(a) amigo(a) pronto a defender com unhas, dentes e teclas o sistema de cotas, o socialismo, a democracia social e programas assistenciais e demonizar quem discordar destes calorosos humanistas.

A palavra chave aqui é "demonização". Argumentos, dados, números, estudos, pesquisas e qualquer outra forma de quantificação é absolutamente irrelevante: progressistas não precisam disso e todo esse tipo de informação é inválido se vier de alguém que discorda do grupo. Pior ainda, apontam um dedo acusador na cara de qualquer corrente que não a deles e assim rótulos como "fascista", "reacionário", "privatizador", "agente do imperialismo" e "intolerante" (vejam só!) são distribuídos em ampla escala. Oposição ao sistema de cotas? Coisa de branco rico que nunca sofreu preconceito. Favorável à privatização? Traidor da pátria! Não concorda com qualquer ação do governo petista? Então você um inocente que acredita na velha imprensa. Talvez seja esse o motivo do aumento de adesões a essa corrente de pensamento: todos quem não aguentem tanto tempo esse tipo de chantagem emocional.

Entediado nesta tarde, esbocei uma versão alternativa do gráfico de resultados da Bússola Política. Faz-se um teste com questões que envolvem temas sobre economia, intervenção governamental, privatizações e sobre liberdades individuais. Os resultados então são apontados no gráfico e indicam o posicionamento político do usuário. Fiz uma versão de como seria a visão política do progressista sobre adeptos de outras formas de pensamento. O nazismo, mesmo sendo socialista, foi posto à direita para evidenciar como esse termo é usado gratuita e erroneamente. Perto dos integrantes do Terceiro Reich estão os paulistanos, já vistos como a pior escória a habitar o Brasil. Para não indicar apenas grupos, pus também dois nomes, talvez o maior ícone do pessoal progressista de Facebook, o jornalista Leonardo Sakamoto e o prefeito Gilberto Kassab.

Monday, October 1, 2012

Portsmouth Sinfonia, o som da incompetência

Descobri a pouco esta banda com a informação de que havia feito uma versão de Assim Falou Zaratustra, de Richard Strauss. Até aí, nenhuma novidade, porém fui informado de que os músicos, estudantes da Escola de Artes de Portsmouth, não tocavam os instrumentos aos quais estavam habituados: um violinista teria que tocar o oboé, o maestro ganharia mais uma vareta e cuidaria da percussão e o baterista teria que se passar por músico. Depois pesquisei um pouco mais e descobri que esse era o modus operandi normal deste grupo fundado em 1970 e que só era aceito quem não tinha instrução musical ou, caso tivesse, o integrante teria que se aventurar com um instrumento completamente novo. Uma vez que o músico fosse integrado, era preciso apenas participar dos ensaios e tentar reproduzir as músicas - o objetivo era realmente fazer algo além de barulho. O resultado é esse do vídeo abaixo.



Claro, a execução é até engraçada, mas achei isso tudo digno dum post primeiro por ser uma amostra clara do que acontece ao se iniciar algo sem a devida preparação ou montar uma equipe sem haver uma seleção apropriada de seus integrantes - o objetivo aqui é este, mas o que vemos muito mais frequentemente é a exaltação dos grupos bem sucedidos, principalmente na música (inclusive com comparações como "aquele time joga por música" ou "aquele gerente conduz seus funcionários com maestria").

Além deste incomum exemplo de música intencionalmente mal tocada e do aspecto metafórico do despreparo, a brincadeira destes ingleses funciona como uma experiência sinestésica. Mais até do que uma possibilidade de metáfora com empreitadas de conclusão trágica ou até trilha sonora de alguma catástrofe corporativa, esse trabalho transcende a barreira dos sentidos e, de certa forma, ouvir essa orquestra é ouvir os próprios fracassos. Se a administração do governo Kassab ou o disco Lulu produzissem música, certamente elas soariam de maneira semelhante ao que estes jovens ingleses fizeram.

Bem nessas

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