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Saturday, July 28, 2012

Envelhecendo

Um dia desses comecei a me barbear e, já com o rosto parcialmente pronto, lembrei de algo engraçado que havia visto ou ouvido e meu sorriso proporcionou um daqueles momentos em que a verdade nos é escancarada: notei pela primeira vez como algumas linhas marcavam as laterais de meus olhos. Como nunca fui muito vaidoso e só paro mais de um minuto em frente ao espelho quando raspo meus próprios cabelos, nunca havia me dado conta dessa pequena mudança visual, mas de significado muito mais profundo do que estas fendas na pele.

Significam sabe-se lá quantas centenas de horas de caminhada sob o sol, exposto à luz e à fumaça dos escapamentos sem a proteção do filtro solar, ou seja, por enquanto servem como um trofeu da minha luta contra a balança - "por enquanto" porque logo receberão novas rugas e novas linhas, assim deixarão de ser desbravadoras solitárias. Mais impactante que isso, porém, é perceber que os sinais do passar dos anos tornam-se cada vez mais explícitos. Não digo isso apenas pela contagem de número de anos vividos, cada vez mais rápida e impaciente, mas pelo que essas rugas traduzem.

Eu gostava das mulheres do Crumb, agora viro um homem crumbiano
As esperanças de adolescente curvam-se sob a improbabilidade de tornarem-se realidade: não há haréns, emprego empolgante, rios de dinheiro, carro de luxo ou vida de rockstar. Tyler Durden tentou avisar, porém a mediocridade da vida adulta é muito mais envolvente do que parece - e, mesmo sendo fácil aponta-la, não é uma tarefa tão simples fugir desse destino de cubículos, rotina modorrenta e relacionamentos turbulentos. Nunca me julguei especial ou um predestinado a uma vida nababesca, mas também não achei que me encaixaria tão bem aos moldes do estereótipo do homem comum. Cada nova linha que marca o rosto é uma evidência de confirmação de que apenas uma ideia brilhante, uma saída milagrosa ou um deus ex machina podem tirar alguém deste roteiro tão bem definido.

Pior do que envelhecer, no entanto, é virar um velho (com toda a conotação pejorativa possível). Ainda vejo a linha dos trinta anos um pouco distante no horizonte, porém tornam-se cada vez mais comuns os momentos de rabugice: não deveria ser comum me sentir angustiado por antecipação por "ter" que sair com grupos de amigos já prevendo que demorarei para voltar para casa - pior, saio, demoro para voltar e fico rabugento, então cada festa e ida ao bar vira algo trabalhoso. Assim sendo, às vezes invento pretextos para não sair simplesmente para ficar em casa já que prefiro o tédio confortável de meu sofá ao arrependimento tardio numa mesa de bar. 

Além desse aspecto da vida com os amigos, novos relacionamentos são encarados cada vez com mais desconfiança, frieza e medo de entrega; de alguma forma a maturidade, supostamente uma ferramenta para que envolvimentos fossem mais bem aproveitados, perde lugar para a insegurança e a cautela. Há quase uma censura, uma coerção para que gente adulta não se apaixone, como se houvesse uma idade limite (vinte anos?) para que duas pessoas possam se entregar de corpo e alma. Pessoas novas se conhecem e todo esse ceticismo faz com que um namoro - ou até algo maior - em potencial morra cedo pois as duas partes do casal se tratam como lutadores que se estudam  no começo duma luta.

Li uma vez uma frase, atribuida a Keith Richards (erroneamente, suspeito) que quanto mais velho um homem fica, mais velho ele quer ficar. Apesar de meu post queixoso, essa é também minha intenção - até por não haver escolha - e caminho em direção ao futuro, não sou arrastado contra minha vontade pelo passar dos dias. Aos poucos aprendi a apreciar as liberdades e suas inerentes responsabilidades, os dissabores transformados em lições e a experiência de vida acumulada, primeiro como adolescente, depois como maior de idade e hoje como um homem formado. Agora o objetivo é manter esta evolução e expandir o aprendizado. Notei, aliás, que minhas primeiras rugas foram descobertas graças a um sorriso, talvez elas sejam sintomas de eu sorrir muito, o que seria algo positivo. Que eu possa percorrer com tranquilidade a estrada sem paradas do tempo e não encontre obstáculos como a melancolia, a crise de meia idade ou um caminho mais árido ainda para relacionamentos.

Wednesday, July 25, 2012

Mais do mesmo

Há, no futebol brasileiro, a presença já costumeira das torcidas organizadas nas arquibancadas durante partidas. Com sua padronização de roupas da própria instituição, seus cantos em ritmo de samba e funk e a exibição de bandeiras - com ou sem mastro dependendo da vontade do Ministério Público de cada estado - elas são tradicionais e fazem parte da experiência de frequentar estádios, algo tão necessário e inerente ao jogo quanto a trilha sonora dum filme, por exemplo. Há outros formatos e formas de torcer em outros países: barras bravas na América que fala espanhol, hooligans na Inglaterra, ultras na Itália e no restante da Europa continental.

Alguns grupos, mais precisamente neste nosso pedaço de continente, cresceram como metástase nos corredores dos clubes. Por vezes como capangas de dirigentes, em outros momentos os próprios agentes de manipulação na política dos clubes, os torcedores organizados desviaram-se de seu papel inicial de apoio durante os noventa minutos de jogo para também se envolverem com administração, contratações, dispensas... Como um "estado dentro do Estado", assumem um papel independente dentro da agremiação e não necessariamente trabalham em acordo com o objetivo da entidade.

Esse desacordo nasce devido a interesses particulares ou da torcida sobrepostos aos do clube. Torcedores bancados por dirigentes ou que pedem auxílio de jogadores para bancar uma bandeira, uma faixa, uma viagem ou simplesmente "cinquenta real pra ajudar" são algo corriqueiro nas portas de centros de treinamentos e estádios enquanto mais discretamente arquitetam-se boicotes e ataques a jogadores, assim como vaias a treinadores e dirigentes encomendados por grupos de oposição.

De tempos em tempos, no entanto, parecem surgir novas torcidas para arejar estas arquibancadas empoeiradas. Surgiram barras no Sul, no Nordeste e até em São Paulo, grupos auto-intitulados como "ultras" e renova-se o público devido à passagem dos anos e assim espera-se que, coerentemente, alguns hábitos também mudem: que acabe o culto à própria imagem, que torcedores se virem sozinhos e não mamem nas tetas de clubes e seus dirigentes e, principalmente, que contentem-se em torcer e não em tentar fazer o papel dum regime ilegítimo de algum país esquecido nos confins da África.

A melhor prova para testar tudo isto, claro, é o tempo. No princípio estas reservas de moral formadas de rapazes ávidos por fazer parte de alguma coisa - qualquer coisa - fazem juras de "tudo pelo time, nada do time" e realmente dão a impressão de que conseguiram trazer novas ideias, mentalidades e posturas em relação ao time para o qual torcem. Porém há sempre um líder apto a conduzir esse rebanho à direção que mais lhe convém, isso quando o nascimento duma nova torcida não é um empreendimento já calculado (algo como a criação do PSD por Kassab). E assim, em questão de anos ou até meses, estas novas torcidas, ultras e barras caem na vala comum de fazerem músicas sobre si mesmas, de usarem roupas com seus nomes e não camisas do time e de nutrirem-se através do parasitismo. Mais uma vez, então, troca-se o fino verniz que reveste o torcedor, mas não sua essência - e assim aguardo algo que traga mudança honesta aos estádios brasileiros pois vejo novos festejos e ouço novas músicas, mas não noto mais do que isso.

"Tem que meter os panos da torcida!!"
* Post baseado em achismos, em lugares-comuns e no imaginário coletivo que presume tudo que acontece nos corredores dos clubes

Saturday, July 21, 2012

Se acabó

Parecia que não ia terminar nunca, mas o curso de espanhol chegou ao fim. Minto: ele não acabou, minha vontade sim se esgotou e escolhi interromper os estudos do idioma antes do último e duradouro módulo de todo um ano. A relação custo/benefício já não parecia tão conveniente e o excelente professor Fernando deixava transparecer cada vez mais seu desânimo, a ponto de fazer um breve desabafo pouco depois da última aula antecipando sua possível saída. Se eu já matava algumas aulas por desinteresse e ainda o melhor professor do idioma na escola já sinalizava que talvez não continuaria, não faria sentido prolongar a agonia até julho de 2013.

Claro, eu já não tinha mais vontade nenhuma de frequentar as aulas, mas não fui relapso com o meu aprendizado. Abandono o curso pois me virei muito bem em terras uruguaias. Foi fácil medir a evolução do meu espanhol comparando minha comunicação na viagem a Buenos Aires e depois a Montevidéu: num intervalo de exatamente um ano passei dum turista perdido entre frases de "portuñol" a alguém que se virava bem entre estrangeiros e embora não tivesse (e ainda não tenho) um vocabulário muito amplo, consegui me articular suficientemente bem para me enturmar com nativos, argentinos e mexicanos. Tudo isso em apenas doze meses de estudo, o primeiro deles um intensivo do módulo básico e dois módulos intermediários.

Além disso, meu trabalho também me ajudará a manter a prática: além de uma ou outra tarefa que executo exigir que eu utilize o espanhol, a IBM também oferece o Conversation Club, iniciativa para que funcionários possam praticar línguas estrangeiras em grupo. É uma iniciativa muito interessante pois dá oportunidade que todos se desenvolvam. O profissional mantém suas capacidades bem exercitadas, pode manter um hobby (onde eu mais me encaixaria) e a empresa lucra com a evolução das habilidades de comunicação dos empregados.

Ficam de positivo as amizades, as oportunidades que já surgem e o conhecimento acumulado. Agora não sei se volto a estudar algo tão cedo, talvez no ano que vem, por enquanto a meta é deixar as contas mais bem organizadas. Livros, até o fim do ano, apenas os de romances e economia.


Tuesday, July 17, 2012

Ohmae

Li recentemente o livro O Fim do Estado-Nação, de 1997, do estrategista empresarial e executivo japonês Kenichi Ohmae. Frente a empresas de grande porte por décadas, ele também se destacou como escritor e essa obra traz sua teoria de que os países como o conhecemos teriam seu papel diminuido no mundo dos negócios para darem lugares às regiões. Por exemplo: uma multinacional deixaria de visar um investimento no Brasil, na Itália ou na China para observar a Grande São Paulo, a região de Milão ou Guangzhou. A principal causa dessa mudança seria a incapacidade dos lentos e engessados governos centralizados de acompanharem as cada vez mais rápidas mudanças - principalmente com o início da popularização da Internet, da mesma época em que o livro foi lançado.

Apesar do foco do livro ser a forma como as multinacionais deveriam começar a agir, seria interessante conferir o outro lado da moeda: a morosidade dos pesados governos centralizados. O autor cita como exemplos de inaptidão de trato com disparidades regionais governos como o japonês e o italiano, porém ele não chega a mencionar o colosso chamado Brasília - aliás, só cita a cidade de São Paulo quando se refere ao Brasil. Separei então um trecho sobre o peso que essas compensações feitas por um governo central causam a quem está do lado "caridoso" da tentativa de equilibrar as desigualdades. Mais ainda, mostra por que se deve pensar num federalismo verdadeiro ou até no separatismo, não como se diz que "paulista quer se separar porque não quer se misturar com o resto", mas porque assim cada região, com sua identidade, capacidades e necessidades conseguiria se desenvolver plenamente pois não teriam amarras para lhe conter ou um bolso sem fundo para lhe acomodar.

"Caso eu more em uma das três maiores cidades japonesas, esse estado de coisas rapidamente perderá sua atração. Posso ser tão sensato como meu próximo, mas é difícil enxergar por que devo continuar pagando essa espécie de conta. Acesso aos terrenos, acesso à boa vida, uma cédula de votação que conte tanto como a de meu próximo: eis o que quero - e não um imposto monstruoso para sustentar agricultores ou algum outro eleitorado marginal. Tirar dinheiro de meu bolso para apoiar tais grupos é aceitável por algum tempo em nome da justiça. Mas qual a duração desse 'algum tempo'? A lógica de faze-lo para sempre não entra em minha cabeça. Se me impingirem essa política sem explicação, se ignorarem minhas preocupações e se aumentarem a minha contribuição já desigual, começarei a questionar todo o sistema. Em termos políticos, o caminho do 'sejamos um pouco mais equitativos na distribuição da carga' para 'afinal, quem precisa desses grupos marginais?' é dolorosamente curto.

De sua parte, é claro, esses grupos pensam que recebem muito pouco, se é que recebem algo. Afinal, sua necessidade é maior e as dificuldades de suas vidas mais pronunciadas. Por que deveriam ser tratados como cidadãos de segunda classe? Ou fazem parte do Japão, ou não. Se fazem, não existe uma razão legítima pela qual deveriam ver o mínimo público ser aplicado em outras partes, mas não no próprio país, particularmente com respeito às questões de estilo de vida.

Nos velhos tempos, os cidadãos japoneses teriam reclamado. Eles eram ensinados e treinados a não contestar o que o governo dizia ou fazia, aceitando tudo sem reclamar. Atualmente, porém, a disparidade marcante na carga econômica, aliada a uma disparidade igualmente marcante no estilo de vida, começou enfim a esgarçar o velho tecido social e, com isso, aquele velho hábito da aquiescência. Isso pode soar como exagero, mas não é. Finalmente os japoneses estão aderindo ao resto da sociedade industrial formada".

Kenichi Ohmae

Saturday, July 14, 2012

God Bless America

Acabei de assistir o filme God Bless America ("Deus abençoe a América"), baixado e copiado presenteado pela Raquel Linhares e achei que seria interessante escrever algumas linhas sobre ele. Primeiro, a história - sem spoilers: Frank, um homem de meia idade devastado por suas crises de enxaqueca, por seu divórcio, pela filha mimada que não lhe quer por perto e pela avassaladora enxurrada de cultura de massa que o atinge principalmente através da televisão chega ao fundo de seu desespero após um revés profissional e um pessoal. Disposto a tirar sua própria vida, Frank já está com uma arma dentro de sua boca quando começa a prestar atenção num programa que está sendo transmitido, algo semelhante ao programa My Super Sweet 16 da MTV, um "reality show" que acompanha os preparativos de festas de debutantes. Entre berros e ofensas, a aniversariante do episódio exibido ofende e humilha seus pais e despudoradamente. Frank decide então não se suicidar, pelo menos não até que ele vá atrás desta garota mimada e mandona. A história se desenvolve a partir daí, porém meu resumo é esse para não entregar detalhes.

Uma das tentativas de suicídio de Frank

GBA me lembrou muito Taxi Driver por girarem em torno de anti-herois quixotescos, brutais e misantropos. Frank e Travis Bickle vivem no limite da sanidade: o primeiro numa sociedade ultranacionalista e desmiolada enquanto o segundo convive com todos os vícios humanos nas ruas sujas de New York. O que os une é a incompatibilidade com o meio em que vivem e a pressão acumulada que entre em erupção - como diz o próprio personagem taxista: "de repente, há a mudança". Até achei que uma cena de God Bless America em que o Frank encontra um vendedor de armas poderia ser uma homenagem a Taxi Driver, já que as cenas são muito semelhantes - inclusive com direito a uma breve tomada da arma apontada a algumas pessoas na rua.

No entanto, o personagem mais moderno é uma versão coerente com o século XXI de seu predecessor: muito mais eloquente, de discurso articulado e até irreverente às vezes, Frank parece usufruir da era de informação acessível em que vive e se lança em alguns discursos bastante ricos. Às vezes ele chega a até a ser um pouco prolixo, mas a narrativa consegue manter o ritmo sem ficar enfadonha. Só lamento que alguns desses monólogos carreguem uma alta dose de arrogância - o personagem olha ao seu redor com tanto desprezo que quase ninguém escapa de seu asco. Se o filme é uma crítica do escritor e diretor Bobcat Goldwaith (o saudoso Zed, da Loucademia de Polícia) à sociedade contemporânea, talvez até o próprio Frank seja uma crítica à "elite intelectual" enfadada - e aí me vejo um pouco nele, infelizmente tenho que assumir.


Se essa era de informação é um trunfo do personagem, é a ela que a maioria dos ataques são voltados. Dois pontos me chamaram mais atenção: sobre a covardia de humoristas se esconderem sob a bandeira da liberdade de expressão e do politicamente incorreto para atacarem e discriminar. Como li por aí e infelizmente não lembro a fonte exata, o humor deveria ter o papel de subversão e questionamento, não de achincalhar quem já está indefeso e derrotado, algo ainda não compreendido pelas hordas do "humor inteligente" brasileiro atual.

Logo em seguida a paródia do American Idol retrata um júri que satiriza um débil candidato a subcelebridade disposto a passar por essas humilhações em troca de visibilidade passageira. Esse sadismo presente em tantos programas de auditório é comparado às lutas de gladiadores no Coliseu e apontado como um sinal de declínio dum império - pior, hoje as próprias vítimas se sujeitam à exposição ao ridículo.

Outra característica que notei foi o aparente posicionamento político de Frank, mais próxima do Partido Democrata. Achei que o filme tomaria um tom semelhante ao "Somos os 99%", mas felizmente não foi este o caminho trilhado. O comportamento errático dele, inclusive, é semelhante ao de William Foster em Um Dia de Fúria, talvez uma forma de não ligar personagens a bandeiras.

Fica aí então a minha recomendação e opinião sobre o filme. Não havia deixado claro no decorrer do post, mas há boas doses de comédia apesar do niilismo de Frank. Algumas situações absurdas da história também fazem com que God Bless America seja dinâmico e envolvente mesmo emm um ou outro ataque de verborragia. Vale assistir, sem dúvida.

Thursday, July 12, 2012

O ópio (?) do povo

Essa época do ano é um período de transe para o fanático por futebol: finais da Libertadores, da Copa do Brasil (nesse momento o Palmeiras põe as duas mãos na taça), ligas e copas europeias, torneios de seleções... toda essa maratona de disputas de taças, no entanto, desperta o entusiasmo do curioso que ouviu falar da final da Libertadores no programa da Ana Maria Braga, do torcedor ocasional, do simpatizante, do fanático e do torcedor "estudioso", que observa o futebol e recolhe dados e estatísticas de maneira enciclopédica. Toda essa (ruidosa) euforia, é claro, é antagonizada pelo descontentamento daqueles que são completamente avessos ao esporte. E a principal crítica que leio e ouço é que o futebol é o ópio do povo, que aliena e transforma o torcedor num ser distanciado da realidade, alheio a acontecimentos - principalmente políticos.

Em certos momentos, principalmente durante os anos da ditadura, isso faria mais sentido. Havia até um ditado: "Onde o Arena vai mal, time no Nacional", sobre a inclusão de equipes de regiões onde o governo militar fraquejava no Campeonato Brasileiro - o que explicava torneios disputados entre quase uma centena de participantes. Hoje, porém, o futebol não tem nem mais força para ser usado como ferramenta de manobra de massas já que a fidelidade do torcedor diminuiu progressivamente no decorrer dos anos, algo visível através das cada vez menores médias de públicos, muito inferiores a de outros países e concorrente com, por exemplo, os Estados Unidos, país onde o esporte nem desfruta de tanta popularidade. 

Isso se refere apenas ao público que frequenta estádios, ou seja, apenas uma porcentagem ínfima das torcidas - há todo o universo dos que acompanham à distância ou apenas dizem que têm um time por simpatia. De acordo com a Placar, o número de pessoas que não torce para nenhum time chega a mais de 36 milhões, mais do que as maiores torcidas do Brasil. Ou seja: se o brasileiro é alienado, não é por causa de um esporte que tem suas disputas transmitidas em meras quatro horas por semana na rede aberta.

Onde está o seu deus, amigo culto?
Se o problema não é o futebol, não vou ter pretensão de dar uma de sociólogo para justificar os motivos que levam nosso povo a não se interessar por nada que lhe seja construtivo. Porém, como isso é só um blog e ele é meu, posso usa-lo para apontar um julgador dedo na direção de quem faz essa afirmação falaciosa sobre meu esporte favorito (hehe). Dizer que futebol é o ópio do povo é um lugar comum óbvio, porém prático: em apenas uma sentença, o crítico se põe acima da massa de mediocridade ("que ignorantes, essa gentalha só sabe gritar 'gol!'") e também passa uma falsa impressão de conhecimento, pois seria necessário não ser um parvo para detectar a ignorância dos acéfalos. No entanto, esse clichê sobre o futebol é tão previsível como brincar com a maleabilidade do apoio do PMDB a outros partidos ou perguntar quando será a vez de José Sarney se aposentar a cada figura pública que é cassada em Brasília - quando Demóstenes Torres foi cassado, a palavra "Sarney" chegou aos temas mais discutidos do dia no Twitter devido a todos os "E o Sarney??" publicados.

Além disso, há sempre a comodidade de transferir a responsabilidade para alguém. "Esse pessoal briga por causa do time e não briga por causa da política". Ora, amigo, por que ele não briga pelo time e você briga pela política? Quando fui a uma manifestação referente aos escândalos recentes na prefeitura campineira, pouquíssimas pessoas "independentes" (sem ligação com movimentos ou entidades) esteve presente. Claro que os mais revoltados e mais sedentos de justiça não estavam presentes. E o mais curioso: na maior parte das vezes em que tento levantar alguma discussão com amigos ou nas redes sociais envolvendo temas como economia, política ou acontecimentos do mundo, vejo comentários das mesmas pessoas: a turma do futebol. Assim sendo, já começo a ter dúvidas sobre todo esse engajamento e esclarecimento de quem culpa o futebol pela ignorância dos outros. Qual a diferença entre um ignorante e um esclarecido apático?

Enfim, fica aqui minha argumentação, que acabou tomando tons de desabafo. A única forma de se dizer que o futebol é o ópio do povo é porque ambas as formas de fuga da realidade estão em desuso. Se há outras drogas mais modernas e mais potentes, como novelas, Big Brother ou igrejas neopentecostais, aí isso vai além de minha alçada.

Monday, July 9, 2012

9 de julho

Fazia tempo que não escrevia nada sobre mim aqui no blog. Bom, fazia algum tempo que não escrevia nada, já que apenas publiquei textos que achei interessantes. Tomei então vergonha na cara para escrever sobre uma mudança ocorrida em meu trabalho: desde que voltei de férias, lá pelos idos do final de junho, tenho feito a mesma atividade que mantinha antes, porém agora atendo parceiros brasileiros. Ou seja, a atualização de inventário que eu fazia de dados de máquinas em território americano baseada em informações enviadas por parceiros de negócios daquele país só mudou de endereço, agora faço a mesma coisa com clientes e parceiros brasileiros.

Agora já está tudo mais familiar, tanto o processo e os sistemas quanto o aspecto do relacionamento, mas às vezes ainda estranho a forma calorosa dos brasileiros trabalharem. Quando digo calorosa, me refiro a emails que chegam com um "Fala, Luizão" ou um "Obrigada, beijo!" - o cúmulo foi um "obrigada, minha criancinha!!". Além disso, há aquele senso de urgência despertado pela proximidade do fim do expediente, com pedidos que são passados a mim às 17:55 - embora eu possa ver no histórico de correspondências que esse caso ficou parado durante toda a tarde na caixa de entrada do remetente. Mas essas são idiossincrasias das quais eu havia me esquecido, trabalhar com americanos que me deixou desacostumado. O maior choque, no entanto, são os feriados.

Se antes eu só podia folgar em poucas datas (Memorial Day, Dia da Independência, Dia do Trabalho, Dia de Ação de Graças, Natal e Ano Novo, que me lembre agora), o número de feriados brasileiros é muito superior. Já folguei no Corpus Christi e hoje não trabalhei devido ao feriado comemorativo da Revolução Constitucionalista de 1932. A diferença de ter feriados brasileiros é positiva pois me permite viajar, fazer planos e ter mais liberdade, porém perco os dias que eu tinha para resolver pendências pessoais, ir a médicos, fazer compras... enfim, era um dia livre quando a cidade estava viva. Agora folgo junto com o resto do estado ou do país e ganho um dia de ócio para não fazer muita coisa.

PMs com a farda dos soldados de 32 à esquerda
Aproveitei então esta manhã para conhecer o monumento que homenageia campineiros mortos na revolução de 1932. Ao chegar ao Cemitério da Saudade encontrei gente com todo tipo de farda: escoteiros, guardas municipais, policiais militares, alguns soldados do Exército perdidos e alguns integrantes da PM com fardas semelhantes às vestidas durante a revolução - com direito a poses com armamentos antigas atrás duma barricada fake para fotos dos visitantes. 

Começaram as solenidades e gostei muito da homenagem feita aos soldados tombados, com a chamada pelos seus nomes respondida com um "PRESENTE!" pelos soldades de farda bege. Depois houve execução do hino nacional e entregas de medalhas - começa aí o lado político, com homenagens para prefeito, vereadores e "aspones" ao som da Marcha do Expedicionário. Acho que esse foi o único ponto negativo: lembrar os oitenta anos da declaração de guerra dum estado contra o resto da União e ter que emprestar músicas "brasileiras". Quanto ao hino nacional, imagino que existam protocolos para seu uso - até jogo de futebol se abre com o hino, certamente que isso é regra para cerimônias militares também - porém usar a canção dos pracinhas na Segunda Guerra Mundial parece mais falta de acervo no repertório estadual do que realmente homenagem aos soldados paulistas que tenham cantado essas frases nas luta contra os fascistas italianos. Mesmo se fosse homenagem também, que não se misturem as ocasiões, deixe cada qual com seu cada qual.

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