Por incrível que pareça, nunca publiquei nada sobre o filme Office Space, lançado no Brasil com o ridículo título "Como enlouquecer seu chefe". Escrito e dirigido por Mike Judge, também criador de Beavis and Butt-head e King of the Hill, o longa é aberto com a monótona rotina de Peter Gibbons, funcionário da empresa de TI Initech. Apesar de desmotivado e insatisfeito com praticamente tudo que o cerca, passando por colegas de trabalho, clima, tarefas repetitivas e a aparentemente infinita escada hierárquica, Peter se mantém como apenas mais uma peça deste mecanismo e não demonstra qualquer ideia de como romper esse feitiço do tempo.
Seu desespero o domina e ele aceita a sugestão de sua namorada: uma sessão de hipnose com um terapeuta. O especialista consegue fazer com que seu estressado paciente relaxe e esqueça suas preocupações, porém a sessão de hipnose é interrompida e Peter não "retorna" do transe. Agora calmo e desligado de tudo que lhe afligia, Gibbons volta ao trabalho ainda nesse estado de relaxamento. Embora receba mais e mais críticas de seu sufocante gerente por não cuidar mais de suas responsabilidades, o renovado funcionário faz entrevistas com "consultores de produtividade" e, apesar da expectativa coletiva, não é demitido - pelo contrário, é promovido para que um novo desafio possa ser um trampolim motivacional em sua carreira. Estes consultores, no entanto, decidem demitir dois amigos de Peter (Samir Nagheenanajar e Michael Bolton) e o trio cria um plano para se vingar da empresa.
Peter, Michael Bolton e Samir em momento de redenção contra a impressora |
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Adquiri o hábito de enxergar o filme como uma sátira sobre o ambiente corporativo por ter me identifiacdo com a forma pessimista de ver como limitadora e esmagadora a rotina duma grande empresa. A aparente insignificância de um funcionário entre milhares de colegas, a maneira como empregados eram descartáveis - é mais fácil trocar membros duma equipe do que comprar uma lâmpada de projetor - e o alto nível de cobrança eram os outros ingredientes de meu desânimo. Pior: eu via esse caminho como uma estrada da qual não podia sair e a única opção era continuar caminhando.
Hoje, no entanto, mudei alguns pontos de vista pessoais e finalmente percebi como o filme não tenta implodir um monstro cinzento chamado Initech, mas sim mostrar a imobilidade de Peter, o símbolo do funcionário que já está de saco tão cheio com sua vida que não consegue nem se revoltar com o que lhe cerca. Foi necessária uma sessão de hipnose desastrosa para interromper o ciclo de prazo indeterminado de engarrafamentos, procrastinação, reclamações e noites mal dormidas.
Acomodado, medroso e preso a uma falsa sensação de segurança, o personagem condena o ambiente quando ele mesmo já não sabe porque continua ali. Em um diálogo com seus amigos ele até chega a dizer "eu vou aceitar trabalhar no fim de semana porque eu sou um bundão, e também é por isso que trabalho na Initech em primeiro lugar". Seus colegas discordam, porém essa sutil frase é uma fagulha de razão solta por Gibbons.
Acomodado, medroso e preso a uma falsa sensação de segurança, o personagem condena o ambiente quando ele mesmo já não sabe porque continua ali. Em um diálogo com seus amigos ele até chega a dizer "eu vou aceitar trabalhar no fim de semana porque eu sou um bundão, e também é por isso que trabalho na Initech em primeiro lugar". Seus colegas discordam, porém essa sutil frase é uma fagulha de razão solta por Gibbons.
É até possível criar uma espécie de linha evolutiva com os personagens do filme, indo do mais estagnado ao mais livre. Milton, o irritadiço senhor de rosto sempre avermelhado, é maltratado por todos e chutado de um canto ao outro da empresa. Reage à forma como é tratado apenas depois de ser levado ao limite de sua tolerância, quando passa a trabalhar no porão entre caixas e baratas. Michael Bolton e Samir aparentam ser mais agressivos e inconformados com as possíveis mudanças impostas pela empresa, porém esta postura é apenas superficial e não é sustentada quando há a oportunidade de testá-la.
No meio do caminho surge Peter, infeliz e ciente de sua desgraça, porém incapaz de mudar seu destino por conta própria. Apesar de mudar sua vida apenas devido à interferência externa da sessão de hipnose, vale mais esta mudança tardia do que a acomodação persistente de seus colegas. A namorada dele, Joanna, é o próximo passo evolutivo: apesar de toda o tempo passado num emprego considerado insatisfatório, ela ganha pontos por pedir conseguir demissão após uma libertadora catarse.
No fim da linha da evolução está Lawrence, o trabalhador da construção civil e vizinho de Peter já satisfeito com seu emprego desde o começo do filme e preocupado apenas com sua própria felicidade - e não com julgamentos de terceiros, comparações sobre salários ou porte de empresas. É como um guia iluminado de Gibbons através das trevas da ignorância e do medo, um Dalai Lama de cerveja na mão, mullets, palavrões na ponta da língua e lógica demolidora.
No fim da linha da evolução está Lawrence, o trabalhador da construção civil e vizinho de Peter já satisfeito com seu emprego desde o começo do filme e preocupado apenas com sua própria felicidade - e não com julgamentos de terceiros, comparações sobre salários ou porte de empresas. É como um guia iluminado de Gibbons através das trevas da ignorância e do medo, um Dalai Lama de cerveja na mão, mullets, palavrões na ponta da língua e lógica demolidora.
O olhar penetrante de Lawrence atravessa os bloqueios de Peter e chega ao âmago dos conflitos do peão digital |