Desde que vim morar em Campinas, lá por volta de 1987, rodei por alguns bairros da cidade. Vim de Presidente Prudente com minha famíla e fomos morar na Vila Pompéia e logo depois, em 1989, nos mudamos para o bairro vizinho Cidade Jardim, onde moramos até 1998. Depois de passar por estes dois bairros de classe média suburbanos meus pais compraram uma casa na área nobre do Jardim Guarani, vizinhança localizada logo atrás do Brinco de Ouro - e também próxima ao Jardim São Fernando, favela de onde saíam inúmeros ladrões de carro para rapinar moradores do meu bairro, inclusive eu mesmo uma das muitas vítimas em 2006.
Em 2009 minha mãe faleceu e a casa passou a ser muito grande enquanto a garagem ficou pequena. Com certa relutância concordamos em nos mudar: meu pai e minha irmã escolheram um condomínio destes de casinhas idênticas geminadas, eu contei com um bom "paitrocínio" e vim morar numa faixa que divide Centro e Cambuí, bairro de inúmeros pontos comerciais, de lojas de grife e de alguns de bares e restaurantes mais caros da cidade.
Previ que daria para viver com relativo conforto aqui mesmo sem uma renda tão alta pois não estaria realmente dentro do Cambuí e isso diminuiria alguns custos, além de ter acesso a mercados e lojas finas e também populares, mas principalmente por não precisar dum carro: faço compras pequenas, não sou de sair tanto e quando saio, acabo não indo tão longe de casa pois estou perto de vários bares e locais nos quais poderia encontrar amigos. Havia um porém, no entanto: eu já era muito implicante com meus vizinhos anos antes de vir morar por aqui.
Só faltou a CAIPIVODKA |
Esta implicância era direcionada principalmente à "playboyzada" dominante da noite local. Detestados por gente de toda classe social por sua falta de modos, arrogância e visão materialista, esse público de brutamontes perfumados e bem vestidos infesta alguns bares das redondezas. Além disso havia o temor de aturar as patricinhas com tudo que lhes é inerente: música alta, comportamento histérico e espalhafatoso, julgamentos de desconhecidos baseados em suas roupas, carros e pedidos em bares. Por fim, eu já esperava também madames com cãezinhos minúsculos e SUV's gigantescas, bem maiores que suas habilidades ao volante.
Pois bem, vim morar aqui e aos poucos conheci gente do bairro. Fiz amizade com vizinhos de prédio, conhecidos da academia, donos do comércio aonde costumo ir, colegas de aulas de espanhol e do trabalho, amigos de amigos que passei a conhecer por morar aqui ou até pela Internet. Em pouco tempo tempo já conhecia muito mais gente daqui do que conheci em mais de dez anos de Jardim Guarani. E, para minha surpresa, não encontrei nada do esperado porque os amigos eram pessoas simples e ligavam mais para quem as pessoas eram e não para o que elas tinham ou vestiam. As mulheres eram simpáticas, inteligentes e nem sempre eram as "marias gasolinas" que eu havia previsto. Quanto às madames e seus cachorrinhos, só as vejo de longe e mal ouço poodles e afins latirem.
Percebi então meu engano: há bastante gente que incorpora todos os estereótipos descritos há dois parágrafos, porém o Cambuí não é necessariamente um quartel-general da Hollister nem um centro de seleção para a próxima edição do programa Mulheres Ricas. Meu erro foi colocar no mesmo balaio moradores e frequentadores do bairro e há entre eles um abismo de diferença, algo semelhante à relação entre habitantes de pequenas cidades praianas e turistas farofeiros. Talvez os bares daqui sejam vistos como estas praias: um universo paralelo onde se pode extravasar, agir de maneira primitiva e marcar território com socos e gritos. Torcidas organizadas se beneficiariam muito duma eventual união com este pessoal. E só para deixar claro: fiz a comparação com caiçaras e turistas, mas não significa que visitantes devam ser agredidos, muito longe disso, é apenas para ilustrar a distinção, eu coraria de vergonha de ler algo semelhante a "FORA HAOLE" em algum muro.
Também não precisa ser assim, um pouco de caos faz bem |
Assumo que me enganei sobre o Cambuí e hoje até sou defensor deste pedacinho de Campinas, mas não consigo evitar de pensar sobre outros preconceitos que eu possa ter formado equivocadamente. E se Salvador não for antro de criminalidade, atendimento precário e poças de urina? Ou Israel, pode ser um lugar interessante para se visitar e muito mais que o berço das três maiores religiões (algo já digno da visita, penso hoje)? E a Índia? Não, também não é para tanto, tolerância e flexibilidade têm limites e os meus não vão tão longe a ponto de visitar aquele fim de mundo apenas para tentar desfazer uma imagem negativa.