Houve uma época quando Collor era presidente do Brasil, campeonatos de futebol e desenhos animados japoneses não tinham protagonistas de aspectos semelhantes, todo mundo tinha um boné do Charlotte Hornets e a Aids parecia o flagelo divino definitivo. Essa época foi o começo dos anos 90 e naqueles tempos eu ainda vivia a infância, desavisado de tudo que viria depois desta fase de meu crescimento. Apesar da violência urbana crescente, ainda fui duma geração habituada a brincar muito na rua: jogava futebol, subia em árvores, soltava pipa e andava de bicicleta.
Às vezes também aprontava e arrumava briga, trocava caneladas com os coleguinhas do futebol ou até era expulso de classe no colégio, mas desde aqueles dias não entendia as crises de histeria de algumas crianças em shoppings e restaurantes. Não sei se pediam para os pais comprar algo que lhes era negado ou eram obrigados a consumir algo que não desejavam, mas eu via aquelas crianças com a cara avermelhada coberta de lágrimas e achava aquilo tudo meio... patético. Patético e ineficiente, porque geralmente a choradeira era recompensada com uma bronca e talvez até umas palmadas.
Ok, agora um brusco fast-forward para o futuro. Nesse intervalo de vinte anos aconteceu muita coisa e mudei muito, mas mantenho a dificuldade de lidar com histeria. As crianças ainda dão chilique em shoppings e restaurantes, mas parece que não são repreendidas com a mesma agressividade de outrora. Se elas têm mais sucesso do que as crianças da minha época eu não sei, mas pelo menos os esporros e palmadas elas já não levam mais. Sinal de que os pais mudaram e talvez tenham se tornados mais compreensivos com os filhos. Compreensivos ou até semelhantes.
Nesta semana a Sony abriu o sexto selo do Apocalipse quando anunciou o preço da venda do Playstation 4 e, claro, o videogame brasileiro será o mais caro do mundo custando ridículos R$ 4.000,00. Não é nenhuma novidade que tudo chega muito caro aqui, assim como foi com o antecessor PS3 e ainda é com celulares, carros, calçados e tudo mais. E o que aconteceu? Marmanjos transformaram locais de trabalho, universidades e redes sociais em corredores de shoppings porque a empresa japonesa determinou um preço "injusto" para seu produto. Houve homens protagonizando cenas mais adequadas à idade de seus próprios filhos, com direito a beicinho, xingamentos, muita birra e choradeira - torço muito para que o chororô não tenha sido literal. E enquanto o preço do console não baixa, debatem-se alternativas como importação e até uma petição para que o preço seja vendido por um preço justo. Ah, um spoiler: essa petição não vai adiantar.
Este episódio do PS4 diz algo sobre a carga tributária brasileira e a suposta ganância da Sony (não entendo que tantas empresas de tantos ramos distintos resolvam ser gananciosas justamente no mesmo país, mas enfim...), porém diz mais ainda sobre uma parcela do público consumidor de videogames. A tropa de crianças barbadas formada pelos que se recusam a sair da proteção da asa da mãe, dos jovens que covardemente compartilham imagens de namoradas nuas e dos autoproclamados "adultecentes" - palavra usada sem um pingo de constrangimento - recebe o reforço de gente que trabalha, dirige, paga contas, vota, faz filhos e bate o pé no chão para exigir seu brinquedo AGORA. Amigos que talvez tenham se identificado por terem dado chilique, entendam que não é uma questão de "cagação de regra" nem arrogância, é apenas vergonha alheia. Cresçam, sejam homens e ajam de acordo com a dignidade que vossas idades recomendam.
Zé Augusto, 32, descobre que só terá seu PS4 depois da Copa |