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Monday, September 17, 2012

O absurdo do futebol moderno


Li recentemente o livro O Mito de Sísifo, em que o autor argelino Albert Camus define como “o absurdo” viver em função de projeções e planos para o futuro, desenhados de forma vaga, como se o indivíduo não tivesse consciência de sua inevitável morte. Uma vez que essa visão míope do futuro (teoricamente) longínquo é superada e o indivíduo nota o absurdo em que vive, sua postura e modo de viver são transformados irreversivelmente. O escritor analisa algumas soluções: o suicídio filosófico (a negação do absurdo) de um lado e a revolta do outro, com as possibilidades do homem agir de acordo com três papéis: do sedutor, do ator ou do conquistador.

Camus usa como metáfora o personagem Sísifo, que acorrentou a Morte para que os humanos não morressem. Depois de libertada, a vítima voltou para buscar seu oponente humano e o matou, porém Sísifo enganou a Morte novamente e fugiu do Hades. Os deuses, então, decidiram punir o herói: ele é obrigado a carregar uma pedra até o topo dum morro e, ao cumprir sua obrigação, o objeto voltaria à base para ser carregado novamente. O personagem mitológico, inimigo da Morte e amante da vida, é condenado a uma tarefa sem sentido. Esta seria, para Camus, a representação perfeita do homem absurdo.

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Há tradicionalistas que vivem o futebol intensamente e lamentam a forma como o esporte deixou de ser beligerante e passional como costumava ser até o início da década passada. Não são muitos que compartilham desse pensamento e, ironicamente, estes abnegados tendem a ser torcedores ferrenhos de seus times. Quem se incomoda com o esterilizado futebol moderno tem todo um arsenal de causas para lamentar, indo do culto ao jogador acima da importância dos clubes às punições e proibições cada vez mais patéticas, porém como se revoltar e lutar contra uma instituição dominada por alguns bilhões de pessoas que querem a manutenção do status quo?

Para cada insatisfeito com o futebol moderno há algumas dezenas de idiotas assim
Todo esse público satisfeito com o futebol atual não se perturba e até aprecia chuteiras coloridas, jogadores ciganos que se aposentam sem se tornarem ídolos dos clubes em que jogam ou a transformação de estádios em gélidos teatros, mesmo que este torcedor more a centenas de quilômetros do local em que seu clube joga. Esta derrocada do futebol é inevitável e não há nem forma de contorna-la: é a seleção natural do show business e resta aos inadaptados apenas a extinção. Mas qual é a possibilidade de vitória desses fanáticos quixotescos? Pior: qual é o sentido de pelejar por uma causa perdida? Este é, portanto, o absurdo do futebol: tomar consciência de que a modernização futebolística é implacável e, sem possibilidade de recuo desta, ainda gastar tempo e esforços para combatê-la.

Camus recusa o suicídio filosófico e propõe a revolta contra o absurdo, porém as formas de reação do indivíduo imaginadas pelo escritor - seja como sedutor, ator, conquistador ou criador - são eficientes por serem propostas duma nova forma de viver, ou seja, não é necessário que haja consequências favoráveis para que ela se prove válida. Quem toma consciência do absurdo no futebol, no entanto, tem na revolta uma resposta de pouco ou nenhum resultado prático.

Se até Adriano continua no futebol, qualquer insatisfeito tem condições de continuar também

Uma forma de reação seria relacionar-se de modo desapegado com o futebol, mais ou menos como um amante uma pessoa comprometida. Há um grau de envolvimento e a paixão, porém sem grandes ambições sentimentais e planos grandiosos para o futuro. E como fazer parte desta indústria esportiva sem alimentar seu funcionamento? Torcendo apenas para que seu time vença partidas e campeonatos, porém cético quanto a um retorno ao que era o futebol até os anos 90 e alheio às mudanças, modernizações, crises e demais patifarias que são cometidas em nome da “evolução” do esporte – que sofram com isso aqueles que mantêm um relacionamento estável com o futebol moderno, o amante apenas tem encontros casuais com objetivo de usufruir do lado prazeroso do esporte.

Outra forma de se manter em contato com o futebol seria a do esteta: ainda assistir as partidas e até torcer, mas mais pela plasticidade de jogadas e gols do que pela competição em si. É um método frio principalmente por permitir uma distância segura, já que jogadas de efeito costumam extrapolar o “underground” esportivo e um gol de bicileta pode até chegar ao Jornal Nacional, porém um possível obstáculo é o rareamento desses lances mais belos causado pela queda do nível técnico dos jogadores. Não dá para esperar muito futebol arte dum campeonato nacional carregado nas costas por tantos ineptos, a não ser que acreditemos nos marketeiros jornalistas esportivos que veem como "golaço" até cobrança de pênalti.

Por fim, o abandono do futebol seria o ato mais extremo de revolta. Se não há esperança nenhuma de reversão do cenário atual, por que insistir e manter esforços que estão condenados a serem infrutíferos? O esporte foi transformado em mercadoria e o torcedor em consumidor, então não é incoerente o boicote ou a busca por outro “produto”. Reclamar dos penteados, das comemorações de gol cretinas e dos egos inflados é uma penitência sem fim como a de Sísifo, o personagem mitológico citado por Camus. O torcedor, no entanto, não foi condenado a um castigo, não há deuses que lhe obriguem a carregar uma rocha morro acima: ele é seu próprio condenador e se obriga a cumprir este castigo, mesmo com a possibilidade de abandona-lo a qualquer momento.

Por mais que eu ouça e repita com meus amigos que o futebol já morreu e que ele fica cada dia mais deprimente, nenhum de nós faz absolutamente nada para remediar esse sofrimento. Pelo contrário, torcer parece às vezes se tornar uma forma de expiação, uma busca pela redenção através das lágrimas e da dor. Eu, como pessimista assumido, renuncio do futebol por não tolerar mais todos os valores exorbitantes envolvidos no que já foi um esporte popular de amadores, a incompetência gritante dos dirigentes, o ridículo nível técnico generalizado e a elitização das arquibancadas – e creio que tudo isso apenas tende a piorar. Tenho ótimos amigos que conheci na arquibancada e pela internet discutindo jogos, vivi momentos incríveis no Moisés Lucarelli e em outros estádios, porém estes picos de felicidade equivalem ao breve momento de satisfação que Sísifo sentiria ao alcançar o cume com sua rocha, uma recompensa muito pequena perto da tarefa de empurra-la. Eu, portanto, abandono minha condenação, já não consigo mais me manter fiel a este sacrifício opcional.

Chega

2 comments:

  1. Será que tu conseguirá ficar sem empurrar a pedra morro acima? Olha que vai bater uma saudade...

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  2. Agora vem a fase de desintoxicação... ontem demorei um tanto pra escrever esse post e, num determinado momento, liguei o rádio pra saber quanto tava o Ponte x Botafogo. assim como criei o hábito, a questão agora é de me afastar aos poucos

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