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Friday, August 14, 2015

Trilogia Pusher

Há algum tempo assisti Drive, um thriller em que Ryan Gosling se esforça para convencer como um homem que faz o "strong, silent type", como diria Tony Soprano. O motorista anônimo vive em meio a carros, seja com seu emprego como mecânico, em sua ocupação alternativa de dublê ou nas corridas em que transporta assaltantes. Tudo isto pode ser encerrado caso ele realize seu ingresso no automobilismo, porém seus planos são interrompidos quando ele se envolve com a mulher dum presidiário. O filme entretém e vale sua (não tão longa) duração, mas falo dele principalmente porque foi como conheci o trabalho do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn.

Bronson
Assisti Drive, seu trabalho de maior repercussão e mais tarde foi a vez de Bronson, filme estrelado por Tom Hardy, o novo Mad Max. Neste trabalho baseado frouxamente em fatos reais, Tom interpreta Michael Peterson, um jovem inglês autor duma escalada de pequenos delitos encerrada com sua prisão após um assalto a mão armada. Na prisão Michael parece descobrir sua verdadeira vocação: entre brigas e períodos de isolamento na solitária, é o prisioneiro mais "constante" do Reino Unido, encarcerado desde 1974 até hoje, com 69 dias de liberdade neste período - período em que ganhou o apelido que dá título ao filme.

Graças ao IMDb vi a conexão entre os dois filmes e que eram obras do mesmo diretor - até então confesso que eu não me atentava muito a isso. Curioso por conhecer mais do trabalho cru e brutal de Refn, encontrei Valhalla Rising, um suspense em que um homem usado como lutador para entretenimento de apostadores se livra do grupo que o explora e se junta a cristãos destinados a Jerusalém para lutar nas Cruzadas. Porém, desnorteados e num barco à deriva, perdem-se e alcançam uma terra desconhecida, onde são levados a seus limites  pelas dificuldades encontradas neste território hostil. O misterioso e calado lutador já citado, One Eye, é interpretado pelo já renomado Mads Mikkelsen, que foi quem me levou à tal da trilogia que deu nome ao post.

Trata-se duma trilogia não por haver uma continuidade da história, mas por haver uma ligação, ainda que frágil, entre os personagens e porque nunca se deixa o mesmo universo: o submundo do narcotráfico de Copenhague (quem diria, não?). São três filmes violentos, ríspidos e, creio, mais verossímeis do que tantos outros filmes do mesmo estilo. Semana passada assisti Blood Simple, dos irmãos Coen. Uma das características que achei mais marcantes foi a burrice dos personagens. Gente normal faz escolhas péssimas, comete crimes sem planejamento algum e não tem preparo para se livrar das provas do crime, quando elas são lembradas. Nos filmes da série Pusher os personagens têm suas motivações, conflitos internos e atritos, mas agem, pensam e falam duma forma que se imagina que um traficante de verdade o faria, sem tiradas espirituosas e insights astuciosos.

Tonny e Frank
No primeiro filme, Frank (Kim Bodnia) e Tonny (Mads Mikkelsen) são pequenos fornecedores de drogas e quando não estão em atividade, passam o tempo em bares, casas de strip e vadiando de maneira quase adolescente. A história toma corpo quando um antigo amigo de Frank o procura para uma grande compra de heroína e ele pede um empréstimo de Milo (Zlatko Buric), que cede o dinheiro, ainda que contrariado pela dívida crescente de seu parceiro. A negociação acaba mal, Frank consegue perder o dinheiro e também a droga, iniciando assim uma espiral de violência, cobranças e desespero.

Pusher foi, em 1996, o primeiro filme escrito e dirigido por Refn e creio que o jeito direto e objetivo da história seja mais fruto de sua inexperiência do que realmente duma opção de estilo. É nítida a motivação de Frank, é possível criar alguma empatia com ele enquanto todo esforço seu torna-se inútil, mas ele, assim como os personagens da série, demonstram a profundidade dum pires. Podem ser vistos alguns traços de Cães de Aluguel, como as amizades efêmeras permeadas por momentos de desconfiança e trocas de ameaças.

Já em Pusher II, de 2004, a história gira em torno de Tonny. Recém-saído da cadeia, ele passa por uma série de reveses: dívidas, uma brochada, desconfiança e cobranças de seu próprio pai, um dono de oficina e desmanche de automóveis respeitado no mundo do crime. Além disso tudo, descobre que é pai dum menino, embora negue a paternidade. Tonny se arrisca como pode e como não deveria para que o respeitem, mas durante todo o filme ecoam as palavras do diálogo inicial: falta-lhe a capacidade de causar medo a quem está ao seu redor.



Vê-se que é um homem dividido entre mergulhar de cabeça no crime ou afastar-se dele. A história é mais densa, mais sombria e angustiante duma forma diferente da do primeiro filme. Tonny, além de ser um personagem mais interessante e mais bem escrito do que seu antigo colega de crime Frank, ainda é interpretado por um ator mais habilidoso. Com os anos Refn evoluiu bastante como diretor e principalmente como escritor, felizmente.

Finalmente a trilogia é encerrada em Pusher III, de 2005, com a história de Milo. Antagonista de Frank no primeiro filme e pequeno participante no segundo, agora o traficante sérvio tem um dia de sua vida narrado, começando com sua reunião nos Narcóticos Anônimos pela manhã e os preparativos do aniversário de 25 anos de sua filha. Enquanto Tonny lutava para subir postos no mundo do crime, Milo batalha para permanecer no topo. O veterano é constantemente acuado pela "nova geração", como diz o traficante Muhammed: o protagonista precisa se manter firme diante de um traficante albanês, um cafetão polonês e até sua própria filha.

É um encerramento melancólico para a trilogia, principalmente por uma cena em que o sérvio reencontra Radovan, que foi um de seus capangas no primeiro filme e que conseguiu abandonar o crime para abrir seu próprio restaurante. Radovan, contente e realizado, aceita ajudar o amigo, mas avisando-lhe severamente seria uma última ajuda pelos velhos tempos e que não aceitaria ser puxado novamente para essa vida. Milo, já condenado, já se mostra conformado ao estilo de vida que leva.
Milo angustiado

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