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Monday, April 16, 2012

Mariette

No último sábado passei por um sebo e comprei um livro sobre a independência americana (Uma nova história dos Estados Unidos: A revolução americana, de Herbert Aptheker). Hoje resolvi dar uma folheada nesse material enquanto não começo a ler sobre o assunto - ainda estou preso no gigantesco e monótono Bomarzo, do argentino Manuel Mujica Lainez - e encontrei uma folha muito antiga de papel com um texto. Assinado apenas por uma Mariette com a data de 27 de janeiro de 1978, o poema parece mais uma carta de suicídio do que um texto escrito como distração. Segue abaixo o texto, com uma ou outra correção ortográfica necessária devido aos mais de trinta anos do texto e também uma ou outra alteração em palavras com erros de datilografia - naquele tempo ainda não havia o bendito do backspace. Uma ou outra palavra escolhida soa meio estranha, mas suspeito que sejam lapsos de vocabulário da autora - suspeito que fosse bem jovem, apesar do teor mórbido.

Estou caindo, caindo
Caindo em um longo e profundo abismo
Será que quando conseguir chegar lá embaixo conseguirei me levantar?
Não sei, você sabe? Alguém saberá?
Do fundo de algo, serei eu capaz de subir novamente a terrível montanha que me derrubou?
Talvez, quem sabe consiga
Mas sabe? Nunca serei igual a anteriormente
No fundo de mim, da minha alma, não serei a antiga Mariette
Aquela que sempre sorria, falava, cantava, chateava, enfim era feliz
Quero que alguém se lembre de mim
Espero que esse alguém exista, porque assim escrevendo isto ainda me sentirei um pouco feliz
Será que nesta queda irei sofrer muito?
E quando chegar lá bem no fundo me sentirei como?
Ao subir, como chegarei novamente?
Que grande ilusão guardo e guardarei comigo mesma
Quanta esperança de algo impossível
Quanta angústia
Quanto tédio
Quanto sofrimento
Quantas coisas
E, agora tudo está se acabando conforme vou caindo...

Esta queda está demorando muito, sabe?
Tropecei e caí um centímetro
Quantos metros ainda cairei
Quantas depressões ainda vou sentir
Quanta falta vai me fazer o chão
Se alguém, acredito que exista, queria me ver assim, conseguiu
E, por completo conseguirá.
Quantas coisas estão desabando
Quantas palavras e gestos estão sendo jogados fora, como um lixo desprezado
E, quantos lixos ainda serão jogados
Coisas, Pessoas.

Caí mais ainda, estou quase chegando ao final de algo sem paz
Agora já não vejo ninguém
Só mesmo algo liso e com paz
Cheguei ao fim
Bati e acordei
Olhei em torno de mim e... nada vi
A escuridão selou meus olhos
Algo tampou minha boca
Meus ouvidos nada mais ouviram
Meu nariz amorteceu
Minha pele secou
Meus dedos paralizaram-se
Meu corpo não mais se mexeu
Os meus órgãos se filtraram
Foi só aí que percebi:
Estava morta

Estou caminhando
Caminando para onde?
Para quê?
E por quê?
   Estou só
   Nada existe em minha volta
   Parece um sonho que nunca se acabará
   Uma tempestade
   Uma tristeza
   Me sinto leve
   Nada mais me pertence
   Tudo se foi, como um grande e decisivo adeus
   Estarei eu ainda viva?
   Como me sentiria na realidade?
   A imaginação me completou
   As ilusõs desapareceram
   O mundo acabou.
   Onde estarei?
   Caminhei, caminhei
   Tudo se escureceu, apagou
   Depois, só de muito tempo sentindo e chorando
   Tive que acordar
   E percebi:
   Não só eu estava morta, mas também o mundo

Sunday, April 15, 2012

Harry [2/2]

Continuação da saga, só que serei lacônico para evitar de entregar algum detalhe da história. No quinto filme, Harry Potter e a Ordem da Fênix, há uma disputa política entre Dumbledore, diretor do colégio Hogwarts e Fudge, cabeça do Ministério da Mágica. Uma inquisidora é indicada pelo ministro para atuar dentro da escola e dezenas de proibições são criadas. Harry sofre controle mental de Voldemort, usa um encanto proibido contra uma adversária e é tentado por seu rival a assassina-la, mas desiste. Após a batalha e a fuga do vilão, Dumbledore diz a Harry que não deve temer por ter características em comum com seu inimigo, mas ressaltar as diferenças.
Harry e Dumbledore
Em Harry Potter e o Enigma do Príncipe, o rapaz utiliza um livro que pertenceu a algum antigo aluno, auto-intitulado de Príncipe Mestiço e o material está repleto de anotações muito avançadas para alguém que estaria tomando aquelas aulas. Harry destaca-se nas matérias, principalmente Poções, com o professor Slughorn, que deve ser espionado a pedido de Dumbledore. Slughorn esconde um segredo e o jovem Harry tenta descobri-lo infrutiferamente até que o próprio mestre resolve conta-lo por conta própria: há muitos anos Tom Riddle havia perguntado sobre a Horcrux. 

Slughorne havia até alterado sua memória para que cressem na imagem dum jovem Tom sendo repelido sem nenhuma explicação, mas na verdade ele contou ao pupilo que esta era uma forma de dividir a própria alma para que parte dela possa ser depositada em algum outro ser ou objeto - uma forma de se obter vida eterna enquanto restasse um "back-up" para ser restaurado. Harry e Dumbledore descobrem que sete desses objetos foram criados e devem ser destruídos, porém dois deles já estão eliminados. Destaque para Draco Malfoy, apagado nos filmes anteriores, mas que retorna como vilão do filme após ser integrado ao grupo dos Comensais da Morte. Em sua revolta, insegurança e necessidade de afirmação adolescentes, une-se a seus pais e planejam matar Harry e Dumbledore, mas o garoto hesita no momento em que pode eliminar o diretor - algo como uma visão hipotética do que aconteceria com o protagonista caso ele se rendesse aos seus impulsos sombrios e sedutores, porém incapazes de dominar suas ações.
 
Se no quinto filme acontece uma ditadura orwelliana, nestes dois últimos Harry Potter e as Relíquias da Morte (duas partes dum mesmo livro) há sinais dum regime de afirmação de superioridade dos bruxos sobre os "trouxas", apelido dado aos humanos que não conhecem magia. A história se afunila e foca na busca pelas últimas Horcrux e na batalha entre as forças de Voldemort e os alunos aquartelados em Hogwarts.


Como não quero deixar spoilers, encerro os comentários aqui. É verdade, duvido que alguém que nunca tenha vista nenhum Harry Potter vá cair aqui e ler exatamente estes posts atentamente, mas prefiro não acabar com a graça de algum desgraçado perdido. No fim, gostei dos filmes apesar do meu preconceito inicial, mas são histórias bem escritas: há sempre dois arcos, um de cada filme e e um geral, mais abrangente, mas ambos são fechados sem grandes furos. Além disso, os personagens são interessantes e de personalidades muito distintas a ponto de as idiossincrasias se tornarem familiares - mas não necessariamente previsíveis. Recomendo a série apesar dos três primeiros filmes de Sessão da Tarde.

Saturday, April 14, 2012

SEO?

"NAIR BOMFIM FABIANO- Faleceu com 67 anos de idade. Era casada com Sr. Ernesto Fabiano. Deixa filhos". Assim, laconicamente, o site da Setec empilha pais, mães, filhos, avós, maridos, esposas, amigos, ídolos. Claro, um órgão da prefeitura de Campinas não tem obrigação de escrever biografias ou obituários, o que me deixou baqueado foi procurar pelo nome de minha mãe e encontrar apenas essa referência como resultado da busca que fiz no Google. Achei que poderia encontrar alguma citação da Amada (Associação Maior de Apoio ao Doente de Alzheimer, da qual participou como conselheira por ser cuidadora de minha avó), alguma carta enviada ao Correio Popular ou talvez até algum post do meu próprio blog. Fica aqui então esse post apenas para que futuras buscas encontrem mais do que aquelas frias linhas.

Pronto, dona Nair

Monday, April 9, 2012

Harry [1/2]

Após mais de uma década em que alternei momentos de desinteresse, apatia e até de preguiça, finalmente comecei a acompanhar a saga do bruxinho Harry Potter. Ainda nos anos em que cursei o ensino médio já via matérias e mais matérias sobre as toneladas de livros vendidos e de como a série ocupava as primeiras colocações nos rankings de obras mais vendidas do planeta. Em 2001, perto do início da faculdade, o lançamento do primeiro filme mostrou que as adaptações cinematográficas fariam sucesso proporcional (se não maior) ao dos livros, ainda lançados paralelamente. E assim, de longe, fui acompanhando aquela sequência arrebatadora de estreias, quebras de recordes e permanência duradoura nas listas de filmes mais populares do Brasil, dos Estados Unidos, da Europa e de qualquer outro canto do mundo. 

Apesar de todo o estardalhaço causado por cada filme e cada livro, achava que aquele universo criado por J. K. Rowling era voltado apenas ao público infantil e... bem, eu acho que estava certo. Graças aos empréstimos da amiga Raquel Linhares, comecei a assistir os filmes. No começo Harry é um garoto submisso à criação opressiva de seus tios e de seu primo Duda. Quando completa onze anos, no entanto, é convidado a ir para Hogwarts, onde aprenderá magia, fará amigos e descobrirá sobre seu passado, além da razão da morte de seus pais (também bruxos). As duas primeiras obras, sobre a Pedra Filosofal e a Câmara Secreta, são mais alegres, com cenas mais bem iluminadas, espaço para muitos personagens menores - não só Hermione e Rony, os amigos mais próximos de Harry, mas vários outros estudantes como colegas da casa de Grifinória (uma espécie de fraternidade de estudantes dentro de Hogwarts), professores, a família "trouxa" de Harry e até os rivais da casa de Sonserina.

O trio de Grifinória: Ronald Weasley, Hermione Granger e Harry Potter
Porém, já no terceiro filme a tônica das aventuras começa a tornar-se mais pesada. A fotografia recebe tons mais sombrios. Seres de aparência que lembram a morte, os dementadores, evidenciam a guinada que a série deve sofrer com as crescentes ameaças que se aproximam de Harry. Além disso, a história deixa um pouco de lado os personagens menores que citei acima e foca principalmente sobre o trio formado pelo protagonista, por Rony e Hermione. O conflito principal, que envolve a fuga dum priosioneiro do presídio de Azkaban, ocorre enquanto o jovem estudante começa a sofrer dúvidas sobre suas virtudes, suas inclinações e até se a casa à qual pertence é a melhor para si, pois acha que talvez se encaixaria melhor entre os de Sonserina - dualismo entre os caminhos do bem e do mal muito semelhante ao de Anakin Skywalker em seu caminho entre a Força e a salvação de sua esposa usando artes ocultas.

Voltando à série do tema do post, parei no quarto filme: Harry Potter e o Cálice de Fogo. Aqui o tom infantil é deixado completamente de lado, primeiramente devido à entrada da turma na adolescência: precisam dançar em casaizinhos, achar pares para um baile, sofrem as primeiras decepções amorosas - e como fiquei com dó de Hermione, tão chateada porque o seu amigo Rony a via como um amigo de saias e só a convidou para o baile quando já não havia mais ninguém para chamar. Quanto à história principal, Harry é inscrito de maneira suspeita num torneio entre escolas de bruxaria - ele ainda não tem a idade mínima permitida para a inscrição - e precisa passar por testes de dificuldade muito superior às capacidades que se espera que um adolescente de catorze anos tenha: uma metáfora mais sutil da adolescência, momento das expectativas de adulto alternadas com tratamento infantil. Creio que a quantidade de cenas de humor serve para amenizar um pouco alguns eventos fatídicos e intensos como o as provas do torneio, o retorno de Voldemort, o risco de morte de Harry na cena do cemitério e o assassinato de Cedrico Diggory.

O retorno de Voldemort e o confronto com Harry
Aproveitei a pausa neste ponto, exatamente no meio dos oito filmes, para escrever este post. Mas por que começar a assisti-los tão tarde e não ignorar a série, simplesmente? Ora, como já falei, achava que era algo infantil e os dois primeiros filmes provaram que eu estava certo - até fui alertado algumas vezes sobre isso. Porém, quando os filmes começaram a ficar mais sérios e mais pesados, minha curiosidade só não era maior que minha desmotivação - como correr atrás duma epopeia que já somava mais de doze horas em vídeo quando resolvi me interessar por ela? Por mais que me interessasse e tivesse curiosidade de conferir os filmes, estava estacionado em minha preguiça e felizmente encontrei alguém que, além de possuir todo o acervo de películas, estava disposta a me doutrinar e se prontificou a emprestar os filmes. Assim comecei minha "peregrinação" e tenho assistido tudo de cabo a rabo - e gostado dos filmes, que têm um ritmo leve, mas são episódios bem escritos: enquanto um arco menor da história é aberto e encerrado a cada novo vídeo, algo maior também se desenvolve um pouco mais devagar, mas ainda de maneira que faça o espectador se manter interessado. Creio que logo a ordem se inverta: as histórias narradas em cada filme devem diminuir e a trama de Voldemort, monopolizar a história. Assim que terminar dou meu pitaco sobre a segunda metade da saga.

Sunday, April 1, 2012

Conselhos

Em um episódio da extinta série de comédia americana Married With Children (exibida na Bandeirantes com o título "Um amor de famíla"), o ardilo pai Al Bundy aproveita-se de sua aparência horrorosa e inscreve-se numa disputa esportiva da terceira idade mesmo ainda mal tenha chegado aos cinquenta. Ele vence a prova de corrida e, enquanto comemora no pódio, deixa uma lição - algo semelhanto aos episódios de He-Man: "Só é trapaça se você é pego".

Pois bem, essa frase me marcou profundamente em minha adolescência mesmo sem eu entender toda a profundidade dela. Achei, ainda com a vista vendada pela inocência, um absurdo um programa de tanta audiência fazer apologia à desonestidade. Porém cresci, conheci o mundo real e eu mesmo tive que adotar o ensinamento de Al em uma ou outra circunstância providencial. Só assim compreendi o que ele disse e que aquele não era um pensamento tão maligno, apenas uma confissão e um pedido de cumplicidade dum homem egoísta e utilitarista. Algo que poderia ser dito também por outros personagens fictícios como Shane, de The Walking Dead ou pelo soldado "Animal Mother" em Nascido Para Matar.
Mulheres que se encaixam no rígido padrão de beleza ocidental recriminam os trajes vestidos pelas mulheres mulçumanas (às vezes, utilizados por opção pessoal)
Após anos de reverberação, lembrei dessa frase após flagrar alguns casos gritantes de contradições ao meu redor. O "cidadão de bem" que segue toda a cartilha de comportamento caricato de classe média e que vibrou com a ação da PM contra os estudantes do FFLCH ainda fuma maconha esporadicamente apesar dos seus cada vez mais comuns cabelos brancos. A moça que concorda com o desabafo feminista de uma ex-BBB que afirma estar em seu direito quando beija quantos caras quiser chama de "vagabunda" para baixo alguma colega de trabalho que tente colocar esse comportamento em prática. O paladino da igualdade combate a homofobia fervorosamente - exceto quando discute com algum "viadinho" ou alguma "sapatona". Os exemplos são infindáveis, mas peguei apenas três bem próximos que foram os mais enfáticos que estavam à mão.

Fica aqui então minha versão do conselho de Bundy: só é hipocrisia se você deixa os pontos de assimetria mais óbvios à mostra. Cada rede social que surge é uma nova voz que pode ser adquirida pelo usuário com a postura formal e engajada do Facebook, a irreverência de turma do fundão do Twitter, o jeitinho meigo do Pinterest, a chinelagem pornográfica com trilha de heavy metal do Tumblr e tantas outras menores; somando-se essas vozes todas, caso sejam muito discrepantes, não se forma um coral. Cada um desses sites permite que os seus membros exponham alguma faceta de suas personalidades e, quanto mais facetas são expostas, mais fácil fica captar essas incoerências. Ah, quase esqueço da vida real, mas nesse convívio somos mais propensos ao comedimento, por isso é mais difícil exibirmos todas estas parcelas da personalidade que citei acima - pelo menos não expomos todos perante um mesmo círculo social. E, claro, não me julgo coerente em toda as minhas ações e opiniões, apenas tento disfarçar as incongruências.

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